Caso Dallagnol é tiro de morte na imagem da Lava Jato
A cassação do mandato do deputado federal Deltan Dallagnol (Podemos-PR) por fraude chamusca em definitivo a reputação do ex-procurador da República que liderou a Operação Lava Jato. Mas os danos não se limitam à imagem da pessoa física, tamanha é a identificação entre Dallagnol e a sinistra força-tarefa.
Porta-voz de uma moralidade dúbia e seletiva, o agora ex-deputado foi condenado nesta terça-feira (16) em julgamento no TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Ação movida pelo PT o acusava de ter deixado Ministério Público Federal (MPF), em 2021, apenas para se livrar de 15 processos disciplinares e, assim, “contornar” a Lei da Ficha Limpa.
Segundo o ministro do TSE e relator do caso, Benedito Gonçalves, Dallagnol de fato apelou para esse “subterfúgio” e cometeu “fraude à lei”. Diz o magistrado: “O recorrido (Dallagnol) estava plenamente ciente de que a instauração de novos processos administrativos disciplinares em seu desfavor, culminando em ulterior e eventual demissão, não era apenas uma hipótese remota, mas uma possibilidade concreta”. Por isso, o então procurador pediu exoneração justamente para se antecipar à abertura formal de processos administrativos sobre sua atuação na Lava Jato.
Conforme a Lei da Ficha Limpa, membros do Ministério Público e do Poder Judiciário são considerados inelegíveis para qualquer cargo público, por oito anos, caso “tenha pedido exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar”. No caso de Dallagnol, a exoneração nessas circunstâncias foi vista como uma uma “manobra capciosa” para evitar outras sanções.
Não bastasse o relatório contundente de Benedito Gonçalves, Dallagnol enfrentou uma derrota ainda mais simbólica: a condenação à perda do mandato foi deliberada por unanimidade no plenário do TSE. Cabem recursos – ao próprio órgão e até ao STF (Supremo Tribunal Federal). Mas especialistas em legislação eleitoral não creem em reviravolta. Ávido por rotular adversários, Dallagnol terá de carregar, por ao menos oito anos, o estigma de “ficha suja”.
Os trabalhos da força-tarefa da Lava Jato se encerraram formalmente em 1º de fevereiro de 2021, mas ajudaram a conduzir seus protagonistas, posteriormente, ao Congresso Nacional. Nas eleições 2022 no Paraná, enquanto Sergio Moro se elegeu senador pelo União Brasil, Dallagnol foi o candidato mais votado à Câmara dos Deputados.
Porém, esse legado lavajatista está cada vez mais em xeque. Baseado num conceito genérico e frágil de “combate à corrupção”, no qual os fins justificam os meios, a operação enfrenta uma onda crescente de descrédito. Tanto a cúpula do Judiciário quanto a grande mídia – que aplaudiram e incensaram a Lava Jato por anos – pisam, agora, no freio.
Algumas datas podem ser consideradas fundamentais na derrocada da operação. A primeira, sem dúvida, é 1º de novembro de 2018, quando Moro anunciou que renunciaria à magistratura para ser ministro da Justiça e da Segurança Pública do governo Jair Bolsonaro. Detalhe: haviam-se passado apenas quatro dias da eleição de Bolsonaro à Presidência – e o impacto da Lava Jato na opinião pública fora decisiva para conter as chances de vitória de Fernando Haddad (PT).
Em 9 de junho de 2019, começou outro revés para a credibilidade da força-tarefa. Naquela data, o site The Intercept Brasil passou a vazar conversas privadas, feitas via Telegram, entre personagens centrais da operação, como Moro e Dallagnol. A equipe de promotores liderada por Dallagnol não apenas recebia informações privilegiadas de Moro – mas também orientações sobre como proceder no dia a dia. Na prática, quem julgava e quem acusava formavam um time só.
Outra data marcante é 23 de junho de 2021, quando o plenário do STF declarou de vez a suspeição de Moro para julgar Luiz Inácio Lula da Silva (SP) Foram sete votos a favor da suspeição e quatro contrários. À margem da lei, Moro havia conseguido tirar Lula das eleições 2018. A defesa de Lula, dentro da lei, mostrou que Moro não agiu de boa-fé.
A esses marcos se soma, agora, a cassação do mandato de Dallagnol. Vários estudos apontam como a Lava Jato, iniciada em março de 2014, asfixiou o Brasil. Devido a acordos firmados no âmbito da força-tarefa, a Petrobras suspendeu investimentos, empreiteiras brasileiras foram à falência e o setor naval quebrou.
Centenas de obras de infraestrutura, com projetos que somam mais de R$ 90 bilhões, foram paralisadas em todo o território nacional. Um memorando assinado entre os governos Bolsonaro e Trump, em 2019, entregou boa parte desses empreendimentos para construtoras norte-americanas.
Dallagnon afastado do Congresso é o tiro de morte que talvez faltasse à imagem da Lava Jato. É possível que Moro também perca o mandato de senador, se for condenado do TRE-PR (Tribunal Regional Eleitoral do Paraná) por irregularidades nos gastos de campanha e prática de caixa 2 nas eleições 2022. Fora da magistratura e fora da política, Dallagnon e Moro poderão se reencontrar na lata de lixo da História.