Vitória de Lula sobre Bolsonaro salvou a democracia, diz Manuel Castells
A viragem política iniciada com as manifestações de junho de 2013 e cristalizada com a vitória de Jair Bolsonaro (PL) nas eleições 2018 pôs em risco a democracia no Brasil. Na opinião do sociólogo Manuel Castells, a ameaça autoritária só não avançou ainda mais devido à vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na disputa presidencial do ano passado.
Para Castells, a terceira gestão Lula no Planalto representa “a última chance da democracia brasileira” – mas sob uma correlação de forças muito distinta da que o petista viveu em seus governos anteriores. “Ganhou-se algum tempo para restaurar a democracia e construir uma nova confiança na população”, afirma o intelectual espanhol em entrevista ao Valor Econômico.
As lições dos anos recentes, a seu ver, devem pautar os rumos do novo governo. “O PT e outras forças democráticas têm que prevenir qualquer corrupção, insistir na redistribuição de renda, limpar as polícias, aprender uma boa política de redes sociais e começar a reformar as instituições políticas”, analisa.
No balanço dos dez anos de Junho de 2013, Castells sugere que, entre diversos chefes de Estado que enfrentaram manifestações massivas, Dilma Rousseff foi uma das poucas que ousou legitimar o “recado das ruas”. A então presidenta tentou interpretar a “insatisfação de milhões, principalmente dos jovens, com a falta de atenção dos políticos aos seus problemas”, bem como as críticas às “metrópoles desumanas”.
Porém, essa flexão não impediu que um golpe de Estado tirasse Dilma e a esquerda do poder. O que houve, afinal? “Outros grupos de interesse aprenderam rapidamente o potencial das redes sociais e da internet, melhor e mais rápido que a esquerda”, sugere Castells, um dos maiores especialistas em comunicação de massas da atualidade.
É verdade – pondera ele – que o bolsonarismo construiu essa hegemonia nas redes à base de fake news em elevada escala. Além das notícias falsas, a direita e a extrema-direita foram pioneiras no uso da inteligência artificial – o que deixa um alerta para os políticos em geral. “O maior perigo da inteligência artificial não é que os algoritmos dominem os humanos, mas que humanos antidemocráticos usem as ferramentas poderosas da IA para criar falsificações poderosas e manipular a mente das pessoas.”
Não bastasse isso, houve um rearranjo das forças conservadoras, seja no Brasil, seja no mundo. “A extrema-direita está ganhando em todos os lugares e colocou as forças democráticas na defensiva porque está se aliando à direita”, diz Castells.
No caso da América Latina, onde a esquerda acumulou importantes vitórias nos últimos anos, o sociólogo propõe que a pauta democrática ande lado a lado com a pauta econômica e social. Tudo porque a região, segundo Castells, “não pode se estabilizar até que a desigualdade seja reduzida e as instituições, em particular as Forças Armadas, sejam reformadas”.