Com exclusividade, o jornal britânico The Guardian divulgou um relatório detalhado sobre as torturas, humilhações sexuais e religiosas, e terror psicológico prolongado que prisioneiros sofrem sob a custódia do governo dos EUA, desde o 11 de setembro de 2001. Leia a reportagem original aqui.

O relatório publicado pela primeira vez se chama American Torturers: FBI and CIA Abuses at Dark Sites and Guantánamo (Torturadores americanos: Abusos do FBI e da CIA em lugares obscuros e em Guantanamo) e foi escrito pelos professores de Direito na Universidade Seton Hall (Nova Jersey), Mark Denbeaux, e de Clínica Psiquiátrica da Universidade da Califórnia (São Francisco), Jess Ghannam. No entanto, o que destaca o trabalho dos acadêmicos é o poderoso reforço dos desenhos de Abu Zubaydah, um prisioneiro, há 21 anos sob custódia dos EUA no campo de prisioneiros de Guantanamo, em Cuba.

O paquistanês de 52 anos, é conhecido como o “prisioneiro para sempre”, porque não foi acusado de nenhum crime nem recebe qualquer perspectiva de libertação. Os EUA, inicialmente, alegaram que ele era um dos principais agentes da Al Qaeda, mas foram forçados a admitir que ele nem era membro do grupo terrorista.

Como tantos outros, Zubaydah é usado como cobaia humana no programa de tortura da CIA, e produziu o relato mais abrangente e detalhado já visto sobre as técnicas brutais às quais foi submetido. Fez isso por meio de uma série de 40 desenhos que narram a tortura que sofreu entre 2002 e 2006. As imagens fornecem uma visão única e sombria de um período que os Estados Unidos não medem esforços para manter em segredo.

Os desenhos foram esboçados de memória em sua cela em Guantánamo e enviados a Denbeaux, que é um de seus advogados. “Abu Zubaydah é o garoto-propaganda do programa de tortura dos Estados Unidos”, disse Denbeaux. “Ele foi a primeira pessoa a ser torturada, tendo sido autorizada pelo Departamento de Justiça com base em fatos que a CIA sabia serem falsos. Seus desenhos são o repúdio final ao fracasso e aos abusos da tortura.”

Na semana passada, um órgão da ONU pediu que ele fosse libertado imediatamente, concluindo que sua detenção em andamento pode ser um crime contra a humanidade. O relatório e os desenhos rompem o silêncio e a escuridão que podem, agora, contribuir para a libertação.

Fitas de vídeo de Zubaydah sendo torturado foram filmadas pela CIA, mas depois destruídas em violação a uma ordem judicial, enquanto um relatório de tortura de 6.700 páginas do comitê de inteligência do Senado permanece em segredo quase uma década depois de concluído. No entanto, se sabe que o Senado concluiu que o abuso de Zubaydah e outros detidos não conseguiu obter nenhuma nova informação relevante. De acordo com um resumo de 2014 do relatório do Senado, pelo menos 119 indivíduos foram vitimados pelo programa.

As representações são reproduzidas com tanta precisão que os rostos dos agentes da CIA e do FBI foram rasurados para proteger suas identidades. Os desenhos revelam até que ponto o governo dos EUA violou as leis internacionais e até mesmo suas próprias diretrizes sobre o que chamou eufemisticamente de “técnicas aprimoradas de interrogatório”. As técnicas descritas pelos desenhos não são aprovadas sequer pelos parâmetros formais do Departamento de Defesa.

As imagens mostram ameaças de estupro anal, interrogatórios em que Zubaydah está nu diante de uma interrogadora vestida sensualmente, profanações do Alcorão, espancamentos contra uma parede. Há ainda técnicas criativas de afogamento, em que fica preso num caixão com água por dias, entre os próprios dejetos, com medo permanente de se afogar. Há dias inteiros de transporte sem sentido de prisioneiros acorrentados, com fraldas, nus no frio.

Zubaydah chama de “vórtice” o uso simultâneo de várias técnicas usadas prolongadamente. Neste caso, o detento sofre 24 horas por dia de intensa tortura, por longas semanas ou meses, envolvendo dor, estresse, fome e frio. Consiste em pauladas em tempo de muito frio, até o desmaio e despertar violento para início de uma nova técnica, e assim por diante, até o uso de todas os métodos e reinício do ciclo.

Segundo o relatório dos especialistas, essas agressões violentas quando direcionadas à cabeça e pescoço do detento causam lesões traumáticas no cérebro e na medula espinhal cervical com dores de cabeça crônicas, dores no pescoço e dificuldades para movimentar a cabeça. As lesões cerebrais traumáticas causadas por tapas repetidos, tapas faciais e pancadas na cabeça causam deficiências cognitivas graves. Também pode resultar em uma condição muito dolorosa de zumbido no ouvido. O zumbido é frequentemente combinado com uma sensibilidade sensorial dolorosa, e as pessoas ficam extremamente perturbadas mesmo com níveis baixos de sons, luz, cheiros, tato e paladar. Pensar, falar, escrever e processar informações tornam-se dolorosos, difíceis e, às vezes, impossíveis. Na maioria dos casos é improvável mitigar esse sofrimento com tratamento.

O relatório conclui que os desenhos “não são apenas um testemunho poderoso do que a CIA e o FBI fizeram após o 11 de setembro, mas também são a única evidência” após a destruição dos registros em vídeo. Os autores consideram que esses atos “são horríveis e maus em si mesmos”. No entanto, consideram que pode ser ainda pior por significarem que “a CIA criou novas formas de infligir traumas físicos graves e, ao mesmo tempo, expor o detido a traumas psicológicos”.

É possível ver a descrição dos desenhos no relatório (clique aqui para ler a íntegra). Alguns desenhos são identificados como caixa-caixão, tábua de afogamento, emparedamento, suspensão, caixa de confinamento, ameaça de estupro, vórtice, frio extremo, caixa vertical, transporte de prisioneiros, pesquisa de cavidades, congelamento, reidratação retal/alimentação retal, alimentação forçada, golpe nas nádegas e ameaças de estupro, ameaças com uma furadeira elétrica, ameaça de profanar o Alcorão Sagrado, posições de estresse, ameaça de prejudicar os órgãos sexuais/genitais, ameaça de humilhação religiosa e blasfêmia, técnicas não letais.

Abaixo, alguns dos desenhos com representações extremamente gráficas e perturbadoras das técnicas:

(por Cezar Xavier)