Com novo programa, Brasil avança no direito à dignidade menstrual
A luta pela dignidade menstrual segue mobilizando pessoas, movimentos e sociedade civil pelo mundo. Apesar de avanços nos últimos anos, o tema ainda é visto como tabu e muitas vezes é subestimado pelos que estão à frente dos poderes constituídos — em geral, homens.
Estudo de 2021 feito pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) mostrou que no Brasil, quatro milhões de meninas não têm acesso a itens mínimos de cuidados menstruais nas escolas e 713 mil vivem em lares sem banheiro ou chuveiro no Brasil.
“Sem recursos, pessoas de baixa renda, em situação de rua, cumprindo medidas socioeducativas em meio fechado ou em regime carcerário acabam manejando sua menstruação com itens como papel higiênico, jornal, panos e roupas e até mesmo miolo de pão”, apontam as entidades.
Segundo dados do Instituto Locomotiva publicados pela revista Piauí, “cerca de 33% das pessoas que já substituíram produtos de higiene menstrual por outros itens o fizeram por questões financeiras. Entre as de menor renda, essa porcentagem cresce para 55%”. O uso de materiais não adequados pode acarretar uma série de problemas de saúde, entre os quais a Síndrome do Choque Tóxico, que pode até levar à morte.
Para enfrentar essa situação, uma importante vitória foi obtida no 8 de março, Dia Internacional da Mulher, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou decreto criando o Programa de Proteção e Promoção da Dignidade Menstrual. Embora já fosse garantida pela Lei Federal 14.214 de 2021, a distribuição de absorventes foi inviabilizada durante a gestão de Jair Bolsonaro.
Segundo informou o Ministério da Saúde no lançamento do programa, cerca de oito milhões de pessoas serão beneficiadas pela iniciativa que prevê investimento de R$ 418 milhões por ano.
A nova política tem como foco os públicos mais vulneráveis, de acordo com critérios do Programa Bolsa Família, incluindo estudantes de baixa renda matriculados em escolas públicas, pessoas em situação de rua ou de vulnerabilidade social extrema. Também serão atendidas pessoas em situação de privação de liberdade e que cumprem medidas socioeducativas. Voltado a todas as pessoas que menstruam dentro do critério, o programa alcançará mulheres cisgênero, homens trans, pessoas transmasculinas, pessoas não binárias e intersexo.
Nesta segunda-feira (29), tendo como mote o Dia Internacional da Dignidade Menstrual celebrado em 28 de maio, a Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados realizou audiência pública para serem apresentadas propostas e soluções visando a melhor e mais adequada implementação do Programa de Proteção e Promoção da Saúde e Dignidade Menstrual.
A proponente, deputada Erika Kokay (PT-DF) destacou que a dignidade menstrual é um direito humano e uma questão de saúde pública. “Hoje, 1/4 das pessoas que menstruam deixam de ir à escola em função da pobreza menstrual”, lembrou Kokay.
Como alternativa para viabilizar a distribuição de absorventes, Flávia Castelhano, cofundadora da Coalização pela Dignidade Menstrual, explicou que uma forma, experimentada por países como Canadá e Inglaterra, é a criação de um fundo para a dignidade menstrual.
Ou seja, ao invés de abrir mão da arrecadação dos percentuais abatidos sobre os impostos que incidem nos absorventes, os países e governos podem destinar parte do valor arrecadado para esse fundo. Ela explicou que essa possibilidade garante o acesso aos itens, uma vez que a redução de tributos sobre esses produtos nem sempre é suficiente para torná-los mais baratos e acessíveis a todas as pessoas que precisam.
Carmen Faro, do Ministério das Mulheres, salientou que a política anunciada pelo governo é inédita e que questões como a dignidade menstrual foram “guardadas por 521 anos e só chegaram aqui graças à ousadia de meninas, principalmente, que se organizaram no Brasil inteiro e trouxeram para esta arena um tema que era tabu”.
Ainda durante a audiência, Helena Branco, do Girl Up Brasil, salientou que “a dignidade menstrual é um direito humano imperativo para o exercício pleno de outros direitos, como a educação e a saúde”.