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Em meio ao atual processo de busca pela reconstrução do Brasil, um dos focos centrais no campo econômico é o fortalecimento da indústria. O setor passa por dificuldades há anos, mas a situação piorou sobremaneira sob Jair Bolsonaro e Paulo Guedes, que sempre desprezaram o papel do Estado como indutor do desenvolvimento. Agora, a partir de uma nova concepção estratégica do governo Lula, políticas nessa área podem ganhar novo impulso. Mas, a realidade impõe desafios que ainda terão de ser destrinchados para alavancar a reindustrialização do país. 

Reflexo dos problemas enfrentados sobretudo nos últimos anos, entre janeiro e fevereiro, a produção da indústria nacional teve queda de 0,2%, acumulando recuo de 0,6% por três meses consecutivos, conforme Pesquisa Industrial Mensal (PIM), do IBGE, divulgada em abril. A produção da indústria nacional, segundo o levantamento, ainda está 2,6% abaixo do patamar pré-pandemia da covid-19, considerado até fevereiro de 2020. O resultado também ficou 19% abaixo do recorde da série, alcançado em maio de 2011.  

“A indústria é um polo irradiador de crescimento econômico ímpar em comparação com qualquer outro setor. Também é o que tem a maior intensidade tecnológica e de inovação e no qual as inovações também têm maiores transbordamentos para outros setores. Então, a indústria é incomparável enquanto polo irradiador de crescimento, de inovações e, portanto, de ganho de produtividade para outros setores”, explica ao Vermelho Marco Antonio Rocha, professor do Instituto de Economia da Unicamp.

Além disso, a indústria está entre os setores que geram empregos com melhores remunerações e mais qualificações. “Isso tudo faz da indústria um ponto-chave ao longo de toda a história do capitalismo como uma fonte de desenvolvimento e de riqueza”, argumenta.

Ações e sinalizações do governo Lula vão no sentido de valorizar o setor, como elemento estratégico para o salto que o Brasil precisa dar tanto do ponto de vista econômico como social. Uma das mais recentes foi a reativação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial. 

Outro ponto importante foi o anúncio, pela Transpetro, de que a prioridade da nova gestão é voltar a construir navios no Brasil. Para isso, a empresa criou um grupo de trabalho interno para fazer um levantamento em até 60 dias sobre as demandas do setor, a situação dos estaleiros e os custos envolvidos nas operações. 

Em audiência pública realizada na Câmara dos Deputados em abril, a ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, defendeu “colocar a ciência, a tecnologia e a inovação a serviço da reindustrialização do país, uma prioridade do governo Lula e uma necessidade social contemporânea”. 

Ela explicou, ainda, que é preciso “construir soluções tecnológicas para arranjos produtivos, de modo a agregar valor, aproveitando as grandes disputas geopolíticas e tirando delas oportunidades”. Neste sentido, destacou, entre outros pontos, a importância do Complexo Industrial da Saúde, a política de incentivo à produção de semicondutores (chips) e programas de apoio à infraestrutura em pesquisa, como o Proinfa, alinhado à reindustrialização da economia. 

Recentemente, o vice-presidente Geraldo Alckmin, ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, lembrou que a desindustrialização precoce e “extremamente preocupante” que o país viveu nos últimos anos levou à redução da importância da manufatura industrial na economia. 

Alckmin destacou ações já realizadas pela atual gestão, como a própria criação do MDIC, os esforços para a redução do Custo Brasil e a ampliação da competitividade e inovação da indústria. Também apontou o Padis (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores), que garante isenção fiscal para estimular o setor de semicondutores e de placas solares.

Entraves

Para dar novo impulso à indústria nacional, na avaliação de Marco Antonio Rocha, da Unicamp, é preciso também superar barreiras que travam o desenvolvimento da área e impedem que o país se modernize, nos moldes do que vem acontecendo pelo mundo. 

Políticas industriais de grande porte no plano internacional, que são onerosas, têm sido colocadas em prática, levando em conta aspectos como a preocupação em criar cadeias mais sistêmicas e resilientes a um cenário turbulento que tende a se manter assim, além de questões ambientais e mesmo investimentos que possam resultar no melhor enfrentamento de emergências sanitárias e de saúde, cuja necessidade a pandemia de Covid-19 deixou clara. 

“No Brasil, estamos muito atrasados nessa discussão, que começa depois da crise de 2008, se intensifica em 2021 e em 2022 e 2023 a gente já tem políticas muito bem desenhadas pelo mundo começando a andar”, aponta Rocha. 

Ele completa salientando que, “por conta de quatro anos de governo ultraliberal em que a política industrial é vista como uma interferência do Estado, o Brasil ficou de lado desse processo. Então, a gente já começa com um certo atraso no planejamento. Para além disso, a gente tem um problema sério que é uma certa criminalização das políticas industriais que foram feitas no passado recente, o que torna o debate público muito fechado e muito avesso a uma coisa que é uma realidade internacional”. 

Rocha alerta para aspectos que podem acabar dificultando o processo de reindustrialização, inclusive na proposta de arcabouço fiscal, como a vedação a capitalizações, por exemplo, a bancos públicos e restrições orçamentárias a uma política que é custosa. 

Para ele, “primeiro a gente tem que resolver esse imbróglio relacionado ao debate de política industrial no Brasil e a utilização de certos instrumentos e depois a gente tem que fazer a política macroeconômica dialogar melhor com a política de desenvolvimento e com um Projeto Nacional de Desenvolvimento e, por fim, a gente tem que olhar e organizar a governança dessa política industrial nos moldes mais modernos e como vem se desenhando mundo afora”.