Charles III | Foto: Reprodução

Apesar de toda a pompa e opulência previstas, a coroação neste sábado (6) como rei Charles III da apagada e insossa figura de 74 anos que orbitou à sombra de sua mãe por décadas, ameaça expor a crise da carcomida monarquia britânica, apesar de toda a bajulação da mídia global à relíquia do feudalismo, seguida pelo tempo em que o sol jamais se punha no império colonial.

Com o Reino Unido cumprindo, na guerra por procuração dos EUA e Otan contra a Rússia, o papel de mais aplicado vassalo, repetindo, aliás, o que Tony Blair fez no Iraque, esse esforço por ressignificar a decadência britânica – de que a coroação é parte – não esconde o objetivo de reforçar a ordem unipolar de Washington. Inclusive no Indo-Pacífico, contra a China.

Recém saído do Brexit e da pandemia, o Reino vive o colapso mais profundo dos padrões de vida desde a Grande Depressão. Tem sofrido uma onda de greves contra o arrocho salarial e volta a se ver diante do separatismo escocês. Lá atrás, sob Thatcher, o país se desindustrializou, as privatizações e a financeirização proliferaram e a conta está por chegar.

EM FAMÍLIA

Na família real, uma situação patética. Charles III é considerado uma figura ridícula, descrito como um “chorão olímpico” por seus próprios amigos, adepto da pseudociência, metido ao ambientalismo majestático e não goza da afeição que a população dedicava à sua mãe, a rainha Elizabeth.

O irmão, príncipe Andrew, caiu no ostracismo após as revelações de seus laços com o pedófilo norte-americano Jeffrey Epstein e se esconde de responder na justiça.

A lavagem de roupa suja na família virou livro, com os príncipes William e Harry na berlinda, e respectivas esposas e filhos, mais o pai, agora rei. Alguém estranhou que o filho de Harry era “muito moreno”. Meghan Markle, duquesa de Sussex, não foi a coroação.

78% DOS JOVENS NÃO ESTÃO NEM AÍ

Quanto ao futuro da monarquia, entre os jovens, segundo pesquisas, 78% não estão interessados nela e, para 38%, deveria ser “abolida”.

Considerando todas as faixas etárias, as pesquisas revelam que apenas 29% dos britânicos descrevem a monarquia como “muito importante”, enquanto 25% a consideram “nada importante” e dizem que deveria ser abolida.

Nos círculos da aristocracia, a expectativa é que Charles III não cometa nenhum erro desastroso e seu reinado seja curto, e que o príncipe William, menos tostado, venha logo a substituí-lo.

Investigação feita pelo jornal The Guardian revelou que a riqueza pessoal de Charles subiu para quase £ 2 bilhões, após as heranças isentas de impostos da rainha.

O que levou, conforme pesquisa feita pelo jornal Daily Mirror, 52% dos entrevistados a achar que Charles deveria pagar por sua própria coroação. Tudo incluído, a cerimônia está custando “centenas de milhões de libras esterlinas” aos cofres públicos, segundo o Morning Star.

EX-COLÔNIAS PEDEM DEVOLUÇÃO DE TESOUROS ROUBADOS

O alarde sobre a coroação feito desde Londres levou ex-colônias britânicas a se manifestarem exigindo devolução de tesouros roubados, pedidos formais de desculpas e várias formas de reparação.

Petição online que já conta com 8.000 assinaturas reivindicou a Charles III a devolução do diamante “Cullinan” ou “Estrela da África” – a maior gema do mundo encontrada até agora-, que foi roubada do solo sul-africano em 1905 quando estava sob o controle do Império Britânico, fragmentada e embutida em símbolos da realeza britânica, como o cetro e a coroa.

A reivindicação já havia sido feita em 1995, durante a visita oficial da rainha Elizabeth II. “O diamante tem que chegar à África do Sul. Tem que ser um sinal de nosso orgulho, nossa herança e nossa cultura”, disse à Reuters o advogado e ativista Mothusi Kamanga, que mora em Johanesburgo.

“Acho que, em geral, os africanos estão começando a perceber que descolonizar não é apenas permitir que as pessoas tenham certas liberdades, mas também retomar o que foi expropriado de nós”, acrescentou.

Por seu lado, o deputado sul-africano Vuyolwethu Zungula disse à agência AFP que “toda a riqueza mineral da África do Sul pertence ao povo sul-africano, não a um palácio britânico”. Quando da morte da rainha Elizabeth no ano passado, o ex-porta-voz do Congresso Nacional Africano, Carl Niehaus, havia dito que eles queriam “recuperar a ‘Estrela da África’ e todos os diamantes, ouro e outros minerais que o império britânico roubou da África do Sul, sem compensação”.

ABORÍGENES

Líderes indígenas de 12 ex-colônias britânicas exigiram nesta quinta-feira (4) que o rei Charles III apresente um pedido de desculpas por “séculos de racismo” e pelo “legado de genocídio”. Em uma carta divulgada dois dias antes da coroação, esses representantes também pediram indenizações financeiras e a devolução dos tesouros culturais roubados.

O texto é assinado por líderes da Austrália, cuja população indígena foi massacrada e expulsa de suas terras por colonos britânicos, e de vários países do Caribe. O grupo afirma que está unido para ajudar sua população a “recuperar-se de séculos de racismo, opressão, colonialismo e escravidão”.

A ex-atleta olímpica Nova Peris, a primeira mulher aborígene eleita para o Parlamento Federal da Austrália, é uma das signatárias. Ela disse que chegou o momento de “reconhecer as consequências terríveis e duradouras” da colonização e o “legado de genocídio” sentido por muitas populações indígenas. O texto também é assinado por representantes do Canadá, Nova Zelândia e Papua-Nova Guiné.

REPÚBLICA, PEDE JAMAICA

O governo jamaicano apresentará um projeto de lei no próximo mês para cortar os laços do país com a monarquia britânica, possivelmente removendo o rei Charles como chefe de estado até 2024, disse a ministra constitucional e jurídica Marlene Malahoo Forte à Sky News na quinta-feira.

“Enquanto o Reino Unido está comemorando a coroação do rei, isso é para o Reino Unido”, disse Malahoo Forte à Sky. “A Jamaica está procurando escrever uma nova Constituição… que cortará os laços com o monarca como nosso chefe de Estado.”

Para os jamaicanos – ela destacou -, é “hora de dizer adeus” à coroa britânica. Uma pesquisa recente descobriu que a maioria em quase metade dos países da Comunidade Britânica – incluindo a Jamaica – votariam para se tornarem repúblicas se tivessem a oportunidade.

A república, disse Malahoo Forte, “é sobre nos despedirmos de uma forma de governo que está ligada a um passado doloroso de colonialismo e tráfico transatlântico de escravos”. A Grã-Bretanha traficou cerca de 600 mil escravos africanos para a Jamaica, e os proprietários de terras britânicos lucraram com as plantações na ilha.

A ministra quer ainda “um pedido de desculpas completo, além de medidas concretas para reparar o erro”. As reparações – sublinhou – “são o que o povo da Jamaica deseja e é algo que o governo fará”.

Fonte: Papiro