Corretores de olho nas telinhas da Bolsa de Nova Iorque, enquanto ações dos bancos regionais afundam | Foto: Spencer Platt/AFP

Nas últimas 24 horas, a crise bancária nos EUA voltou a se agravar, com o banco regional PacWest, de Los Angeles, dando sinais de que é a bola da vez, no day after da 10ª alta consecutiva dos juros pelo Fed no período de um ano, para uma faixa de 5 a 5,25%.

Fazendo água, também o Western Alliance, Zions e First Horizon, entre outros bancos norte-americanos. Alguns caíram 20-30% em um dia. “Parece que estamos de volta ao ‘quem é o próximo’”, ironizou o portal Zero Hedge.

As ações do PacWest caíram mais de 50% na quinta-feira (4) em meio a temores de que será a próxima peça de dominó a cair dentro da recente série de falências de bancos regionais. No encerramento, suas ações eram negociadas a cerca de US$ 3, abaixo dos US$ 27 no início de março.

“Ações de bancos regionais mergulham com temores de contágio”, estampou o Wall Street Journal, acrescentando que os investidores se perguntam quão mais “poderiam se espalhar” os problemas dos bancos regionais.

A crise dá continuidade ao processo de monopolização do setor bancário dos EUA, coisa que os CEOs do sistema tentam minimizar. Tanto assim que, na manhã de segunda-feira, após o colapso do First Republic, devidamente deglutido pelo JPMorgan Chase, tanto o órgão regulador federal, o FDIC, quanto o CEO do mega banco juravam que a crise estava contida e o sistema “é sólido e resiliente”.

Para se ter uma ideia do tamanho do poço que se abre diante do sistema financeiro norte-americano, os três bancos americanos que faliram este ano – First Republic, Silicon Valley e Signature – tinham mais ativos do que todas as 25 instituições financeiras que quebraram durante a crise de 2008, observou The New York Times.

Os três detinham um total combinado de US$ 532 bilhões em ativos, comparado com os US$ 526 bilhões [ajustado pela inflação] de todos os bancos norte-americanos que quebraram em 2008 no auge da crise financeira.

No balanço anterior – antes da ‘desidratação’ -, o PacWest tinha US$ 28 bilhões em depósitos e US$ 44 bilhões em ativos. Segundo a Bloomberg, a possibilidade de uma venda do banco inteiro está “prejudicada”, porque não há muitos compradores em potencial interessados.

ZUMBI

Já a direção do PacWest optou por asseverar que o banco zumbi foi “abordado por potenciais ‘parceiros e investidores’”. Com sede em Los Angeles, o banco se saiu, na quinta-feira, com a costumeira catilinaria de que tentará vender uma carteira de empréstimos de US$ 2,7 bilhões e buscar financiamento externo para “escorar” seu balanço.

Como muitos bancos regionais, o PacWest está sofrendo enormes perdas não realizadas em investimentos em papéis que perderam valor devido ao aumento das taxas de juros.

Por sua vez, o Western Alliance, que também declarou impreciso relatório de que estaria buscando comprador. O banco, com sede em Phoenix, viu suas ações despencarem 38% na quinta-feira.

Nesse quadro de ‘barata voa’, o First Horizon e o TD Bank anunciaram na quinta-feira que decidiram cancelar uma fusão planejada de US$ 13 bilhões, que teria formado o sexto maior banco do país.

RAIZ DA CRISE

Na raiz da crise em curso, a escalada das taxas de juros do Fed de quase zero, há apenas um ano, para 5,25%, na mais rápida elevação dos juros desde o ‘Choque Volker’ dos anos 1980. Isso, depois de uma década de juros ultrabaixos do Fed e de lavagem de papel podre via quantitative easing para os bancos “Too BigToo Fail”.

Em março, a bancarrota do Silicon Valley Bank, no coração do setor de alta tecnologia norte-americano e suas startups, escancarou a crise. O Fed e o órgão garantidor de depósitos (FDIC) passaram a ter de fazer plantão de fim de semana, pois precisa haver uma ‘solução’ antes da abertura do pregão de Wall Street na segunda-feira, para evitar que a queda dominó saia de controle.

A cada banco que vai à bancarrota, evidencia-se certa particularidade de como a blitzkrieg financeira do Fed o afetou.

No caso do SVB, as perdas por ter de vender antes do vencimento títulos do Tesouro para fazer frente à desenfreada saída de depósitos. No Signature, seu foco nas instáveis moedas criptográficas. No First Republic, as perdas nos Títulos do Tesouro sob os juros mais altos, mais as hipotecas feitas a taxas muito baixas para indivíduos ricos. E uma bolha formada por imóveis comerciais está se delineando explosiva no horizonte, ameaçando outros bancos de quebradeira.

Da especulação à Main Street, a economia real. Os bancos regionais são os principais financiadores das pequenas empresas. Ao Financial Times, um analista assinalou que existe uma reação em cadeia à medida que o mercado “está se concentrando nos elos mais fracos e procurando bancos vulneráveis” e indo do “banco mais fraco para o [próximo] banco mais fraco”.

Setores do Fed inclusive expressaram considerar positivo, em termos supostamente do combate à inflação, que a crise bancária contribua para a redução nos empréstimos, isto é, no crédito. Em outras palavras, para a recessão ou, pelo menos, desaceleração de uma economia já modorrenta.

Desde o crash de 1987, o sistema financeiro norte-americano vive de crise em crise, com o Fed entupindo os megaespeculadores com liquidez e jogando o custo do resgate nas costas da população. Um curioso ‘socialismo’, com o Estado a serviço dos banqueiros e monopólios norte-americanos, enquanto o austericídio neoliberal arrocha a imensa maioria. Isso em um quadro de um mundo unipolar sob as regras – e ameaças – de Washington.

Um quadro em que a revogação escrachada das limitações antes existentes à especulação – as leis de Roosevelt – levou ao liberou-geral no cassino global, e suas armas de destruição em massa, os derivativos.

Se não bastasse o crash de 2008 para fazer soar os alarmes, em março de 2020 o mercado de títulos do Tesouro dos EUA – o mais vital para o dólar – congelou no início da pandemia de Covid-19.

Da noite para o dia o Fed praticamente dobrou suas participações em ativos financeiros, para US$ 8 trilhões.

Na reabertura econômica pós-pandemia, a inflação começou a subir sob a desorganização das cadeias produtivas locais e globais, da retomada da guerra tecnológica dos EUA contra a China.

Com a eclosão do conflito na Ucrânia, essa alta da inflação vai ser realimentada pelas sanções decretadas por Washington e Bruxelas contra a Rússia, que geraram uma escassez artificial de recursos tão basilares quanto gás, petróleo, grãos e fertilizantes.

A política do Fed de alta dos juros também acarreta a exportação da inflação para os países que precisam usar esse dito dólar ‘forte’. E tudo isso converge para a entrada em cena da discussão da desdolarização e de um mundo multipolar.

MAIS FUROS NO DIQUE

Com o PacWest e outros bancos caindo pelas tabelas, a expectativa é de um fim de semana com emoções fortes. E com tantos furos no dique, nunca se sabe onde a água poderá irromper.

De novo o Zero Hedge, que lembra que “estamos apenas a um terço do caminho até 2024” e cita Charlie Munger, vice-presidente da holding do magnata Warren Buffett, a Berkshire Hathaway: o investidor de 99 anos disse ao Financial Times que os bancos norte-americanos estão cheios de “empréstimos podres” que ficarão vulneráveis quando “tempos ruins chegarem” e os preços dos imóveis caírem.

AGONIA

Para Munger, o risco vem do mercado imobiliário comercial dos EUA e o colapso dos preços dos imóveis comerciais ameaça criar um enorme tsunami de inadimplência.

“Muitos imóveis não são mais tão bons”, disse o banqueiro. “Temos muitos prédios de escritórios problemáticos, muitos shoppings centers problemáticos, muitas outras propriedades problemáticas. Há muita agonia por aí.”

Fonte: Papiro