Deputado estadual Emídio de Souza (PT-SP), presidente da Frente Parlamentar Contra a Privatização da Sabesp | Foto: José Antonio Teixeira

O deputado estadual Emídio de Souza (PT-SP) enviou um ofício ao Tribunal de Contas do Estado (TCE), na segunda-feira (10), questionando a legalidade do processo de privatização da Sabesp, empresa estatal de saneamento básico de São Paulo.

O documento contesta a assinatura de um contrato entre o governo do Estado de São Paulo e a IFC (International Finance Corporation), uma agência pertencente ao ‘grupo Banco Mundial’, “sem prévia autorização legislativa e observância alguma dos procedimentos determinados sobre a matéria pela Lei de Licitações e Contratos Administrativos”.

De acordo com o deputado, “a exigência de autorização legislativa ao processo de alienação de ativos de empresas estatais e a obrigatoriedade de licitação para a alienação de bens públicos são fundamentais para garantir a transparência, a publicidade e a proteção do patrimônio público; e é evidente que a dispensa disso tudo em qualquer etapa do processo configura afronta à Lei”.

“A Constituição Federal estabelece a necessidade de autorização legislativa para a prática de atos ainda que incipientes, mas que importem, ao final, na perda do controle acionário por parte do Estado em empresas estatais, como sociedades de economia mista e empresas públicas e essa exigência visa justamente garantir transparência e publicidade no processo de alienação de ativos públicos como um todo, como um conjunto, quando em análise ou julgamento, assegurando a proteção do patrimônio público”, diz o documento.

O deputado, que preside a Frente Parlamentar Contra a Privatização da Sabesp na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, já havia movido uma ação semelhante em março deste ano, quando conseguiu suspender o início do processo de privatização da Empresa Metropolitana de Águas e Energia (Emae). Além disso, prefeitos de municípios que possuem contratos com a Sabesp também questionam a viabilidade do processo de privatização.

Veja, a seguir, a íntegra do ofício:

Senhor Procurador-Geral,

Cumprimentando-o cordialmente, e sendo certo que ao Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, instituição permanente e essencial à função jurisdicional de controle externo do Estado, instituído pela Lei Complementar estadual nº 1.110, de 14 de maio de 2010, alterada posteriormente pela Lei Complementar estadual nº 1.190/12, com base normativa sedimentada no artigo 130 da Constituição da República, compete promover e fiscalizar o cumprimento e a guarda da Constituição e das Leis, no que se refere à fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do Estado de São Paulo e de seus municípios, bem como a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, requerendo, para tanto, as medidas de interesse da justiça, da administração e do erário, solicito informações quanto ao posicionamento da instituição e eventuais providências contrárias e/ou apontamentos sobre a ratificação por parte do governo paulista da ‘inexigibilidade de licitação para a contratação de serviços técnicos e consultoria para a estruturação da desestatização da Sabesp’, publicada no Diário Oficial do Estado de São Paulo, dia 07 de abril de 2023, Seção I, pg. 63 (doc. anexo).

Excelência, conta disso, restou marcado para o dia 10 de abril de 2023, conforme “Fato Relevante” noticiado pela Sabesp aos seus acionistas (doc. anexo), assinatura de um contrato entre o governo do Estado de São Paulo e a IFC (International Finance Corporation) – também conhecida como “Corporação Financeira Internacional”, sua razão social, uma agência pertencente ao ‘grupo Banco Mundial’, mas voltada especialmente para o setor privado – para estruturação da privatização da empresa.

Tudo, portanto, sem prévia autorização legislativa e observância alguma dos procedimentos determinados sobre a matéria pela Lei de Licitações e Contratos Administrativos.

Ocorre que as normas veiculadas especialmente pela Constituição Federal de 1988 estabelecem, como se sabe, que a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, conforme previsto em seu art. 37.

Não é sem razão, portanto, que o processo de privatização de uma empresa pública, desde sua estruturação, deve seguir procedimentos legais rígidos e transparência.

Com efeito, a Constituição Federal estabelece a necessidade de autorização legislativa para a prática de atos ainda que incipientes, mas que importem, ao final, na perda do controle acionário por parte do Estado em empresas estatais, como sociedades de economia mista e empresas públicas e essa exigência visa justamente garantir transparência e publicidade no processo de alienação de ativos públicos como um todo, como um conjunto, quando em análise ou julgamento, assegurando a proteção do patrimônio público.

A autorização legislativa, como se sabe, deve ser feita por meio de lei em sentido formal, passando por todas as etapas do processo legislativo, como a aprovação nas comissões temáticas, a discussão e votação em plenário e a sanção pelo chefe do Poder Executivo.

A dispensa de licitação, por sua vez, só é permitida em situações específicas e previstas em lei, o que não se aplica, evidentemente, num processo em que se busca terminar com a alienação de ativos de uma empresa pública.

Em resumo, a exigência de autorização legislativa ao processo de alienação de ativos de empresas estatais e a obrigatoriedade de licitação para a alienação de bens públicos são fundamentais para garantir a transparência, a publicidade e a proteção do patrimônio público; e é evidente que a dispensa disso tudo em qualquer etapa do processo configura afronta à Lei.

No mesmo sentido é o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a imprescindibilidade de autorização legislativa ao Estado, por meio de lei em sentido formal, para a prática de atos que tratem sobre a perda do controle acionário de empresas e sociedades de economia mista, aduzindo a ‘inconstitucionalidade material da dispensa de licitação ao processo de alienação de ativos de sociedade de economia mista, por violação dos arts. 37, XXI, e 173, § 1º, III, da Constituição’ (STF. ADI 5624 MC-REF/DF).
Sobreleva anotar, conforme muito bem demonstrado pelo Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo em ilustrada peça subscrita por Vossa Excelência e que provocou a suspensão liminar do certame relacionado ao processo de ‘contratação de consultores para a estruturação de venda da Empresa Metropolitana de Águas e Energia S.A.- EMAE’, que o respeito ao princípio da legalidade é primordial no trato da coisa pública.

Diante disso, ainda mais grave a assinatura de um contrato com a IFC para “estruturar” a privatização da Sabesp sem qualquer atendimento aos requisitos adrede estabelecidos pelo legislador.

A escolha da IFC como responsável pela estruturação da privatização da Sabesp também deve ser avaliada com cautela porquanto a instituição é conhecida por defender políticas neoliberais e de privatização em todo o mundo, o que pode indicar um conflito de interesses na condução desse processo.

Parece certo, portanto, a administração estadual não pode ultimar os atos de assinatura do contrato com a IFC sem antes observar todos os trâmites adrede determinados em Lei.

Diante disso e certo de que a solicitação de informações e posicionamento ora apresentada será diligentemente respondida, reitero protestos de elevada estima e consideração.

Atenciosamente,

EMIDIO DE SOUZA

Deputado Estadual PT-SP

Fonte: Página 8