Vigília em Londres diz que "jornalismo não é crime" e exige liberdade já para Assange | Foto: AFP

O editor que expôs ao mundo com milhares de documentos os crimes de guerra dos Estados Unidos no Iraque e Afeganistão, Julian Assange, completou na terça-feira (11) quatro anos de cativeiro na prisão de segurança máxima de Bersmarsh, conhecida como a ‘Guantánamo britânica’, onde é mantido encarcerado para ser extraditado por ‘espionagem’ para um calabouço da CIA pelo resto da vida.

Sob a palavra de ordem “Biden, retire as acusações!” (#BidenDropTheCharges), cartas assinadas respectivamente por parlamentares do Reino Unido, Brasil, México, Austrália e inclusive dos EUA foram encaminhadas à Casa Branca via embaixada nesta data, exigindo o fim da perseguição ao premiado jornalista.

Como o WikiLeaks tem reiterado, as acusações contra Assange são “um ataque sem precedentes à liberdade de imprensa e ao direito do público de saber” e almejam servir de folha de parreira para a extensão da extraterritorialidade das leis americanas a jornalistas em qualquer canto do planeta.

Assange é o mais ilustre preso político do mundo e, aos 51 anos, passou um terço de sua vida sob perseguição feroz por ter exposto à guerra do “petróleo por sangue”, a tortura, a corrupção e a ingerência dos EUA mundo afora.

E por, ao fazê-lo, ter sido capaz de trazer até mesmo alguns dos maiores jornais do mundo na exibição desses fatos, repetindo o feito de Daniel Ellsberg e dos “Papéis do Pentágono” nos idos do Vietnã.

Milhões de mortos e de refugiados, cidades arrasadas, crianças órfãs aos magotes, países inteiros destruídos – o plano era sete países islâmicos [com petróleo] em cinco anos, segundo o ex-comandante da OTAN Wesley Clark.

O que ficou sintetizado no vídeo, dos arquivos do Pentágono, do metralhamento por um helicóptero Apache de dois jornalistas da Reuters e uma dezena de civis sob ordens do comando operacional, o tristemente célebre “Assassinato Colateral”. Cujos autores materiais e mandantes seguem impunes.

Um amplo movimento internacional pela revogação da extradição e imediata libertação de Assange segue se espraiando no mundo inteiro e, junto com os esforços da defesa do jornalista, é o que impediu até aqui que tamanha ignomínia prevalecesse. Assange, na prisão, casou com a advogada Stella Moris, com quem tem dois filhos pequenos.

No ano passado, o sistema judicial britânico carimbou, como ordenara Biden, a extradição de Assange, pedida pelo antecessor Trump; Londres já deu seu aval. Líderes como o presidente Lula e seu homólogo mexicano López Obrador têm clamado pela libertação de Assange, assim como entidades de jornalistas, personalidades, artistas, associações da juventude e organizações como os Repórteres Sem Fronteiras e a Anistia Internacional.

35 parlamentares britânicos escreveram ao procurador-geral dos EUA no quarto aniversário da prisão de Assange para exigir que Washington abandone seus esforços para extraditá-lo. Eles alertam que a extradição de um jornalista e editor premiado “teria um impacto assustador no jornalismo e estabeleceria um precedente perigoso para outros jornalistas e organizações de mídia. Isso também prejudicaria a reputação dos EUA em relação à liberdade de expressão e ao estado de direito”, segundo o Morning Star.

“Qualquer extradição seria, de fato, colocar a liberdade de imprensa em julgamento. Seria um precedente perigoso para jornalistas e editores de todo o mundo”, afirma a carta, que pede um “ponto final” à “ultrajante acusação iniciada pelo governo Trump” e é assinada por parlamentares de seis partidos, de trabalhistas a conservadores, incluindo ainda liberais, verdes, Plaid Cymru (País de Gales) e SNP (escoceses).

No Brasil, 97 deputados federais assinaram uma carta ao governo Biden, pedindo a retirada do pedido de extradição de Assange. “Somamos a nossa voz ao apelo público crescente em toda a sociedade civil, organizações de direitos humanos, grupos de imprensa, classe política, artística e jurídica que entendem que a perseguição contra o Sr. Assange deve ser interrompida imediatamente. Concordamos plenamente com o Conselho da Europa, que considera o tratamento do Sr. Assange uma das ‘mais severas ameaças à liberdade de imprensa’. Reiteramos as posições do Parlamento da União Europeia e de parlamentares de todo o mundo que se opõem à extradição e expressam preocupação com as violações dos direitos humanos, civis e políticos fundamentais do Sr. Assange”.

Quase uma centena de legisladores federais e locais mexicanos exigiram que o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e o Congresso daquele país retirassem as acusações contra Assange e encerrassem o processo de extradição em andamento, assinalou o jornal La Jornada. “Nós nos unimos ao apelo pela libertação imediata de Assange, feito por organizações internacionais nas Nações Unidas, Anistia Internacional, outros defensores dos direitos humanos e associações legais e médicas.”

Senadores e deputados se juntaram, disseram eles, “a uma crescente voz pública na sociedade civil, organizações de direitos humanos, grupos de imprensa e a classe política e judicial que proclama que a perseguição a Assange deve parar”. Entre os signatários, estão o secretário-geral de Morena [o partido do presidente López Obrador], Citlalli Hernández, e os deputados Manuel Vázquez Arellano e Jorge Toledo.

Em uma carta aberta assinada por 48 parlamentares de seis partidos, os representantes australianos alertaram que a extradição, se consumada, “estabeleceria um precedente perigoso para todos os cidadãos do mundo, jornalistas, editores, organizações de mídia e liberdade de imprensa”. Eles também disseram que uma clara maioria dos australianos acredita que esse problema já se estendeu por muito tempo e deve terminar. Eles concluem instando o governo Biden a “abandonar o processo de extradição e permitir que Assange retorne à Austrália”.

Nos EUA, seis deputados democratas pediram que cesse a perseguição do governo dos EUA a Assange, alertando que protesto no mundo inteiro contra a extradição do jornal explicita “os conflitos entre… os valores declarados da liberdade de imprensa da América e sua perseguição ao Sr. Assange”.

São signatários Rashida Tlaib, Jamaal Bowman, Cori Bush, Greg Casar, Alexandria Ocasio-Cortez (AOC), Ilhan Omar e Ayanna Pressley, que afirmam que as acusações contra Assange “representam uma ameaça grave e sem precedentes à atividade jornalística cotidiana protegida constitucionalmente, e que uma condenação representaria um revés histórico para a Primeira Emenda”.

A carta reitera que se trata da primeira vez na história dos EUA que “um publicador de informações verdadeiras foi indiciado sob a Lei de Espionagem”, acrescentando que essas informações sobre as guerras do Iraque e do Afeganistão foram compartilhadas com os principais jornais, como The New York Times e Washington Post. “Com base na lógica legal desta acusação, qualquer um desses jornais poderia ser processado por se envolver nessas atividades de reportagem.”

“Cada dia que continua a acusação de Julian Assange é mais um dia em que nosso próprio governo mina desnecessariamente nossa própria autoridade moral no exterior e reverte a liberdade de imprensa sob a Primeira Emenda em casa”, conclui a carta.

SEM O DEVIDO PROCESSO

O que não falta são motivos para revogação da extradição, já que, pelo artigo quatro do próprio tratado a respeito, não pode ter motivação política. E só os absolutamente cínicos poderiam ignorar a natureza política envolvida nos crimes de guerra e na sua denúncia. Ainda, ao realizar suas atividades de jornalismo, Assange jamais esteve sob jurisdição dos EUA.

É incomum uma corte superior derrubar uma sentença de tribunal inferior favorável ao réu nesses casos de extradição. A decisão de primeira instância contra a extradição reconhecera o risco de suicídio caso Assange fosse trancafiado sob as draconianas condições prisionais nos EUA.

Em dezembro, a defesa de Assange contestara a decisão da Alta Corte, mostrando que as garantias dos EUA de não mantê-lo na solitária ou sujeitá-lo a tortura psicológica não eram confiáveis ​​– e citando a insuspeita Anistia Internacional.

Ainda, a sentença também ignorou abundantes registros na mídia de que Washington por várias vezes avaliou assassinar Assange, em pelo menos duas administrações diferentes. Primeiro, com Hillary Clinton sugerindo eliminá-lo com um drone. Depois, segundo o relatório de setembro de 2021 da Yahoo News, com base nas declarações de mais de 30 atuais e ex-agentes dos EUA, o governo Trump e a CIA discutiram e planejaram o sequestro ou assassinato de Assange.

Outro motivo para a revogação da extradição é que a CIA espionou Assange, utilizando uma empresa espanhola de segurança que prestava serviços à embaixada equatoriana em Londres, e violou, inclusive a relação cliente-advogado, caso que está sendo investigado pela justiça espanhola.

Fonte: Papiro