O uso do autoritário artigo 49.3 por Macron é repudiado nas ruas | Foto: Alain Jocard/AFP

Duas moções de censura contra o governo francês pela “canetada” para, sem votação, impor a famigerada e impopular reforma da previdência do regime Macron, foram apresentadas nesta sexta-feira (17), apesar do exíguo prazo de 24 horas.

Repudiada por mais de dois terços dos franceses, a ‘reforma’ aumenta de 62 para 64 anos a idade mínima de aposentadoria.

A primeira moção de censura é pluripartidária, tendo sido apresentada pelos deputados centristas do chamado Grupo Liot, com apoio da Nova União Popular, Ecológica e Social (Nupes), que congrega socialistas, comunistas, insubmissos e ambientalistas.

A Reunião Nacional (RN), encabeçada por Marine Le Pen, também apresentou sua moção de censura e comprometeu a votar a favor de qualquer moção de censura apresentada.

Se aprovada, para o que é necessário maioria absoluta, 287 votos a favor, a moção derruba a reforma e a primeira-ministra Elisabeth Borne, forçando a convocação de novas eleições para o parlamento.

Para isso, a moção de censura precisa de cerca de 25 votos das fileiras dos republicanos, havendo uma fração de deputados republicanos cuja recusa em apoiar a reforma foi a principal razão para Macron apelar para a brecha constitucional. “Os votos não estavam lá”, confessou a premiê Borne.

De acordo com as pesquisas, 71% dos franceses são a favor da moção de censura.

“SEM LEGITIMIDADE”

“Este projeto de reforma previdenciária não tem legitimidade social, nem popular, nem democrática”, diz a moção de censura transpartidária Liot/Nupes

A utilização de 49,3 pelo governo para que a reforma da previdência seja aprovada na Assembleia, sem voto dos deputados, “é o apogeu de uma negação inaceitável da democracia em sua constância e seu desprezo por nossas instituições e nossos órgãos sociais”.

“O veículo legislativo portador desta reforma das pensões, projeto de lei modificativo do financiamento da segurança social, testemunha uma manifesta e inédita utilização indevida do procedimento parlamentar e do n.º 1 do artigo 47.º da nossa Constituição”, acrescenta a moção.

Os deputados signatários advertem que “se este método prosperasse, criaria um precedente perigoso que permitiria aos governos aprovar vastas reformas sociais através de procedimentos tortuosos e forçados, que são perigosos para a nossa democracia”.

Segundo eles, ao aprovar um texto orçamentário para que tal reforma fosse adotada, “o governo optou, então, por burlar nossas instituições para que fosse aprovada uma reforma injusta que não teve o apoio da população na época. O Parlamento não foi adquirido para ele”, e de“ desviar” “o espírito da Constituição”.

Os franceses reagiram à canetada de Macron acorrendo às praças na noite de quinta-feira e entrando em confronto com a tropa de choque. Nesta sexta-feira, há protestos em várias cidades, bloqueios em estrada e assembleias para votar por greve. A Intersindical – que congrega as centrais sindicais – está preparando mais manifestações para segunda, terça e quarta-feira e convocou para quinta-feira (23) nova jornada nacional contra a reforma da previdência.” “A mobilização e as greves devem ser ampliadas. A passagem em vigor, com o uso do 49.3, deve encontrar uma resposta ao auge deste desprezo do povo”, reagiu imediatamente Philippe Martinez, secretário-geral da CGT

“Evidentemente, haverá novas mobilizações contra a reforma e contra o vício democrático que constitui o uso do 49.3. O governo não pode ignorar os milhões de pessoas que marcham há meses contra este texto”, afirmou o líder da CFDT, Laurent Berger.

O isolamento de Macron ficou patente na mídia francesa. “O décimo primeiro 49.3 operado por Elisabeth Borne parece um tiro no queixo”, disse o Le Monde em seu editorial. “Ao decidir, nesse contexto, usar o artigo 49.3, conforme autorizado pela Constituição, o Executivo quis dar uma pequena chance de sobrevivência à reforma, brincando com fogo. (…) O risco que corre é o de desligar-se do país por muito tempo, de guardar ressentimentos tenazes ou mesmo de provocar faíscas de violência.»

“Com este novo recurso ao 49.3, consuma-se o divórcio entre as nossas instituições e o povo, auge de uma crise insidiosa de deslegitimação do poder político, abrindo caminho régio às tentações autoritárias. O incendiário do Elysée é o único responsável por esta situação”, assinalou L’Humanité.

“É na instabilidade que (a) reforma da previdência mal adquirida empurra a França, sua democracia e seus trabalhadores”. “O presidente poderia salvar o dia anunciando que a lei será revogada após essa aprovação antidemocrática. Mas não é do seu estilo ouvir os franceses”, registra o Liberation.

Fonte: Papiro