Ex-primeiro-ministro da Austrália, Paul Keating | Foto: News Corp Australia

O ex-primeiro-ministro australiano Paul Keating disparou contra o atual governo por seu endosso ao bloco bélico Aukus [Austrália-Reino Unido-EUA] e pela anunciada compra de submarinos norte-americanos. Isso – enfatizou – não ajuda a proteger a Austrália e a arrasta para a tentativa dos EUA de preservar sua hegemonia agredindo a China.

Keating, que presidiu o governo australiano na década de 1990, reiterou sua visão negativa sobre a compra de naves movidas a energia nuclear da classe Virginia em uma longa repreensão esta semana, em pronunciamento feito no National Press Club, em Canberra.

O ex-primeiro-ministro a classificou como a “pior decisão internacional” de um governo trabalhista australiano desde o recrutamento na Primeira Guerra Mundial. “O pior negócio em toda a história”.

O atual primeiro-ministro australiano Anthony Albanese confirmou formalmente a aquisição na segunda-feira durante uma visita à Califórnia, onde ele e o primeiro-ministro britânico Rishi Sunak foram recebidos em uma base naval pelo presidente dos EUA, Joe Biden. O plano foi anunciado pela primeira vez em 2021, com Keating atacando o então governo conservador em Canberra.

Figuras no governo britânico estavam “procurando por otários”, disse o famoso político australiano mordaz sobre o prelúdio do anúncio há dois anos. “E eles encontraram – uau! – aqui está um monte de gente acomodada na Austrália.” O gabinete Albanese estava igualmente ansioso para levar o acordo adiante, acrescentou.

A Marinha Real Australiana está comprando até cinco submarinos de ataque dos EUA e possivelmente construindo mais três com a ajuda do Reino Unido. O acordo está estimado em US$ 240 bilhões.

Com esse investimento – reiterou Keating – a Austrália poderia ter “de 40 a 50 submarinos diesel-elétricos da classe Collins construídos no país”. Uma frota maior seria muito melhor para proteger a Austrália de uma possível invasão, o que exigiria uma “armada de navios de tropas” chegando à sua costa, destacou.

Enquanto que os submarinos nucleares seriam enviados para a costa chinesa para provocar e potencialmente participar de um conflito EUA-China, o ex-primeiro-ministro desvendou.

MANEIRA ESTRANHA

“É uma maneira estranha de defender a Austrália ter seus submarinos afundados na plataforma continental chinesa perseguindo submarinos chineses”, refletiu Keating. “Fazemos parte de uma política de contenção [dos EUA] contra a China”, acrescentou. “Trata-se apenas de uma questão: a manutenção da hegemonia estratégica dos EUA no Sudeste Asiático.”

O político descartou como “lixo” a ideia de que a China representa uma ameaça militar para a Austrália em primeiro lugar e considerou uma vergonha que jornalistas australianos a divulguem.

Keating também revelou que a França, que perdeu um contrato para submarinos convencionais da classe Attack em favor de Aukus, ofereceu “um novo acordo” para os “mais novos submarinos nucleares franceses”. Isso exigiria apenas “5% de urânio enriquecido, não 95%, grau de armas” e veio com uma “data de entrega firme” de 2034 a “preços fixos”, disse ele. Os franceses não receberam “nenhuma resposta”.

A respeitada articulista australiana, Caitlin Johnstone, que tem condenado o “acordo” Aukus, rebateu a argumentação do atual embaixador da Austrália em Washington, Joe Hockey, de que o objetivo seria “proteger os portos e rotas marítimas australianos”.

“Esta afirmação é falsa. Como foi explicado com humor na série de TV australiana Utopia, a China é o poder que supostamente está sendo “dissuadido” de atacar os portos e rotas marítimas da Austrália e, como a China é o maior parceiro comercial bidirecional da Austrália, isso significa que estamos efetivamente despejando centenas de bilhões de dólares para proteger nosso comércio com a China, da China”.

Por sua vez, o portal Moon of Alabama alertou sobre a “verdadeira razão para o acordo” ser “o desejo dos EUA de um porto e base na Austrália, de onde pode enviar seus próprios submarinos nucleares para assediar a China”. A oferta à Austrália para comprar submarinos nucleares “provavelmente foi feita apenas para remover a resistência pública australiana ao estacionamento de submarinos nucleares (com armas nucleares) no continente”.

O Reino Unido, os Estados Unidos e a Austrália “foram por um caminho errado e perigoso” com seu acordo de submarinos nucleares, disse um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China na terça-feira (14).

O acordo “ignorou completamente as preocupações da comunidade internacional”, disse Wang Wenbin em uma coletiva de imprensa. O acordo “estimulará uma corrida armamentista, minará o sistema internacional de não proliferação nuclear e prejudicará a paz e a estabilidade regional”, acrescentou.

A questão também mereceu um editorial do Global Times, que é uma espécie de porta-voz oficioso de Pequim. “Espera-se que a paz e a estabilidade da região do Oceano Índico e do Pacífico suportem por muito tempo o impacto, a pressão e os riscos trazidos por este acordo. Alguns meios de comunicação americanos até o chamaram de ‘marco’. De fato, pode se tornar um marco para os EUA, Grã-Bretanha e Austrália arrastarem a região da Ásia-Pacífico para uma ‘nova guerra fria’. É com isso que todos estão preocupados”.

Os submarinos Aukus vão “transformar a Austrália em uma casa mal-assombrada”, trazendo risco para toda a região e dilapidando “os anos de esforços dos países do Pacífico Sul na construção de uma Zona Livre de Nucleares no Pacífico Sul, protegida por um tratado formal”.

“Não apenas a China se opõe firmemente a isso, mas os países do Sudeste Asiático, como Indonésia e Malásia, também estão muito insatisfeitos. A Nova Zelândia nega diretamente aos submarinos nucleares da Austrália o acesso às suas águas”. O GT também se referiu à “humilhação” cometida contra a França para o acordo Aukus.

“Outra pergunta, a Austrália está em perigo sem os submarinos movidos a energia nuclear dos EUA? Não pode sobreviver? Obviamente não. A Austrália não apenas não precisa deles, mas definitivamente se colocará em risco ao comprá-los. A Austrália, que está isolada no Pacífico Sul e longe de outros hotspots da região, tem uma vantagem geográfica relativamente única. Nenhum país atacará ou mesmo invadirá a Austrália sem motivo. A Austrália tem tido condições de gastar seus principais recursos e energia na melhoria das condições de vida das pessoas”.

Fonte: Papiro