Filas de clientes se formaram diante das agências do falido SVB | Foto: AFP

Em uma semana, três bancos norte-americanos, um deles o 16º maior banco em ativos, quebraram nos EUA: o Sillicon Valley Bank (SVB), da California, o Signature Bank, de Nova York, e o Silvergate, da California, todos ligados à alta tecnologia.

O colapso do SVB, depois de uma corrida ao banco, ocorreu na sexta-feira (10), tornando explícita a crise em curso. O fechamento do Signature foi decretado em pleno domingo (12). O Silvergate, ligado à especulação com bitcoins (fraude do FTX), foi a pique na segunda-feira (7), com menos alarde.

Na manhã de segunda-feira (13), o presidente Joe Biden fez um pronunciamento antes da abertura das bolsas, para tranquilizar bancos e depositantes, asseverando que o sistema financeiro norte-americano estava “seguro”, depois que a segunda e a terceira maiores falências de bancos da história do EUA ocorreram em um período de 48 horas.

Na base do colapso está a elevação dos juros pelo Federal Reserve, o BC norte-americano, de 0,25% para 4,75%, o ritmo mais acelerado em 40 anos, agravando a crise que já grassava no setor de alta tecnologia nos EUA.

O SVB existia desde 1983 e havia sobrevivido à crise das empresas de Unternet, as ‘dot.com’ de 2001 e ao crash de 2008. Bancos regionais, o SVB tinha 206 bilhões de ativos e 175 bilhões de depósitos em 31 de dezembro de 2022; o Signature, US$ 110 bilhões em ativos e US$ 88 bilhões em depósitos.

No domingo, visando deter corridas aos bancos, o Federal Reserve e o Tesouro norte-americano decidiram que todos os depositantes irão receber integralmente o que tinham nos dois bancos: 90% dos depósitos do SVB estariam acima do teto legal de garantia de até US$ 250.000.

Sem esta decisão de respaldar todas as contas, “muitas empresas teriam perdido os recursos necessários para pagar a folha de pagamento, pagar as contas e manter as luzes acesas”, registrou a Associated Press.

Ultrapassar o limite de US$ 250.000 exigiu a decisão de que a falência dos dois bancos representava um “risco sistêmico” para o sistema financeiro norte-americano, referendada pelo conselho de seis membros do Fed, pela secretária do Tesouro, Janet Yellen, e pelo Fundo Federal Garantidor de Depósitos (FDIC).

Para isso, será usado um fundo criado depois do crash de 2008, de US$ 100 bilhões, constituído com recursos dos próprios bancos, embora não se saiba se esse montante é suficiente.

O Fed também estabeleceu um novo programa de financiamento de US$ 25 bilhões, contra garantia de títulos em carteira, muitos deles na condição de papel podre, o que, em tese, eliminaria a necessidade de uma instituição de vender rapidamente esses títulos em momentos de estresse.

O que foi o gatilho para o colapso do SVB: com urgência de liquidez, o banco precisou antecipar o resgate de títulos do Tesouro que tinha em carteira, US$ 21 bilhões, e perdeu US$ 1,8 bilhões na operação. O que se tornou público e desencadeou uma corrida ao banco, até ficar insolvente.

Na sexta-feira, pelo menos três outros bancos, o First Republic – este o 14º maior banco dos EUA -, o Western Alliance e o PacWest haviam sofrido perdas de monta nas ações, respectivamente recuos de 18%, 21% e 38%, gerando temor de um ‘efeito dominó’ no setor.

Mas o anúncio feito pelo Fed e Biden ainda não conseguiu estancar a evasão de clientes dos pequenos bancos para os “muito grandes para falir”, tipo JP Morgan Chase. “Grandes bancos dos EUA são inundados com novos depositantes enquanto credores menores enfrentam turbulências”, registrou o Financial Times.

Outra preocupação mais de fundo é de que a turbulência bancária agrave a tendência de os EUA entrarem em recessão e todos os olhos estão voltados para a reunião do Fed da próxima semana, que decidirá ou não, pela intensificação da alta de juros sinalizada por Powell.

CRISE NO SETOR DE ALTA TECNOLOGIA

Profundamente integrado ao setor de alta tecnologia do Vale do Silício, o SVB atendia metade de todas as novas start-ups usando financiamentos por investidores em capital de risco. Tinha 17 filiais na California e em Massachussets, e mais de 6.500 funcionários. Era o centro financeiro do Vale do Silício, posição consolidada em 40 anos de existência.

Desde a alta dos juros, acabou o ‘dinheiro fácil’ para as apostas na alta tecnologia, apertando as startups e até as grandes do setor anunciaram milhares de demissões.

Durante a pandemia, tanto pelo lado da ampliação do setor por conta dos lockdowns e do trabalho home office, quanto pelo aporte financeiro de parte do governo, o setor de alta tecnologia viveu uma expansão que, no relato do ex-secretário do Trabalho do governo Clinton, Robert Reich, gerou “lucros inebriantes às startups e às empresas de tecnologia”, parte disso depositados no SVB.

“Cheio de dinheiro, o banco fez o que os bancos fazem: manteve uma fração em mãos e investiu o restante – colocando uma grande parte em títulos do Tesouro de longo prazo que prometiam bons retornos quando as taxas de juros estavam baixas”.

“Mas então, há pouco mais de um ano, o Fed elevou as taxas de juros de quase zero para mais de 4,5%. Como resultado, duas coisas aconteceram. O valor dos títulos do Tesouro do Banco do Vale do Silício despencou porque os títulos mais novos pagavam mais juros”, destaca Reich.

Além disso, “à medida que as taxas de juros subiam, o fluxo de financiamento de capital de risco para startups e empresas de tecnologia desacelerou, porque os fundos de risco tiveram que pagar mais para tomar dinheiro emprestado. Como resultado, essas startups e empresas de tecnologia tiveram que retirar mais dinheiro do banco para pagar suas folhas de pagamento e outras despesas”.

“O que nos leva à falência do Banco do Vale do Silício na sexta-feira. Você não precisava ser um cientista espacial para saber que, quando o Fed aumentasse as taxas de juros tanto e tão rápido quanto fez, as almofadas financeiras por trás de alguns bancos que haviam investido em títulos do Tesouro encolheriam”, acrescenta o expecialista.

AS DIGITAIS DE TRUMP

Reich assinalou outro fator determinante para o colapso do SVB. Após o crash de 2008, o Congresso dos EUA aprovou a chamada lei Dodd-Frank, que parcialmente estabelecia restrições à especulação com dinheiro dos depositantes, feita pelos bancos depois que, sob Clinton, havia sido revogada a separação, instituída pelo governo Roosevelt, entre bancos comerciais e bancos especulativos (‘de investimento’) para evitar outro crash como o de 1929. Roosevelt fez isso através da Lei Glass-Steagall.

No governo Trump, mesmo essas escassas proteções de Dodd-Frank foram revertidas em 2018, com uma lei que diminuía o monitoramento dos bancos regionais, removia a exigência de que bancos com ativos abaixo de US$ 250 bilhões se submetessem a testes de estresse e reduzia a quantidade de dinheiro que eles tinham que manter seus balanços patrimoniais para se proteger contra choques.

“Não é de surpreender que o próprio executivo-chefe do Silicon Valley Bank, Greg Becker, tenha sido um forte defensor da reversão de Trump. Becker havia atuado no conselho de administração do Fed de São Francisco”.

Mas há um aspecto ainda mais deletério que foi apontado pelo portal Zero Hedge, em coluna de Simon Black. Lembrando que em 2008 o Lehman Brothers foi a pique por apostar quase todo seu balanço patrimonial em títulos hipotecários de risco, ele sublinhou que o SVB faliu porque colocou a maior parte do dinheiro de seus depositantes (US$ 119,9 bilhões) em títulos do governo dos EUA! “Os títulos do governo dos EUA são o novo ‘título tóxico’”, sublinhou.

O autor observa que o SVB na verdade tinha um balanço patrimonial “surpreendentemente conservador”. De acordo com as demonstrações financeiras anuais de 31 de dezembro do ano passado, o SVB tinha US$ 173 bilhões em depósitos de clientes, mas “apenas” US$ 74 bilhões em empréstimos.

É que normalmente os bancos emprestam a “maior parte” do dinheiro de seus depositantes. O Wells Fargo, por exemplo, divulgou recentemente US$ 1,38 trilhão em depósitos. Desse total, US$ 955 bilhões são emprestados. O que significa que o Wells Fargo fez empréstimos com quase 70% do dinheiro de seus clientes, enquanto o SVB tinha uma “taxa de empréstimo/depósito” mais conservadora de aproximadamente 42%.

“A questão é que o SVB não faliu porque estava fazendo um monte de empréstimos Ninja de alto risco. Longe disso. O SVB faliu porque colocou a maior parte do dinheiro de seus depositantes (US$ 119,9 bilhões) em TÍTULOS DO GOVERNO DOS EUA. Esta é a parte realmente extraordinária deste drama”.

“A maior parte da carteira do SVB era composta por títulos públicos de longo prazo, como notas do Tesouro de 10 anos. E estes têm sido extremamente voláteis. Em março de 2020, por exemplo, as taxas de juros estavam tão baixas que o Departamento do Tesouro vendeu algumas notas do Tesouro de 10 anos com rendimentos de até 0,08%”.

“Mas as taxas de juros aumentaram muito desde então; na semana passada, o rendimento do Tesouro de 10 anos foi superior a 4%. E esta é uma diferença enorme”. O SVB carregou títulos do governo de longo prazo quando as taxas de juros estavam muito mais baixas; “o rendimento médio ponderado em sua carteira de títulos, na verdade, foi de apenas 1,78%”.

“Mas as taxas de juros têm subido rapidamente. Os mesmos títulos que o SVB comprou há 2-3 anos a 1,78% agora rendem entre 3,5% e 5%… o que significa que o SVB estava sofrendo grandes perdas [ao antecipar seu resgate]”.

Eles não esconderam esse fato, diz Black. “Seu relatório anual de 2022, publicado em 19 de janeiro deste ano, mostrou cerca de US$ 15 bilhões em ‘perdas não realizadas’ em seus títulos do governo”.

“Em comparação, o SVB tinha apenas cerca de US$ 16 bilhões em capital total… portanto, US$ 15 bilhões em perdas não realizadas foram suficientes para essencialmente eliminá-los”.

“Novamente, essas perdas não vieram de uma montanha de empréstimos loucos da Ninja. O SVB faliu porque perdeu bilhões em títulos do governo dos EUA… que são os novos títulos tóxicos”, conclui.

O autor destaca então a dimensão do problema. O FDIC, o principal regulador bancário, “estima perdas não realizadas entre os bancos americanos em cerca de US$ 650 bilhões”. US$ 650 bilhões em perdas não realizadas – ele adverte – “é semelhante em tamanho às perdas totais do subprime nos Estados Unidos em 2008; e se as taxas de juros continuarem subindo, as perdas continuarão a aumentar”.

Fonte: Papiro