EUA acusam a China de “vir a fazer” o que os americanos já fazem
O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, afirma que a China agora cogita fornecer armas à Rússia. A declaração se dá, apesar da China ter evitado envolvimento direto com a Rússia, enquanto os EUA jogam gasolina na fogueira, desde o início do conflito.
Com isso, os americanos invertem os papéis com uma propaganda de guerra que acusa os chineses de algo que fazem sistematicamente. A mesma inversão que Joe Biden forja ao dizer que as nações do mundo “se recusaram a aceitar um mundo governado pelo medo e pela força”, ao atacar Putin.
“A preocupação que temos agora é baseada em informações que temos de que eles estão considerando fornecer apoio letal, e deixamos muito claro para eles que isso causaria um problema sério para nós e nosso relacionamento”, disse Blinken à CBS. Blinken esclareceu que se referia a armas e munições, mas não disse que tipo de armas.
O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Wang Wenbin, não deixou por menos. “São os EUA, não a China, que estão despejando armas no campo de batalha”, rebateu. “Os EUA não estão em posição de dizer à China o que fazer.”
Resposta chinesa
Biden havia “alertado” o presidente chinês, Xi Jinping, sobre as “consequências” caso Pequim oferecesse “apoio material” a Moscou em 18 de março do ano passado. Um dia após o discurso de Putin, no entanto, a diplomacia chinesa visita a Rússia como precursora de uma visita oficial de Xi, num eco do que fez Biden com Zelensky.
Embora seja aliado histórico de Putin, e sempre ameaçado pelos EUA, o governo de Xi tem andado sobre a corda bamba, em perfeito equilíbrio, durante todo este tempo, até porque a Rússia não deu sinais de precisar de apoio mais consistente, até então. A China sempre teve bons motivos para manter aliados militarmente fortes como a Rússia do seu lado, considerando que tem presença militar americana nas proximidades de seus mares, assim como a Otan (o tratado militar ocidental criado contra a URSS) cerca a Rússia.
Sempre em seu tom de busca pela pacificação do ambiente global, em junho, Xi criticou os EUA, chamando o mundo a “rejeitar a mentalidade da Guerra Fria e o confronto em bloco, se opor às sanções unilaterais e ao abuso de sanções e rejeitar os pequenos círculos construídos em torno do hegemonismo”, referências às sanções econômicas impostas pelos EUA à China e à Rússia.
Mas em setembro, Xi disse a Putin que tinha “dúvidas e preocupações” sobre a guerra e falou da necessidade de “injetar estabilidade” nos assuntos mundiais. Ele também repreendeu Putin no mês seguinte, quando este e Biden se encontraram à margem da cúpula do G20 na Indonésia. Com isso, deu demonstrações de seu desinteresse em alimentar um ambiente tenso num mundo econômico em que os chineses já são vitoriosos.
“A comunidade internacional deve se opor conjuntamente ao uso ou ameaças de usar armas nucleares, defender que armas nucleares não devem ser usadas e guerras nucleares não devem ser travadas, a fim de evitar uma crise nuclear na Eurásia”, disse Xi.
Latidos nucleares
Enquanto isso, a Rússia cultiva “temores de uma guerra nuclear”. Nas últimas décadas, ficou claro que um país só não é confrontado abertamente pelos americanos, quando garante algum controle sobre esse tipo de arma de destruição em massa.
Já em abril, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, alertou para o risco de uma terceira guerra mundial. “Eu não gostaria de elevar esses riscos artificialmente. Muitos gostariam disso. O perigo é sério, real. E não devemos subestimá-lo”, disse ele à televisão estatal russa.
Putin voltou à retórica de insinuar uma escalada nuclear durante seu discurso de 21 de fevereiro. “Sou forçado a anunciar hoje que a Rússia está suspendendo sua participação no tratado de armas ofensivas estratégicas”, disse Putin, referindo-se ao novo tratado START, que limita o número de ogivas nucleares estratégicas que os EUA e a Rússia podem implantar.
Ele não anunciou a retirada total do tratado, que foi renovado em 2021 por cinco anos. Durante seu discurso, Putin pediu à agência estatal de energia nuclear, Rosatom, que esteja pronta para retomar os testes de armas nucleares.
Em meio a todo este tensionamento, o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, visitou Putin no dia seguinte, aparentemente como um precursor de uma visita de estado. “Aguardamos uma visita do presidente da República Popular da China à Rússia, concordamos com isso”, disse Putin a Wang. “Tudo está progredindo, se desenvolvendo. Estamos alcançando novas fronteiras”, disse Putin.
A decisão da China de se aproximar da Rússia em seu momento de necessidade pode realinhar fundamentalmente as relações geopolíticas.
Até agora, analistas falavam em guerra por procuração entre a Rússia e os EUA, ao fornecer à Ucrânia grande parte do armamento que a mantém de pé. Caso a China entre neste mapa assimétrico, em que metade do mundo desenvolvido fornece armas para a Ucrânia, enquanto a Rússia se vira sozinha, o cenário muda com duas superpotências patrocinando seus campeões no ringue. Um cenário que tornaria ainda mais evidente a disputa por hegemonia entre Ocidente e Oriente.
Cezar Xavier com informações das agências internacionais.