Socióloga revela privilégio aos imigrantes cubanos nos EUA
O livro Cuban Privilege: The Making of Immigrant Inequality in America (em tradução livre, “Privilégio cubano: a construção da desigualdade migratória nos EUA”), da socióloga americana Susan Eckstein, vem provocando revolta na Flórida ao registrar algo que todos sempre souberam. A pesquisa, no entanto, registra com profundidade a desigualdade escandalosa que o governo dos EUA favorece ao privilegiar desertores da ilha socialista.
Eckstein teve que cancelar o lançamento do livro em uma livraria de Miami por motivo de segurança, pois cubanos reacionários de direita lhe declararam guerra. Na Universidade Internacional da Flórida (FIU, na sigla em inglês), onde ocorreu sua palestra mais importante, dezenas de pessoas protestaram do lado de fora.
São os mesmos ativistas anticuba que acusam o regime da ilha de esconder a realidade da população. No entanto, estão sendo capazes de agressões e atentados para impedir que os americanos saibam porque cubanos que chegam a Miami de bote ficam ricos, enquanto outros imigrantes passam gerações vivendo em bairros pobres e violentos. A propaganda ideológica de que o capitalismo é melhor que o socialismo não funciona para outros imigrantes.
Eckstein é professora do Departamento de Sociologia da Universidade de Boston (EUA) e é especializada nas relações entre Cuba e os Estados Unidos. Ela levou seis anos de pesquisa para escrever seu livro para analisar a evolução dos direitos e benefícios que os cubanos migrantes gozam por lei desde 1959 — ano do triunfo da revolução de Fidel Castro —, bem diferentes dos que recaem sobre imigrantes de outros países da América Latina e do Caribe.
Eem entrevista à BBC News, ela diz ter se sentido surpresa com as reações, pela atenção e propaganda dada a seu livro. Outros trabalhos seus dificilmente são lidos por outros que não sejam acadêmicos. Os primeiros ataques vieram de políticos de direita, naturalmente, que admitiram nunca ter lido o livro.
Eles acusam-na de ser simpatizando de Cuba. Ela, no entanto, diz que seu livro não diz respeito ao país, nem a seu regime, mas à política migratória dos EUA. “Ponto final”, diz.
No ano passado, mais de 250.000 cubanos fugiram para os EUA, um recorde histórico. Se os cubanos vivem sob um regime repressivo, como alegam os detratores da pesquisadora, não são os únicos. “Sou mais a favor de estender esses direitos a outros imigrantes do que eliminá-los para os cubanos”.
Até americano ia querer
Ela diz que, em seus muitos estudos sobre Cuba, sempre ficou intrigada com o tamanho dos privilégios que só os cubanos têm, enquanto haitianos, que também seriam refugiados, são deportados todo dia, de forma humilhante e agressiva, para a ilha ao lado de Cuba. “O fato de os cubanos terem esses privilégios, e os haitianos não, sugere que não é simplesmente uma questão de justiça”, diz ela, inferindo o caráter ideológico da política americana. Na verdade, ela denuncia que os verdadeiros “refugiados políticos”, os dissidentes que enfrentam o governo cubano, estão presos e não podem usufruir do status de refugiado.
Ela descreve os privilégios como políticos, econômicos e sociais gerados na Guerra Fria. Ela relata que tudo começou com a revolução, no final da década de 1950, quando o país recebi os desertores presumindo que eles voltariam para derrubar o regime. Com o fracasso da invasão da Baía dos Porcos em 1961, eles ganham novos benefícios, como faculdade gratuita, treinamento vocacional ou auxílio para colocação no mercado de trabalho. Não importava o motivo, só o fato de ser cubano já era motivo para ganhar o melhor status possível na imigração americana.
Segundo Eckstein, o objetivo era roubar cérebros e os melhores cubanos, o que falhou, conforme o regime ofereceu a melhor educação para seus cidadãos. Os imigrantes seriam formados nos EUA para um eventual retorno para governo Cuba.
A Lei de Ajuste Cubano de 1966 permitiu que qualquer cubano obtivesse status legal permanente e cidadania americana e continua em vigor. A socióloga também diz que é muito atacada, ao explicar que a definição da Organização das Nações Unidas (ONU) para refugiado não bate com os critérios dos EUA criados exclusivamente para os cubanos.
O privilégio, hoje
Com o fim da Guerra Fria, a política externa deixou de ser um argumento para privilegiar os cubanos. Com o poder e influência que acumularam, republicanos e democratas consideram fundamental conquistar a Flórida para chegar ao poder e, para isso, precisam do voto dos cubanos, os quais procuram atrair concedendo cada vez mais benefícios à comunidade.
Mas isto tem seus impactos locais, já que o privilégio é sustentado por todos os cidadãos nascidos nos EUA, inclusive os afro-americanos, que sofrem a desigualdade racial e ainda pagam pela ascensão social facilitada aos cubano-americanos.
Na sua última semana no cargo, Barack Obama (2009-2017) pôs fim ao direito de entrada livre temporária, que era exclusivo dos cubanos. Assim, os migrantes da ilha começaram a recorrer a uma nova via: pedidos de asilo, que levam anos. Depois de um ano os cubanos usaram a Lei de Ajuste Cubano para se tornarem residentes permanentes.
O presidente Biden estendeu recentemente para dois anos o direito de entrada em liberdade temporária a venezuelanos, haitianos, nicaraguenses e cubanos, mas apenas estes últimos podem, em um ano, recorrer à Lei de Ajuste Cubano para consolidar seus direitos de longo prazo nos Estados Unidos.
E também, uma vez nos EUA, apenas os cubanos se qualificam para receber benefícios sociais.
(por Cezar Xavier)