Malcolm X fala em comício no Harlem em 29 de junho de 1963 | Arquivo

Ilyasah Shabazz, filha do líder da luta pelos direitos civis dos negros nos Estados Unidos, Malcolm X, anunciou na terça-feira (21) que abrirá mais um processo contra o FBI, a CIA e a polícia de Nova Iorque por conspirar para assassinar seu pai, crime que chega ao 58º aniversário, destacando que a ação visa divulgar mais amplamente a verdade do caso e fazer justiça.

A decisão foi comunicada em entrevista coletiva pelo advogado Benjamin Crump, que disse ter tomado conhecimento de que em novembro de 2021 foi confirmado e verificado que a Agência Central de Inteligência (CIA), o Departamento de Polícia de Nova Iorque, o Departamento Federal de Investigação (FBI) e o promotor de Nova Iorque têm novas evidências sobre o fato.

Essas provas foram “ocultadas de forma fraudulenta sobre o assassinato de Malcolm”, acrescentou Crump.

“Qualquer evidência que forneça uma maior compreensão da verdade por trás dessa terrível tragédia deve ser investigada exaustivamente”, declarou Ilyasah Shabazz.

“Saber a verdade sobre as circunstâncias que levaram à morte de meu pai é importante não apenas para nossa família, mas para muitos seguidores, muitos que procuram nele orientação, amor”, afirmou.

MALCOM X DENUNCIOU HIPOCRISIA DOS EUA

Em 21 de fevereiro de 1965, três meses antes de completar 40 anos de idade, dentro de um teatro lotado no Harlem, em Nova Iorque, quando pronunciava um discurso foi assassinado a grande liderança negra dos EUA, Hajj Malik El-Shabazz, mundialmente conhecido como Malcolm X.

Entre as centenas de pessoas que ouviam seu discurso, e assistiram a chuva de tiros desferidos na direção do seu corpo naquele dia, estavam sentadas nas primeiras cadeiras sua esposa grávida e suas outras três filhas.

Malcolm X foi uma das grandes lideranças dos EUA a se posicionar publicamente contra a Guerra do Vietnã, denunciada por ele como uma guerra racista e imperialista.

Partiu de Malcolm também a iniciativa de fazer as denúncias acerca da discriminação e os informes sobre a luta do movimento negro norte-americano chegarem a organismos internacionais como a ONU para situar o mundo sobre a condição de segregação e genocídio a que estavam submetidos. Argumentava que era preciso mostrar ao mundo as “mãos sujas de sangue” e a hipocrisia praticadas pelos governos norte-americanos; os limites da democracia e os impostos à cidadania dentro desse sistema de governo.

Isso ficou exposto em vários trechos de um de seus últimos discursos intitulado “Voto ou bala”: “Não sou democrata. Não sou republicano. […] Estou falando como uma vítima desse sistema americano. E vejo a América pelos olhos da vítima. Não vejo nenhum sonho americano; vejo um pesadelo americano”.

As filhas de Malcom X e o advogado Ben Crump insistiram que seja investigada a participação do FBI e da polícia de Nova York no assassinato do líder negro exposta em carta no leito de morte por um policial, Raymond Wood, que atuava na época infiltrado, pedido que já apresentaram em 2021.

“Ray Wood, um policial disfarçado na época, confessou em uma carta de declaração no leito de morte que a NYPD [polícia de Nova York] e o FBI conspiraram para minar a legitimidade do movimento pelos direitos civis e seus líderes”, assinalou Crump.

“Sem nenhum treinamento, o trabalho de Wood era se infiltrar em organizações de direitos civis e encorajar líderes e membros a cometer atos criminosos. Ele também foi encarregado de garantir que o destacamento de segurança de Malcolm X fosse preso dias antes do assassinato, para que não tivesse segurança na porta enquanto ele se encontrava no Audubon Ballroom, onde foi morto em 21 de fevereiro de 1965”, resumiu o advogado.

Três homens foram condenados pelo assassinato e presos, e todos acabaram em liberdade condicional.

Na época Malcom X vinha assumindo uma concepção muito mais ampla da luta contra o apartheid vigente nos EUA e inclusive procurara se aproximar de Martin Luther King e de líderes de países africanos.

Reggie Wood leu em uma entrevista coletiva em 2021 a carta em que o primo Ray revela ter participado “de ações que, em retrospectiva, foram deploráveis ​​e prejudiciais para o avanço do meu próprio povo negro. Minhas ações em nome do Departamento de Polícia de Nova York foram feitas sob coação e medo”.

“Por 10 anos, carreguei essa confissão secretamente com medo do que poderia acontecer à minha família e a mim se o governo descobrisse o que eu sabia”, revelou.

De acordo com essa carta de Wood, em 1965, os supervisores da polícia de Nova York [NYPD] o instruíram a arquitetar um complô para atrair dois membros-chave da segurança de Malcolm X, Khaleel Sayyed e Walter Bowe, a fim de garantir que os dois fossem presos e separados de Malcolm X durante seu discurso em 21 de fevereiro.

Sayyed e Bowe foram presos em 16 de fevereiro em conexão com um suposto ‘atentado contra a Estátua da Liberdade’, embora Bowe tenha testemunhado na época que era coisa de Wood. A carta divulgada mais de meio século depois corrobora a afirmação de Bowe.

Na carta, Ray Wood disse ter sido ameaçado pela polícia com “acusações pendentes de tráfico de álcool… se não seguisse” as instruções para sabotar grupos de direitos civis. Sua confissão também compartilhou detalhes dos esforços da NYPD para incriminar um grupo de Panteras Negras, conhecido como “Pantera 21”, que foram absolvidos após serem injustamente acusados ​​de planejar ataques terroristas em Nova York em 1969.

O advogado Benjamin Crump traçou uma conexão direta entre as tentativas de agentes da lei de se infiltrarem e sufocarem movimentos de ativistas pelos direitos civis na década de 1960 e os esforços mais recentes contra os ativistas do Black Lives Matter.

Ficou notória a atuação do Departamento de Justiça do então presidente Trump na vigilância e arapongagem contra líderes negros no auge dos protestos anti-racismo do verão de 2020, quando o assassinato de George Floyd gerou uma comoção nacional.

“Embora esta seja uma revelação surpreendente do passado”, disse Crump sobre a confissão de Ray Wood, “vou lembrá-lo: o passado é um prólogo. Malcolm X é Black Lives Matter.”

Crump convocou o procurador distrital de Manhattan e os membros do Congresso – em particular os parlamentares negros – a investigarem o papel do governo no assassinato de Malcolm X.

Fonte: Papiro