Palácio do Alvorada foi deixado tão em ruínas, quanto todo o governo Bolsonaro
O Palácio da Alvorada não é exatamente uma residência aconchegante. Suas linhas modernistas estão mais para uma instalação da Casa Cor ou um escritório de uma empresa de arquitetura, e menos para se imaginar uma família morando. Oscar Niemeyer se inspirou em redes penduradas nas varandas para a fachada do prédio. As colunas são tão icônicas que se tornaram um símbolo de Brasília e da Presidência da República. Por este motivo, é um belo programa de visitação para turistas em Brasília ou um espaço privilegiado para reuniões reservadas com chefes de estado e gente importante.
Eu fui um dos turistas que entrou lá, em novembro de 2003, recebido por Marisa Letícia, esposa falecida do presidente Lula. Foi um passeio descontraído para conhecer as dependências sociais do Palácio, ver de perto obras de arte modernistas (Di Cavalcanti, Ceschiatti, Athos Bulcão, Concessa Colaço, Scliar, da Costa, Volpi, Bianchetti, Kennedy Bahia, Leontina, Djanira, Maria Martins, Brecheret, Portinari, Bonadei, André Bloc) acessíveis apenas em fotografias, assim como o mobiliário que marca o design brasileiro no mundo (Niemeyer e mobiliário do período monárquico), e até cartografia brasileira de séculos atrás. Logo depois, o Palácio foi fechado para obras de restauro, voltando a ser visitado em 2006. Lula e Marisa moraram esse tempo na Granja do Torto.
Apesar do programa de visitação durar décadas, ainda antes de assumir, Jair Bolsonaro pediu para interrompê-lo na residência oficial, restringindo-o a alguns poucos apoiadores que faziam claque para ele no famoso “cercadinho” do Palácio. Quem dificultasse mais o trabalho da imprensa podia ser sorteado para uma visita guiada para conhecer as emas. Com a pandemia, Bolsonaro também interrompeu a visitação ao Palácio do Planalto, que nunca mais voltou. Desnecessário dizer que o patrimônio público foi privatizado pelo bolsonarismo.
A volta dos turistas e estudantes aos Palácios parecia mais um “revogaço” da gestão Lula sobre as decisões autoritárias de Bolsonaro. No entanto, ao entrar pela primeira vez depois de uma longa temporada longe, Lula se assustou com o que viu. Talvez as visitações demorem mais um pouco. Será preciso “união e reconstrução” para que o prédio possa receber as pessoas, novamente.
Aliás, o que mais me chamou a atenção na visita que fiz no começo do primeiro governo Lula foi a passagem pela biblioteca do Palácio. O guia, que era um antigo funcionário de carreira, explicou que, infelizmente, páginas de livros haviam sumido com o passar do tempo e nunca recuperadas. Ele falava de livros com cerca de 500 anos, com páginas escritas e ilustradas à mão. Obras de valor inestimável. Há coleções de jornais e revistas europeias antigas, também.
Pois, nesta quinta-feira (5), a esposa do presidente Rosangela Lula da Silva, a Janja, fez questão de receber uma reportagem da Globonews no Palácio para mostrar a situação do prédio e dos objetos, depois da passagem de Bolsonaro. Ela terá que fazer um inventário de tudo que viu desde a segunda-feira (2), pois o Palácio está muito diferente do que sempre foi.
A partir de um catálogo de imagens de Ricardo e Bruno Stuckert, feito durante o governo Dilma, ela pode verificar as diferenças, como ausência de obras de arte e mobiliário, deslocados para outros locais. No entanto, algo que nem precisa conferir no catálogo para perceber a diferença, é a própria falta de manutenção estrutural do prédio. Foi o que mais deixou Lula chateado. Ver que, em pouco mais de dez anos, tem muita coisa deteriorada.
São assoalhos destruídos e tapetes puídos, poltronas rasgadas, cortinas sujas, vidraças quebradas e infiltrações no teto. Salões completamente vazios e sem registro de inventário das mudanças. Obra de arte exposta ao sol, estatuária religiosa barroca deixada no chão. Por ser evangélica, Michelle Bolsonaro recusou conviver com as imagens católicas, assim como Bolsonaro escondeu arte tematizando a cultura afrobrasileira. Janja anunciou que vai tentar tombar a decoração do Palácio, de autoria de Anna Maria Niemeyer, assim como é tombado o edifício. Esta seria uma forma de impedir que governantes desvirtuem algo que é patrimônio histórico nacional.
O pastor da igreja de Michelle Bolsonaro, Francisco de Assis Lima Castelo Branco, nomeado para trabalhar como “síndico” do Palácio da Alvorada e, depois como coordenador-geral das residências oficiais da Presidência da República, não se manifestou sobre as críticas. Ele não tem qualquer qualificação que justifique ser responsável por patrimônio histórico tombado.
A jornalista Natuza Nery aproveitou para mostrar que na pasta de anotações de lives do ex-presidente, gravadas na biblioteca do Palácio, não tem nada, afinal todas as fake news eram improvisadas. Janja, por sua vez, mostrou um cilindro de oxigênio ao lado da cama de Bolsonaro. A imagem misteriosa viralizou nas redes sociais como um símbolo sombrio de tudo que ele representou para a pandemia de covid-19. Não admira que ele saiba imitar perfeitamente uma pessoa com falta de ar. O presidente que chegou a ficar doente, dispunha dos melhores tratamentos, enquanto Manaus passou por uma crise de falta de oxigênio hospitalar, lembram as postagens.
Até o final de janeiro, Janja pretende se mudar com Lula para o Alvorada, usando apenas os quartos, enquanto se faz a manutenção do restante do prédio. Mas ela se diz muito ativa para ocupar aquele espaço apenas como primeira-dama. Diz que vai tentar contribuir como puder com o governo do marido.
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(por Cezar Xavier)