O melancólico regresso de Bolsonaro à vida pública
As palavras são do presidente do PL, o golpista Valdemar Costa Neto, uma das poucas pessoas a encontrarem Jair Bolsonaro (PL) logo após o segundo turno das eleições presidenciais, em outubro de 2022:
– “Quando fui lá na segunda-feira, ele estava um pó”;
– “Quando eu o vi após uma semana, eu achei que ele ia morrer”;
– “O cara estava desintegrando”;
– “Ele ficava quatro ou cinco dias sem comer nada”;
– “O mundo dele virou de ponta-cabeça.”
Passados três meses da derrota para Luiz Inácio Lula da Silva (PT) – e um mês do início do autoexílio de luxo nos Estados Unidos –, Bolsonaro ensaiou um regresso à vida pública. Foi uma palestra organizada pelo grupo direitista Yes Brazil USA, na cidade norte-americana de Orlando, onde o ex-presidente está instalado desde 30 de dezembro.
Os organizadores dizem ter vendido todas os 600 ingressos para o evento, mas a um preço absolutamente modesto para os padrões dos Estados Unidos: US$ 59 na área VIP e US$ 10 nas cadeiras comuns. Esperava-se que Bolsonaro apontasse algum caminho para a oposição a Lula, uma diretriz para sua base, uma espécie de diretiva de luta.
No final, quem foi ouvir o homem “que estava um pó”, “se desintegrando”, saiu com a impressão de um déjà vu, de mais do mesmo, como se ainda estivéssemos em clima de campanha eleitoral. Talvez a aparência de Bolsonaro já esteja melhor do que aquela com a qual Valdemar Costa Neto se deparou, mas suas ideias continuam empoeiradas, cheirando à naftalina.
“Pode ter certeza: em pouco tempo teremos notícias. Por si só, se esse governo continuar na linha que demonstrou nesses primeiros 30 dias, não vai durar muito tempo”, afirmou, sem detalhar do que exatamente se tratava.
Bolsonaro falou de passagem sobre o 8 de Janeiro e deixou no ar uma manifestação de apoio aos golpistas que invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, em Brasília. Para o ex-presidente, há “muita gente sendo injustiçada lá. Aquilo não é terrorismo pela nossa legislação”.
E não faltaram contestações, ainda que veladas, às urnas eletrônicas. “Eu nunca fui tão popular”, choramingou Bolsonaro, referindo-se ao período eleitoral de 2022. “No final das contas, a gente fica com uma interrogação na cabeça.” Tamanha sensação de popularidade não o impede, porém, de preferir distância do Brasil. “Estou há 30 dias aqui (nos Estados Unidos) e pretendo ficar por mais algum tempo. Não tenho certeza de quanto tempo ainda”, afirmou Bolsonaro.
Como era véspera de eleição às Mesas do Congresso brasileiro, o ex-presidente defendeu a candidatura do Rogério Marinho (PL-RN) ao comando do Senado. “É algo importantíssimo para todos nós, brasileiros”. Marinho perdeu a disputa nesta quarta-feira (1) para o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que, com o apoio de Lula, se reelegeu presidente da Casa.
Ao final da palestra, para mostrar que ainda não “estava um pó”, Bolsonaro disse que não pensava, por ora, em se aposentar: “Eu estou com 67 anos e pretendo continuar ativo na política brasileira”, prometeu, sem muita convicção, o ex-presidente. Mas sua volta melancólica e decepcionante aos palcos da política pode indicar o contrário: Bolsonaro está com dificuldades para mobilizar a imensa base que já esteve ao seu lado e pode caminhar para o encolhimento.