Entre os mortos, um médico estagiário que prestava assistência aos feridos (Reprodução)

As tropas do governo de Dina Boluarte abriram fogo contra peruanos indefesos na cidade de Juliaca, no Peru, segunda-feira (9), assassinando ao menos 19 manifestantes que reivindicavam a sua destituição e da mesa diretora do Congresso, e a eleição de uma Assembleia Constituinte. Além deles, foi morto na chacina um jovem médico estagiário que trabalhava no socorro às vítimas das balas expansivas e mais de 70 pessoas ficaram feridas, várias com gravidade.

Projetadas para se expandirem no impacto até duas vezes o seu diâmetro, as chamadas balas “dum dum” são utilizadas nas armas de caça, mas têm o seu uso proibido na guerra.

Ao adotar o modelo fascista de Fujimori e Montesinos (1990-2000), Dina Boluarte também assumiu o seu cinismo. Quando informada do primeiro executado do dia, disse que “não estava entendendo claramente o que está se pedindo” e acusou os manifestantes de estarem semeando o caos nas cidades.

Prontamente, a Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH) “repudiou a atuação das forças da ordem, da presidente Dina e de seus ministros, por serem responsáveis pelo massacre em Juliaca, pelo que deverão responder”. O fato, explicou a CNDH, “é que este governo não respeita a vida”.

O secretário-geral da Confederação Geral dos Trabalhadores do Peru (CGTP), Gerónimo López, ressaltou que “desde que Dina Boluarte mandou as forças armadas reprimirem os protestos se desencadeou uma onda de assassinatos”. “Não podemos ter a responsável de crimes de lesa-humanidade na Presidência”, destacou o dirigente, reiterando que “os trabalhadores defendem que o melhor caminho é a renúncia de Dina, a recomposição da mesa diretora do Congresso e um verdadeiro governo de transição”.

MOBILIZAÇÃO POPULAR PELA DEMOCRACIA

A repressão teve início quando manifestantes de diversas comunidades aimarás se mobilizaram até Juliaca e Puno para somar sua voz aos protestos que se espraiam por todo o país em defesa da democracia. Em instantes, a presidente transformou a sua pretensa disposição de “diálogo” em cenário de cemitério, colapsando o hospital Carlos Monge Medrano, em Juliaca.

Conforme o chefe do Departamento de Emergência do hospital, inúmeros manifestantes assassinados apresentavam feridas de bala próprios das balas expansivas. “O que chama a atenção a mim, como médico, é que estejam ingressando com projétil de armas de fogo, porém que não tenham orifício de saída. No entanto, os pacientes vêm com seus órgãos internos destroçados”, denunciou, frisando que o ataque é típico dos feitos com balas “dum dum”.

Entre os mortos, além da menor Nataly Aroquipa Hanco, de 17 anos, encontra-se Marco Samillán Sanga, estagiário de medicina da Universidade Nacional do Altiplano, executado quando tentava auxiliar a pessoas feridas no aeroporto Inca Manco Capac.

“Nada justifica que as Forças Armadas e a Polícia Nacional disparem diretamente no corpo desde o alto dos edifícios ou de helicópteros”, apontou Jorge Pizarro Pacheco, dirigente do Movimento Novo Peru e integrante da Assembleia Nacional dos Povos. “Dina Boluarte e seu primeiro-ministro Otárola têm as mãos manchadas de sangue de jovens peruanos. Por isso, só resta a renúncia”.

Da mesma forma que em jornadas anteriores, informou o Diário Uno, usuários registraram nas redes sociais vídeos e fotografias dos ataques de policiais disparando, inclusive contra quem tentava registrar a carnificina.

O governador regional de Puno, Richard Hancco Soncco, registrou que a atual presidente passou a encarnar um “Estado repressivo criminoso e violador dos direitos humanos” e que “a população só terá calma quando Dina renuncie”.

Na avaliação do antropólogo Javier Torres Seoane, pelas mensagens emitidas pelo governo, “só resta preparar-nos para uma repressão muito pior do que ocorreu em Juliaca”.

Diante do quadro trágico, crescem os protestos e as manifestações pelo fim do pesadelo e o retorno da democracia à Presidência e à mesa diretora do Congresso. “Quantos mortos mais querem para ir embora? Parem o massacre!”, declarou a ex-ministra da Mulher, Anahí Durand.

A bancada do Peru Livre defendeu que se ponha “fim ao massacre terrestre e aéreo em Juliaca-Puno” e exortou a presidente a deixar o cargo e convocar eleições.

Como bem sintetizou o escritor e apresentador de televisão César Hildebrant, “o governo não governa, reprime; o governo não dialoga, baleia”.

Papiro (BL)