Peruanos fazem greve geral e multidão exige saída da presidente Dina
Milhões de peruanos realizaram nesta quinta-feira (19) uma gigantesca “Paralisação Nacional, Cívica e Popular”, e mais de 100 mil pessoas se deslocaram do Sul para a “Tomada de Lima”, reivindicando a saída da presidente Dina Boluarte e do atual parlamento, a antecipação das eleições para 2023 e a convocação de um processo Constituinte que venha a “libertar a pátria do pesadelo fujimorista”. Todas os mineiros, camponeses, trabalhadores da indústria, do comércio e professores das escolas e universidades se somaram à greve.
Como denuncia a Assembleia Nacional dos Povos (ANP), que coordena os movimentos sociais, “é inconcebível a continuidade de um governo iniciado em 7 de dezembro, com a substituição do presidente Pedro Castillo por sua vice”, que já executou extrajudicialmente mais de 50 pessoas e feriu mais de 720 manifestantes. Tudo, como esclareceram as entidades populares, “para continuar com o parasitismo às transnacionais e à sua oligarquia associada, vinculada à mineração ilegal e ao narcotráfico”.
O coordenador da ANP e líder da Confederação Geral dos Trabalhadores do Peru (CGTP), Gerónimo López, avaliou que a greve nacional ocorre “com mobilizações pacíficas e confrontando qualquer ato de vandalismo que pretenda manchar o protesto justo e democrático dos cidadãos que chegaram à capital”.
“É inconcebível tapar o sol com a peneira. Este regime é uma ditadura em que a Polícia Nacional do Peru (PNP) e as Forças Armadas têm as armas e os manifestantes contam com suas vozes exigindo a imediata renúncia de Dina Boluarte, que perdeu toda a legitimidade para continuar com um processo de transição”, acrescentou o secretário-geral adjunto da CGTP, Gustavo Misnaya.
A presidente da Federação Universitária de Cusco, Labra Panocca, denunciou a perseguição e o monitoramento das lideranças sociais de sua região e defendeu o fim da repressão aos manifestantes. A dirigente ressaltou que “agora os filhos dos camponeses podem estudar em universidades públicas e estamos cientes de que não haverá democracia em nosso país se nos calarem a boca criminalizando nossas reivindicações”. Panocca também condenou a quebra do equilíbrio entre os três poderes, e denunciou que “o Congresso não só amordaçou o Executivo, como também o Judiciário”. “Por isso, nós, nossos pais e familiares nos mobilizamos”, enfatizou.
A ANP assinala que a Constituição foi ultrajada e deformada no governo de Alberto Fujimori (1990-2000) para escancarar as portas das riquezas peruanas aos cartéis estrangeiros, permitindo a privatização/desnacionalização de setores estratégicos da economia, transferindo ao exterior qualquer possibilidade de julgamento judicial do assalto.
Incentivada pela política repressiva do primeiro-ministro Alberto Otárola, a Polícia Nacional disparou na madrugada desta quinta contra agricultores em Macusani, na região de Puno. Faleceram os membros das rondas camponesas Sonia Aguilar, de 35 anos, e Salomón Valenzuela Chua, de 60 anos, que protegiam o local de milicianos de latifundiários. Conforme o laudo médico, o “impacto de bala na cabeça” matou Sonia e a “perfuração do tórax” ceifou a vida de Salomón. Revoltada, a população incendiou a sede da PNP local.
ANTECIPAR AS ELEIÇÕES
Em entrevista ao Diário Uno, o cientista político e especialista em questões eleitorais, Fernando Tuesta Soldevilla, explicou que, além de necessário, é possível definir um cronograma para que o processo eleitoral seja antecipado, como reivindicam os manifestantes. Segundo Tuesta, o Congresso [unicameral] teria prazo até o próximo dia 31 de janeiro para aprovar em primeira votação o adiantamento. Desta forma, acrescentou, a segunda votação poderia ocorrer em 1º de fevereiro e, em um mês mais tarde, 1º de março, seriam convocadas as eleições.
A Coordenadora de Organizações Progressistas e de Esquerda emitiu um manifesto alertando para a “barbaridade intolerante e fascistóide” que tem multiplicado as mortes com a impunidade e reafirmou seu compromisso em “construir a ampla unidade política e social de todo o povo e da pátria”. Entre outros abusos, a coordenadora denunciou que pessoas estão presas porque foram encontradas em suas casas e escritórios “livros de Karl Marx, José Carlos Mariátegui e de Ciências Sociais”.
“A morte de dezenas de irmãos peruanos demarcou um antes e um depois em nossa sociedade que será muito difícil de apagar. O país segue convulsionado, a economia paralisada, seguimos nos enfrentando e é necessário ações que permitam uma trégua”, assinalou o Partido Democrático Somos Peru, para quem um novo presidente necessita ser eleito “em no máximo seis meses”. “Nesta conjuntura, o mais importante é a vida”, assinalou.
Horrorizada com o que viu após a visita à sede da autoproclamada “Direção contra o Terrorismo” da Polícia Nacional do Peru (Dicote), em Lima, na terça-feira (17), uma delegação de defensores de direitos humanos relatou as “condições contrárias à dignidade humana” a que sete integrantes presos, membros da Frente de Defesa do Povo de Ayacucho (Fredepa), estão submetidos, “e que serão mantidos ali por muito mais tempo que os outros detidos”
A comitiva integrada pelo monsenhor Jorge Enrique Izaguirre Rafael, presidente da Comissão Episcopal de Ação Social; pelo padre Martín Antonio Salgado Arroyo, responsável da Pastoral Carcerária CEAS; Sonia Paredes, representante da Anistia Internacional e Mar Pérez, advogada e coordenadora nacional de Direitos Humanos, avaliou que “a situação é terrível, pois pela natureza dos delitos que lhes imputam vão estar detidos 15 dias”.
A realidade, advertiu Pérez, é que “cada um está preso numa cela com dimensão de dois metros por um metro e meio, e com um teto de dois metros de altura. Praticamente é uma caixa, com um colchão que ocupa a metade do espaço. Não tem janelas, somente uma porta de entrada, que é um quadrado de aproximadamente meio metro e dá a uma pequena passagem com uma janela”, relatou. Além disso, “os presos estão ali dentro todo o dia, sem receber a luz do sol. A situação dos homens é ainda mais complicada porque não têm luz em sua cela, somente no corredor, porém à noite ficam no escuro”.
Para a coordenadora de Direitos Humanos, o caso é tão absurdo que as atividades “supostamente terroristas”, atribuídas aos integrantes da Fredepa são “realizar palestras, organizar marchas e a logística de manifestações, e arrecadar dinheiro para apoiar os feridos”. “Quer dizer, as ações solidárias são tipificadas como terrorismo”, condenou a advogada.
Papiro (BL)