Sônia Guajajara no Ministério dos Povos Indígenas representa celebração de resistência
O presidente eleito e diplomado Luis Inácio Lula da Silva demonstrou estar ansioso para anunciar Sônia Guanabara como ministra dos Povos Indígenas ou ministra dos Povos Originários, de seu governo. Quando chegou a vez dela, ele referiu-se à indicação como “chumbo grosso”, aquele gesto de governo que ele sabe que vai repercutir em todo o mundo. A nomeação que vai significar uma guinada do último período de genocídio, violência e desmonte dos direitos indígenas, para um momento de protagonismo destas populações.
Sônia Guajajara (Psol-SP), 48 anos, foi eleita deputada federal com 156 mil votos, este ano, e já havia dito que se sentia muito honrada e feliz com a nomeação de ministra. “Mais do que uma conquista pessoal, esta é uma conquista coletiva dos povos indígenas, um momento histórico de princípio de reparação no Brasil. A criação do Ministério é a confirmação do compromisso que Lula assumiu conosco”, afirmou nas redes sociais.
Sônia gravitou entre outros dois nomes indicados numa lista tríplice de lideranças indígenas do governo de transição: a deputada federal por Roraima, Joênia Wapichana, e o vereador em Caucaia (CE), Weibe Tapeba. O reconhecimento internacional em conferências como a COP, conferência climática promovida pela ONU, contaram a favor de Sônia.
Lula sabe que as Terras Indígenas (TIs) formam um cinturão contra o desmatamento em todo o país. As terras reconhecidas reduziram em 75% o desmatamento entre as décadas de 80 e 2010. Sua política ambiental aponta para a prioridade contra o desmatamento.
Repercussão
De Coroa Vermelha (BA), o cacique Aruã Pataxó, presidente da Federação Indígena das Nações Pataxó e Tupinambá do Extremo Sul da Bahia (Finpato), se mostrou animado com o anúncio, em comentário ao PCdoB. Ele destacou como a criação do Ministério dos Povos Indígenas e a indicação de Sônia simbolizam o protagonismo e resistência dos povos indígenas brasileiros, “desde a invasão do Brasil em 1500 por europeus portugueses”.
“Tivemos momentos de muita violência com ataques a nossas comunidades e povos. Agora, com o presidente Lula temos uma nova perspectiva de participação e construção das políticas públicas, para chegar na ponta em nossas comunidades de mais de 305 povos”, afirmou o cacique, citando o desmonte dos direitos indígenas no período do governo Bolsonaro, com a paralisação da demarcação de terras, além de várias medidas administrativas autorizando garimpo e retirada de madeira nessas terras.
Para ele, Sônia se credencia ao cargo por ser da luta e militante dos direitos indígenas. “Sônia demonstrou isso, muito antes até do governo Bolsonaro, indo pra cima desse governo genocida, não só a nível nacional, fazendo a denúncia e a mobilização dos nossos povos, mas também internacionalmente. Chegou ao ponto da própria Funai denunciá-la por estar degradando a imagem do governo Bolsonaro. Foram momentos difíceis da criminalização das nossas lideranças”, justificou.
Ele citou os desafios da nova ministra na reconstrução da Funai para cuidar da proteção territorial e da demarcação e regularização fundiária. Para ele, a questão territorial é fundamental para a garantia de direitos, para desenvolver a agricultura indígena e ter espaço de execução da escola e da saúde indígenas. “Se não tivermos uma terra demarcada, as políticas públicas não podem chegar nas nossas comunidades”, disse.
Para ele, Lula reconhece que os povos indígenas participaram ativamente da construção desse governo, com suas 180 candidaturas indígenas em todo o Brasil. “Estávamos massacrados e pisoteados pelo governo Bolsonaro, por isso lutamos e resistimos muito para poder existir”, declarou.
O professor de Meteorologia e Climatologia na UFAM e Diretor do Centro Ciências do Ambiente (CCA), Eron Bezerra, pontuou ao PCdoB, as divergências levantadas nesse período em torno da criação do Ministério e sua nomenclatura, já que não existe “povo indígena”. Sem ressalvas a Sônia, ele consideraria simbólico que o cargo fosse ocupado por alguém do Vale do Javari, onde se concentra a maior população de povos isolados do mundo e palco de tensão permanente, como o recente assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips.
Para ele, os desafios começam na própria definição da atuação do Ministério. Para ele, ou a Pasta tem orçamento próprio para cuidar de todas as suas demandas e não ser um “faz de conta”, ou, na hipótese mais provável, lhe seria atribuído um papel de “articulador” junto às demais pastas para que as suas inúmeras demandas reprimidas ou precariamente atendidas fossem satisfatoriamente atendidas.
Desafio da reconstrução
A Fundação Nacional de Proteção aos Povos Indígenas (Funai) estará sob o comando de Sônia, deixando o Ministério da Justiça. A Fundação Nacional do Índio é uma instituição do estado criada em 1967 para dar auxílio médico, proteção, fiscalização e estudo de uma das maiores populações indígenas do planeta. Ela também assume a Sesai (Secretaria de Saúde Indígena), que deixa o Ministério da Saúde e será responsável pela articulação das políticas de educação indígena com o MEC.
Sob Bolsonaro, conselhos ligados à Funai foram fechados e o presidente do órgão, Marcelo Xavier, foi investigado pela Polícia Federal por proteger servidores corruptos que invadiam terras indígenas. Servidores de carreira, experientes e renomados internacionalmente foram demitidos ou perseguidos.
Bolsonaro cooptou indígenas para atacar as lideranças desses povos e defendê-lo em organismos internacionais. As invasões de terras indígenas por milhares de garimpeiros causaram morte e devastação, sob a cumplicidade do governo e da Funai.
A duas semanas do fim do mandato, Bolsonaro autorizou o corte de árvores em terras indígenas. Todo esse cenário de degradação e desmonte das estruturas de proteção indígena culminou nos assassinatos do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira, em junho de 2022, no Vale do Jari, no Amazonas.
Perfil
Sonia Guajajara é do povo Guajajara/Tenetehara, habitantes da Terra Indígena Araribóia, no Maranhão. Formou-se em enfermagem e letras pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) e fez pós-graduação em educação especial.
Nas eleições de 2018, foi candidata a vice-presidente de Guilherme Boulos (PSOL). É a primeira indígena eleita pelo estado sudestino para a Câmara dos Deputados.
Filha de pais analfabetos, tornou-se liderança indígena. Em 2013, tornou-se a liderança da Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), uma das instituições indígenas mais importantes do país. Pelo trabalho, foi eleita uma das pessoas mais influentes do mundo pela renomada revista norte-americana Time, em 2022.
(por Cezar Xavier)