A presidenta nacional da Unegro, Ângela Guimarães, falou ao PCdoB, logo após um ato no sábado (19) no entorno da única estátua de Zumbi dos Palmares, que existe no Brasil, já que os demais casos, são bustos. A estátua fica na Praça da Sé, no centro do Pelourinho, em Salvador. 

Embora ao 20 de novembro seja o Dia da Consciência Negra, é praticamente o momento conclusivo de uma serie de eventos culturais, debates, manifestações e articulações políticas que tomam todo o mês, em torno do combate ao racismo.

Após quatro anos espezinhando o movimento negro e seus acúmulos no governo federal, o governo Bolsonaro chega ao fim deixando um legado amargo para a população negra, que Lula terá que fazer esquecer. Diante disto, não há muito a celebrar diante de tantas perdas sob um governo racista de extrema direita. 

Ângela reflete que, para o Movimento Negro, ao longo de toda sua existência, a questão estratégica é assegurar o direito a existência da população negra. “No centro desse projeto genocida da ultradireita, ao longo de quatro anos, a nossa vida sempre foi tratada como descartável”, salientou.

Ela destaca a necessidade urgente de uma nova política de segurança pública, que deixe de tratar as pessoas negras como criminosos em potencial, “desde o útero da mãe”. “Então, a proteção da infância e da juventude negra é algo muito caro para nós. Vemos nossas crianças e jovens serem abatidos a caminho da escola”, lamentou. 

“A questão primordial no enfrentamento ao racismo estrutural é assegurar a população negra a possibilidade de existir”, insistiu ela. 

Amplitude política para avançar

A agenda da luta antirracista é irrefutável e está numa crescente no Brasil, de acordo com a dirigente social. O movimento tem pautado este tema na agenda política nacional cada vez com mais intensidade, nos últimos anos. “O movimento negro tem buscado organizar a população da forma mais ampla, mais plural e massiva. O resultado desse processo é o pipocar de ações”, disse. 

Ela ressalta o modo como as atividades de conscientização do movimento têm se tornado intensas, especialmente em novembro. Ela mencionou que, na Bahia, há uma marcha que acontece há 43 anos, de forma ininterrupta. Só em 2020, com a pandemia, ela deixou de se realizar.

“Os movimentos estão cada vez mais fortes, amplos, plurais, expressivos e presentes na realidade política nacional”. Ela lembra que, antes o 20 de novembro era a referência, mas agora é possível realizar, em todo o país, atividades desde o primeiro até o último dia do mês de novembro, mantendo-se muito atuante durante o resto do ano.

Vitória eleitoral

A liderança negra vê o momento atual com um misto de alívio e apreensão pelos desafios que se avizinham. Ela cita tudo que a população negra viveu nestes últimos seis anos, agravado pelos quatro anos de um governo de extrema direita. “Um governo que realizou uma destruição do Brasil, com uma condução genocida da pandemia, que tinha um propósito de deixar o país no chão e disseminar a desesperança”. 

Para ela, Bolsonaro implementou uma agenda de ódio e perseguição, que resultou no recrudescimento do racismo, da misoginia, das LGBTfobias, do ódio ao pobre, e da violência politica.

“Assim, há um alívio por termos derrotado nas urnas este campo, mas também um 20 de Novembro da Consciência Negra em que a gente renova os desafios”. 

Embora este campo reacionário tenha sido derrotado eleitoralmente, ela considera que ele segue presente na sociedade. Lembra que contam com grande representação no Congresso Nacional, mais de 530 células neonazistas em atuação e grupos extremistas em portas do Exército em todo o país.

De acordo com Ângela, a concepção ideológica desse campo de extrema direita é que alguns grupos são superiores a outros, assim, naturalizam a desigualdade. 

19ª Marcha do dia da consciência negra em São Paulo
Foto @Elineudo Meira / @fotografia.75

“Superar este estado de coisas não é só com resultado eleitoral, mas com muita luta, tanto do ponto de vista das medidas que o governo pode tomar, quando das medidas que podemos tomar enquanto sociedade”, alertou.

Em sua opinião, há um novo pacto social para refundar a nação brasileira. Por isso, o sentimento agridoce de alívio por saber que não haverá mais quatro anos desse governo no comando da nação, “mas de saber também que este governo fraturou a sociedade”.

Por outro lado, a posse de Lula traz o desafio de enfrentar questões profundas que o Brasil nunca colocou no centro da pauta, como o racismo estrutural, “algo impossível de não fazer a partir de agora”.

Governo Lula

Como enfrentar os retrocessos racistas do atual governo? Para a liderança negra, se ataca essas questões, com universalização de políticas públicas. “Como população negra, temos consciência de que não temos uma política universal nacional de financiamento, construção e manutenção de creches no Brasil”, exemplifica ela.

Para ela, isto significa usurpar o direito mais elementar de crianças negras das famílias mais vulneráveis economicamente no país. Por esse mesmo motivo, é preciso ter uma política de renda básica, com a volta do Bolsa Família. 78% da pobreza e extrema pobreza no Brasil ocorre entre a população negra. 

“Uma política de segurança alimentar e nutricional, porque a fome é uma realidade da maioria dos lares brasileiros. Restaurantes populares controle no preço dos alimentos, política de trabalho, emprego e renda com valorização do salário mínimo”, pontuou.

Mas ela destaca como a questão mais urgente, a se somar a estas, uma reforma no sistema de Segurança Pública. “Não podemos continuar treinando o aparato de repressão do estado para negar a cidadania e o direito à vida a pessoas negras, assim como os aparatos de segurança privada. O caso da morte de Beto Freitas, no Carrefour de Porto Alegre, na véspera do 20 de novembro não é um caso isolado, infelizmente”, citou, lembrando episódio ocorrido há quase dois anos, quando um homem negro foi assassinado, futilmente, por seguranças de um supermercado. 

“Nosso programa máximo é a desmilitarização da polícia e da vida. Precisamos rever esta política de drogas e deixar de criminalizar a pobreza, de criminalizar com base na cor da pele. É uma tarefa grandiosa acumulada”. 

Verde e Amarelo

‘Ruas da Copa’ em Manaus Foto: Dhyeizo Lemos / Semcom

É oportuna a coincidência do dia da Consciência Negra com o início da Copa do Mundo no Catar. O futebol demonstra a atualidade desse debate sobre o racismo. Ângela recordo que, nos últimos tempos, temos visto com frequência torcedores chamarem jogadores negros de macacos, jogar banana em campo, com ofensas nos estádios e nas redes sociais. 

“A Copa do Mundo tinha esse caráter de nos invadir com um sentimento de unidade nacional, um momento de, entre aspas, suspensão do conflito, todos torcendo juntos. Mas o contexto não tem colaborado, com os símbolos brasileiros tendo sido sequestrados por um campo político. As pessoas enfeitando as ruas e tendo que explicar que não fazem isso pelo Bolsonaro, mas pela Copa. Estamos sob esta temperatura”, avaliou, citando o modo como movimentos reacionários usam simbolicamente a camisa da Confederação Brasileira de Futebol (CBF).

Para ela, ainda há o agravante de ser uma Copa no Catar, país em que uma série de direitos sociais e liberdade de expressão, e o respeito por sua forma de ser no mundo, são reprimidas, o que acaba diminuindo as expectativas de fé e unidade no país. “Tudo isso contribui para que o nosso sentimento natural em torno do futebol também seja um misto de paixão com fratura social”, concluiu. 

(por Cezar Xavier)