Eleições nos EUA revelam rachas e enfraquecimento de Trump
O historiador da Brown University (EUA) e especialista em América Latina e Brasil, James N. Green, analisou em entrevista como as eleições intermediárias do seu país estão rebatendo politicamente, tanto entre democratas no governo, quanto entre republicanos na oposição.
Ele ressalta como esta eleição de meio de mandato foi importante, com resultados inéditos e expressivos. Se o presidente Joe Biden corre riscos de perder parte de sua agenda na Câmara, por outro lado, o resultado demonstra uma crise interna sem precedentes no Partido Republicano, com a enorme derrota dos candidatos apoiados por Donald Trump e a reação agressiva da Freedom Caucus, uma tendência de ultradireita entre os republicanos.
O Partido Democrata, do presidente Joe Biden, conseguiu manter o controle do Senado com exatamente metade das cadeiras. Na Câmara, os republicanos conseguiram 218 dos 435 assentos, uma diferença muito pequena que pode gerar questionamentos, segundo Green.
Ainda existe a possibilidade dos democratas conquistarem a vaga no estado da Geórgia, onde haverá um segundo turno em 6 de dezembro. A última cadeira do Senado será disputada pelo democrata Raphael Warnock e o republicano Herschel Walker, na Geórgia. Mas, ainda que o trumpista seja vitorioso e deixe a divisão 50 a 50, a vice-presidente Kamala Harris fica responsável por desempatar, garantindo a vitória democrata.
Os deputados decidem quais leis são votadas, enquanto os senadores podem bloqueá-las ou aprová-las, além de confirmar nomeações feitas pelo presidente. Até então, Biden vinha sofrendo na mão dos senadores.
Guerra de CPIs
Na opinião do historiador americano, a hegemonia republicana sobre a Câmara vai fazer dois movimentos: bloquear qualquer legislação progressista que se queira aprovar, e começar a investigar a família de Joe Biden, abrindo CPIs para tentar desmoralizar o governo. Existem investigações envolvendo Hunter Biden, filho do presidente, concentradas em suas atividades financeiras e comerciais em países estrangeiros, desde quando Joe Biden era vice-presidente.
Ao mesmo tempo, diz Green, os republicanos vão encerrar a CPI sobre a invasão do Capitólio, que envolve Donald Trump e outros membros do Partido. “Neste sentido, vai ser muito difícil Biden seguir adiante com seu programa político nos próximos dois anos”.
Avanços possíveis
“O mais importante, desse novo Congresso, vai ser que Biden vai indicar muitos juizes federais, que vão ser aprovados. E se ganhar o democrata Warnock na Georgia, em dezembro, implica uma possibilidade de garantir a aprovação sem problemas burocráticos desses juízes, que vão determinar os rumos do judiciário americano, durante muitos anos. Biden assumiu o compromisso de indicar muitas pessoas negras e mulheres, e vai seguir fazendo isso”, destacou.
Mas o Senado também terá o poder de bloquear as leis mais reacionárias que vierem da Câmara. Green também observou que no Congresso atual, que ainda tem dois meses de funcionamento, tenta-se aprovar uma legislação para defender o direito de casamento igualitário entre pessoas de mesmo sexo.
“Parece que vai haver uma maioria no Senado e na Câmara para aprovar essa lei, basicamente protegendo o direito contra as decisões da Suprema Corte, que possam no futuro eliminar o direito de casamento entre pessoas do mesmo sexo”, explicou. Ele faz referência ao modo como o Judiciário questiona a constitucionalidade de algumas leis, retroagindo em direitos, como aconteceu com o aborto. “Isso é outra indicação de uma certa moderação”.
A derrota de Trump
Até aí, é só vantagem para os conservadores. Porém, como a margem de vitória foi muito pequena, e existe a ultradireita Freedom Caucus que vai radicalizar sua postura, na perspectiva do analista político, é possível que nem sequer o republicano Kevin McCarthy mantenha-se como presidente da Câmara, podendo ser trocado se houver um setor de seu partido que questione sua liderança.
McCarthy, congressista californiano de 57 anos, membro do alto escalão republicano na Câmara desde 2014, derrotou seu correligionário Andy Biggs, membro do grupo de extrema direita Freedom Caucus.
“A Freedom Caucus vai usar esta margem para garantir maioria no Partido Republicano para chantageá-lo e tentar arrastá-lo mais à direita ou ultradireita”, avalia ele. Isto deve ocorrer, em sua opinião, pois este segmento ultraconservador do partido percebe que os candidatos apoiados por Donald Trump foram derrotados, “especialmente aqueles que declararam publicamente que as eleições foram fraudulentas em 2020”.
Green qualifica de “chocante” o tamanho do repúdio da população americana aos candidatos trumpistas. “Eu não esperava este resultado das forças moderadas, independentes, centristas, que acharam que o partido republicano vai muito mais à direita. E as mulheres e seus apoiadores que estavam contra o ataque ao direito ao aborto, deram o resultado inédito nestas eleições”, afirmou. Recentemente, as legislações locais foram liberadas para proibir a prática do aborto, permitida por décadas.
O próprio Biden declarou que a votação foi “uma forte rejeição aos negacionistas das eleições, à violência política e à intimidação” e mostrou “a força e resistência da democracia americana”.
Green lembra que, desde J. F. Kennedy em 1962, os democratas não têm tanta vitória e proteção de suas forças políticas, nessas eleições entre os mandatos presidenciais.
“Definitivamente, existe um ruptura crescente no Partido Republicano”, declara o historiador. Segundo ele, o anúncio de Trump sobre sua candidatura para 2024 não surtiu o efeito que ele imaginava. Esta reação pode ter uma implicação negativa nas eleições na Georgia em dezembro. Se Walker perder, isso aumenta mais as crises sobre Trump, enfraquecendo-o.
Desta forma, a disputa interna pela candidatura de 2024 fica indefinida. “Nesse momento, o candidato mais forte, é o Ron DeSantis, que foi eleito governador [da Flórida] com uma margem muito grande, e vai disputar a indicação do Partido Republicano para a candidatura presidencial contra Trump”.
Além disso, Green recorda que Trump enfrenta muitos problemas legais para defender na sua empresa de balanços fraudulentos, o caso dos documentos do Arquivo Nacional que ele levou consigo, quando saiu da Casa Branca. Fora investigações sobre sua intervenção nos resultados eleitorais de 2020. “Portanto, há uma tentativa de marginalizá-lo no Partido, ainda que sem ruptura total, o que veremos nos próximos meses”, concluiu.
(por Cezar Xavier)