Deputado Roger segura colega Gaetz para evitar que a 14ª votação descambasse para os sopapos (Andrew Harnik/AP)

Depois de quebrar dois recordes históricos em matéria de contestação, um de 100 anos e outro de 164 anos, na noite de sexta-feira (6), na 15ª votação, o republicano Kevin McCarthy finalmente alcançou votos suficientes para se tornar presidente da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos. Nas primeiras horas de sábado, foram empossados os deputados eleitos em novembro passado.

Na sexta-feira, os EUA também comemoram os dois anos do fracasso da tentativa trumpista de impedir a alternância de poder com a invasão do Capitólio. O cargo é formalmente considerado o terceiro mais importante na hierarquia do poder americano, depois do presidente e do vice.

Eleito para o Congresso pela primeira vez em 2006, McCarthy foi alçado a líder dos republicanos na câmara em 2014. Até 2019 atuou como líder da maioria conservadora e em 2019-2022 liderou a minoria republicana.

Com voto unânime da bancada democrata – em contraste com o caos e divisão entre os republicanos -, Hakeen Jeffries fez história como o primeiro parlamenta negro a liderar um partido no Congresso dos EUA.

Em seu primeiro discurso após declarar oficialmente sua vitória, McCarthy agradeceu ao ex-presidente Trump. “Ele esteve comigo desde o início. […] Ele me ligou e chamou outros. E, realmente, eu estava conversando com ele esta noite, ajudando a conseguir esses votos finais”.

“REVIRAVOLTAS DRAMÁTICAS”

Como descreveu a CNN, o fim da disputa pelo martelo, que simboliza a presidência da Câmara, envolveu “reviravoltas dramáticas” e “brigas no plenário”, que em um momento quase chegaram à troca de socos na bancada republicana.

Diante da dissidência de 20 deputados republicanos do extremista Freedom Caucus, que o consideravam insuficientemente reacionário para comandar a Câmara e a oposição a Biden e que exigiam alterações regimentais e cargos em comitês, McCarthy penou, apesar do apoio explícito de Trump.

Só quando o deputado Matt Gaetz mudou no último minuto seu voto de “não” para “presente” (abstenção) na votação no plenário para decidir se haveria a 15ª votação ainda na sexta-feira ou se ficaria para segunda-feira, que o caminho para eleição de McCarthy afinal se abriu.

Não sem antes alguns parlamentares quase chegarem às vias de fato, durante o 14º fracasso em votação, com alguém do plenário gritando: “Olha a civilidade”.

Matt, que chegara a se apresentar como “Never McCarthy” (“McCarthy nunca”), previra que, se eleito, McCarthy teria que “acordar todas as manhãs e vestir a melhor camisa de força do mundo antes do início de cada sessão da Câmara”.

Fora ele que arruinara a 14ª votação ao se abster quando McCarthy precisava de mais um voto de “sim”, o que fez, segundo a CNN, “o pandemônio estourar no plenário” da Câmara. “Atordoado depois de acreditar que tinha os votos, McCarthy enfrentou sua derrota mais embaraçosa até então”.

“Seus aliados cercaram Gaetz para tentar encontrar um caminho a seguir e até McCarthy se envolveu. Após este se afastar parecendo abatido, o presidente dos Serviços Armados da Câmara, Mike Rogers, se lançou contra Gaetz, tendo que ser contido fisicamente pelo deputado republicano Richard Hudson, da Carolina do Norte”.

Mas – continuou a CNN – faltando menos de um minuto para encerrar a votação do adiamento da votação até segunda-feira, Gaetz moveu-se para a frente da câmara, pegando uma ficha vermelha para mudar seu voto. “Ele caminhou em direção a McCarthy e os dois trocaram palavras brevemente. McCarthy então levantou a mão e gritou: ‘Mais um!’”, o que decidiu a imediata realização da 15ª votação.

PACOTE DE APAZIGUAMENTO

McCarthy teve que fazer uma série de concessões para aplacar o grupo de dissidentes republicanos, pejorativamente chamados pela mídia norte-americana de “19 talibãs”.

Entre elas, o restabelecimento de uma antiga regra da Câmara que permitirá a qualquer membro convocar uma votação para o impeachment de McCarthy. O pacote de apaziguamento dificulta o processo de aumento de gastos e impostos e do teto da dívida.

O deputado Scott Perry, que preside o Freedom Group, destacou que o acordo com McCarthy prevê uma “representação conservadora” na Câmara, o que significa a incorporação de dissidentes em alguns comitês importantes.

Segundo o canal NBC News, o grupo reivindicava três cadeiras no poderoso Comitê de Regras que controla os projetos de lei que chegam ao plenário da Câmara.

As outras divergências eram quanto à suposta frouxidão de McCarthy em relação à perseguição de imigrantes, corte de gastos sociais, teto da dívida e investigações sobre Biden.

A gestão McCarthy planeja investigar questões como as atividades financeiras de Hunter Biden, filho do atual presidente, notório dono do ‘laptop do inferno’ e ex-beneficiário de uma sinecura em uma empresa privada de gás ucraniana pós golpe de 2014 em Kiev; o Departamento de Justiça e o FBI; a crise da imigração na fronteira sul; a retirada das tropas americanas do Afeganistão em 2021; a dívida pública; o fim da ‘doutrinação nas escolas’ e – uma ideia fixa da nata dos republicanos – as ‘origens da Covid-19’.

“Nosso sistema é baseado em freios e contrapesos, e já é hora de verificarmos as políticas do presidente. […] Usaremos a força do bolso e a força da intimação para fazer o trabalho”, enfatizou McCarthy.

McCarthy observou que o primeiro projeto de lei que a Câmara reformada debaterá será a iniciativa do governo Biden de contratar milhares de novos agentes para o Internal Revenue Service (Imposto de Renda, IRS) do país.

“Nosso primeiro projeto de lei revogará o financiamento de 87 mil novos agentes do IRS”, anunciou, sob aplausos dos republicanos.

Em uma entrevista exclusiva para a CNN que foi ao ar antes das eleições de meio de mandato em novembro passado, McCarthy disse que planeja se concentrar em questões como combate à inflação , alta criminalidade e segurança nas fronteiras. Da mesma forma, não excluiu a possibilidade de lançar processos para submeter Biden a um impeachment.

UNIPOLARIDADE

Em seu discurso após a votação, o novo presidente da Câmara se comprometeu com a tentativa de perpetuação do mundo unipolar sob ordens de Washington e a prevalência sobre Pequim na competição econômica. “Quanto ao Partido Comunista Chinês, criaremos um comitê bipartidário seleto na China para investigar como trazer de volta as centenas de milhares de empregos que foram para a China e, então, venceremos esta competição econômica”, disse ele.

O chefe do regime de Kiev, Volodymyr Zelensky, foi um dos primeiros a parabenizar McCarthy por sua vitória. “O apoio americano em todos os campos foi vital para o sucesso da Ucrânia no campo de batalha. Contamos com seu apoio contínuo e mais ajuda americana para nos aproximar da vitória comum”, tuitou.

O que se explica por declarações do próprio McCarthy em outubro passado, o então líder da minoria republicana advertiu que seu partido não daria “um cheque em branco” à Ucrânia se vencesse as eleições de meio de mandato para a Câmara dos Deputados, o que, de fato, conseguiu, obtendo 222 assentos para os republicanos contra 212 para os democratas.

Após o recente discurso de Zelenski, durante sua visita a Washington, McCarthy reiterou sua posição. “Ele expôs uma série de razões pelas quais o mundo livre quer continuar a luta. Minha posição nunca mudou. Eu apoio a Ucrânia, mas nunca apoio um cheque em branco”, completou.

Papiro (BL)