Mais um brasileiro perde a vida por “engano” da PM
A soma de racismo estrutural com a concepção de “inimigo interno” e despreparo da polícia vitimou mais um inocente no Rio de Janeiro. Nesta quinta-feira (5), Dierson Gomes da Silva, de 50 anos, foi morto na Cidade de Deus após policiais terem confundido um pedaço de madeira que ele portava com um fuzil.
Silva era viúvo, pai de dois filhos, ganhava a vida como catador de materiais recicláveis e tinha problemas mentais. Ele estava no quintal de sua própria casa quando foi atingido com ao menos dois tiros. Testemunhas disseram ter ouvido uma rajada de tiros. O cabo de madeira que ele portava servia, segundo familiares, para usar no trabalho de capina, um dos bicos que ele fazia para sobreviver.
“Eles são treinados para isso. Se fosse uma pessoa sem treinamento, não dizia nada. Eles andam de fuzil e não conseguiram identificar que não era um fuzil? Para mim não tem lógica. Eram oito horas da manhã, estava claro. Como que não identificaram que aquilo não era um fuzil?”, questionou a sobrinha da vítima, Jurema Jane Silva de Souza, segundo publicado pelo O Dia.
“Como que eles se confundiram e deram tantos tiros? Falaram que eles dispararam mais de 30 tiros contra o meu irmão”, disse ao jornal o irmão do catador, Marcos Cardoso.
A Secretaria de Polícia Militar do RJ admitiu, em comunicado, que o homem “foi morto por estar conduzindo o que aparentava ser um fuzil, pendurado em uma bandoleira”. A nota informa ainda que “o comando da Corporação já instaurou um procedimento apuratório para averiguar as circunstâncias que vitimaram fatalmente um homem na comunidade”.
“Casos como de Dierson Silva não são isolados e são inaceitáveis. Entre 2020 e 2021, negros representaram 84% das vítimas de intervenções policiais. Iremos trabalhar com o Ministério da Justiça para que essa lógica militarizada da polícia de séculos não se perpetue. Solidariedade à família”, disse a ministra de Igualdade Racial, Anielle Franco.
Rotina de mortes “por engano”
De fato, Dierson Gomes da Silva foi mais uma vítima de um sistema falido de segurança pública, no qual se sobrepõem problemas como despreparo e condições inadequadas de trabalho mas, sobretudo, o racismo estrutural — que leva ao genocídio de negros e pobres, como Silva — e uma visão deturpada de policiamento, pautada pela truculência e pelo militarismo que enxerga qualquer pessoa como inimiga.
Neste cenário desumano e macabro, amontoam-se casos de pessoas mortas “por engano” pela polícia. João Victor Dias Braga, de 22 anos, perdeu a vida em 2019, durante uma operação da PM na comunidade Santa Maria, na Zona Oeste do Rio. De acordo com familiares, a furadeira que ele carregava para fazer um serviço teria sido confundida com uma arma.
Um ano antes, em Nova Iguaçu, o jovem Luis Guilherme dos Santos foi também foi morto por um PM. Ele alegou que buscou se defender porque depois de o rapaz ter deixado sua mochila cair, ele teria feito um movimento brusco “com a mão na cintura, dando a entender que iria pegar uma arma”.
No mesmo ano, moradores do Chapéu-Mangueira disseram que Rodrigo Alexandre da Silva Serrano, de 26 anos, foi morto após policiais confundirem seu guarda-chuva com uma arma.
Em 2015, situação semelhante já havia ocorrido. Os mototaxistas Thiago Guimarães Dingo e Jorge Lucas Martins Paes foram mortos por um policial que confundiu um macaco hidráulico que Jorge carregava na garupa da moto de Thiago com uma arma.
E cinco anos antes, Hélio Barreira Ribeiro foi morto na laje de sua casa por policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope), durante uma operação no Morro do Andaraí, ao ter uma furadeira confundida com uma arma.
(PL)