Os brasileiros, habituados a cultuarem celebridades, ídolos e heróis, encontraram um gênero audiovisual para chamar de seu – a cinebiografia. Produções que contam a história de personalidades reais estão em alta nas plataformas de streaming.

Homem com H, longa-metragem sobre o cantor Ney Matogrosso, é o filme mais visto na Netflix, onde estreou há uma semana. Na concorrente Max, a maior audiência no mês é a da série Chespirito – Sem Querer Querendo, que mostra a vida e a obra do mexicano Roberto Gómez Bolaños, criador do seriado Chaves.

Dirigido por Esmir Filho e protagonizado pelo ator Jesuíta Barbosa, Homem com H fez sucesso também nas salas de cinema. Sua bilheteria já passou da marca de 600 mil espectadores, a segunda melhor para um filme nacional no ano, atrás apenas de Ainda Estou Aqui.

Afora a brilhante interpretação de Jesuíta Barbosa, Homem com H sobressai por apresentar a obstinação de Ney Matogrosso fora dos palcos. Destemido, o cantor supera as pressões do pai militar para construir uma carreira genuína e seminal. No percurso para a fama, resiste tanto à censura da ditadura militar quanto às armadilhas dos empresários, além de sobreviver à epidemia de Aids, que leva amigos e parceiros seus, como Cazuza, à morte.

Conforme a tradição de filmes sobre ícones da música, a trilha é recheada de canções interpretadas por Ney que marcaram época – caso de Rosa de Hiroshima, O Vira, Pro Dia Nascer Feliz, e, claro, Homem com H. Na parte final do longa, esse lado cantor fica em segundo plano – e vemos Ney Matogrosso produzir o último show de Cazuza.

Chespirito, embora não seja uma produção nacional, tornou-se sucesso de crítica e público no Brasil. Como em Homem com H, o foco é na superação. Quando lançou Chaves (El Chavo del Ocho, seu maior êxito comercial), Roberto Gómez Bolaños já passava dos 42 anos e acumulava problemas com os mandachuvas da televisão mexicana. O carisma e a graça da turma da vila mudaram sua sorte.

Chaves virou o grande produto de exportação da Televisa – e um dos “enlatados” de maior audiência na América Latina. A atração da Max mostra especialmente os bastidores do mais célebre episódio do seriado, “Vamos Todos a Acapulco”, em que todos os integrantes do elenco encenam um final de semana no Hotel Acapulco Continental. Além disso, acompanhamos a relação de Bolaños com família e o meio artístico.

O fenômeno das cinebiografias já estava em evidência no final de 2024, quando Senna foi a produção de língua não inglesa com mais horas assistidas na Netflix em todo o mundo. A história mostra a ascensão do piloto brasileiro Ayrton Senna, de promessa do automobilismo a tricampeão mundial de Fórmula 1, numa trajetória que culmina em sua morte trágica no Grande Prêmio de Ímola.

O catálogo das plataformas traz cinebiografias de tudo quanto é figura pública – políticos e militares, cientistas e inventores, mafiosos e assassinos. Até pessoas comuns, “gente como a gente”, já tiveram suas histórias levadas para o audiovisual.

Mas o interesse maior do público é por celebridades dos esportes e da cultura, seja pelo fascínio que atletas e artistas despertam, seja pela curiosidade em torno de feitos notáveis, como recordes, títulos, obras de arte e carreiras bem-sucedidas. Não faltam títulos sobre lendas de ontem e de hoje, em ação ou nos bastidores, com tramas dentro e fora das quatro linhas ou dos palcos.

Nos dois casos, o Brasil está bem na foto – ou melhor, no filme. Nos últimos anos, foram lançadas boas produções sobre Pelé, Neymar, Romário, Vini Jr., Erasmo Carlos, Mamonas Assassinas, Racionais MC’s, Tom Jobim e Elis Regina, Claudinho & Buchecha, Gal Costa, Silvio Santos, Rita Lee e outros ídolos.