Hebe de Bonafini fala à multidão em Buenos Aires na passagem da 2.000ª manifestação na Praça de Maio. (Twitter Prensa Madres)

Hebe de Bonafini, fundadora da Associação Mães da Praça de Maio e perseverante lutadora contra as violações de direitos humanos cometidas durante a ditadura argentina (1976-1983), morreu neste domingo (20) aos 93 anos.

Hebe, uma dona de casa da cidade de La Plata, tornou-se uma heroína do povo argentino e uma das mais renomadas ativistas de direitos humanos do país depois que ela e outras 13 mulheres começaram a procurar seus filhos sequestrados pelas forças de segurança entre as décadas de 1970 e 1980.

“Queridíssima Hebe, Mãe da Praça de Maio, símbolo mundial da luta pelos Direitos Humanos, orgulho da Argentina. Deus te chamou no dia da Soberania Nacional (festa nacional argentina celebrada em 20 de novembro)… não deve ser coincidência. Simplesmente obrigado e até sempre”, escreveu a vice-presidente Cristina Fernández de Kirchner em sua conta no Twitter.

Bonafini sofreu a perda de seus dois filhos durante o regime ditatorial argentino, no qual milhares de ativistas, acadêmicos e dissidentes políticos foram mortos ou desapareceram. Nenhum de seus filhos foi encontrado e eles são dados como mortos.

Estima-se que 30.000 pessoas desapareceram durante a última ditadura, segundo grupos de direitos humanos. Muitos dos corpos dos sequestrados nunca foram achados.

Desde seu primeiro protesto em 30 de abril de 1977, as Mães da Plaza de Mayo, organização identificada por usar lenços brancos e marchar semanalmente em frente à Casa do Governo exigindo justiça, desempenhou um papel crucial na defesa dos direitos humanos no país.

A entidade de mulheres teve que enfrentar ameaças de morte e algumas foram sequestradas e assassinadas.

“Eles nos prenderam, nos espancaram, viemos com perucas para que não pudessem nos identificar”, relatou Bonafini à Reuters.

Hebe levou sua luta a muitos lugares do mundo, afirmando que a defesa dos interesses do povo não pode, não deve e não será calada. Ela deu palestras e dividiu palcos com os falecidos presidentes de Cuba e Venezuela, Fidel Castro e Hugo Chávez, respectivamente, e teve grande participação política, tornando-se fiel defensora dos ex-presidentes Néstor Kirchner e Cristina Fernández.

Mais de 40 anos depois de sua primeira passeata, as já idosas “Mães da Praça de Maio” continuam com suas mobilizações pacíficas e simbólicas para saber o que aconteceu com seus filhos e como forma de pressão para continuar julgando os criminosos que atuaram na ditadura.

“O governo e o povo argentino reconhecem nela um símbolo internacional da busca pela memória, verdade e justiça para os trinta mil desaparecidos. Como fundadora das Mães da Praça de Maio, ela iluminou a noite escura dos ditadores”, disse um comunicado da presidência argentina. O governo argentino anunciou três dias de luto nacional.

Em outubro, Hebe foi internada no Hospital Italiano, na cidade de La Plata, para exames médicos. Na semana anterior àquela internação, a dirigente havia liderado a passeata que realiza todas as quintas-feiras e, na ocasião, havia convidado alunos do ensino médio para que lhe contassem sobre as ocupações de escolas na cidade de Buenos Aires em defesa da qualidade da educação.

“Hebe iluminou a noite escura dos tempos da ditadura”, disse a vice-presidente Cristina Kirchner

Na véspera desta atividade, na quarta-feira, 5 de outubro, Bonafini compareceu ao Centro Cultural Kirchner (CCK) para presenciar a inauguração da exposição fotográfica que exibiu sua biografia em imagens, intitulada “Hebe de Bonafini, uma mãe rebelada” .

Na apresentação, ela se referiu à sua história e à de sua família e agradeceu ao ver as fotos que registram momentos de sua vida e de seus filhos Jorge Omar e Raúl Alfredo, sequestrados e desaparecidos pela ditadura. “Esqueci quem eu era no dia em que eles desapareceram, nunca mais pensei em mim”, afirmou.

O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, prestou homenagem à líder das Mães da Praça de Maio com uma declaração em seu twitter na tarde deste domingo, lembrando que “Hebe teve dois filhos sequestrados e desaparecidos

durante a ditadura na Argentina. Com outras mães e familiares de vítimas do Estado, liderou marchas silenciosas por paz e justiça. Sua luta e perseverança seguem sendo exemplo para os que acreditam em um mundo mais democrático”.

Márcia Campos, fundadora da Confederação das Mulheres do Brasil (CMB) e ex-presidente da FDIM Federação Democrática Internacional de Mulheres saudou a vida e a luta de Hebe Bonafini e destacou a solidariedade da líder argentina às mulheres brasileiras: “Hebe Bonafini esteve no Brasil, em outubro de 1981, no Congresso de Refundação da primeira Federação de Mulheres reconstruída, a das Mulheres Paulistas. Época de ditadura na Argentina e no Brasil, Hebe de forma combativa e até mesmo heroica, enfrentou todos as dificuldades para circular com essas duas ditaduras sanguinárias. Veio para se unir às mulheres brasileiras que enfrentavam a ditadura no Brasil e prestar sua solidariedade. Obrigada Hebe Bonafini! Por tudo!”

Papiro

(BL)