Demissões nas big techs dificultam o combate às fake news
O CEO Mark Zuckerberg, da Meta, proprietária do Facebook, Instagram e WhatsApp, anunciou a demissão de 11 mil funcionários. Elon Musk demitiu 3.700 funcionários do Twitter e muitos outros estão se demitido voluntariamente após as recentes decisões dele.
Este cenário revela que a crise nas big techs é real e não somente altera a vida de muitos trabalhadores, como também coloca em risco o funcionamento dessas empresas. Porém o que mais preocupa, em um primeiro momento, é a moderação do conteúdo distribuído nas plataformas, pois é possível que esteja sendo criado um horizonte ainda mais permissivo com as fake news.
De acordo com a jornalista e coordenadora do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, Renata Mielli, a situação atual de demissões é muito grave, pois impacta o funcionamento das empresas em várias áreas.
Segundo Mielli, que é pesquisadora na área de comunicação, não há transparência nas informações passadas pelas empresas e o que foi noticiado indica que as demissões se concentram nas equipes de moderação e revisão de conteúdo – que já eram grupos contratados em caráter precário. Equipes de direitos humanos e da operação técnica também foram atingidas.
“O que tememos é que se agravem as dificuldades que plataformas já possuem de respeitar as legislações dos países em que operam, a lentidão em enfrentar contextos perigosos de circulação de conteúdos antidemocráticos e de incitação do ódio como vimos acontecer nas eleições. Essas demissões podem aprofundar a toxidade das plataformas e piorar o contexto do debate público em muitos países”, alerta.
Em relação a Meta, que controla o Facebook, o que se observa é que a empresa vem perdendo valor de mercado desde as revelações do escândalo de dados Facebook-Cambrigde Analityca, conforme observa Renata. Além disso, o “mercado de plataformas” tem um ciclo de vida e as pessoas migram para outras com o surgimento de novos tipos de redes.
Essas múltiplas dimensões de crise são o fio do novelo para entender como empresas igual a Meta demitem e como pretendem voltar a se valorizar com base na liberalização dos conteúdos divulgados nas plataformas.
Modelo de negócio e fake news
O modelo de negócios dessas big techs é focado na coleta massiva de dados dos usuários para fins de perfilhamento e direcionamento de conteúdos e publicidade de forma quase que individualizada, explica Renata Mielli.
Assim, para traçar perfis com mais aprofundamento, as plataformas precisam que os usuários permaneçam a maior quantidade de tempo possível postando conteúdos, reagindo aos conteúdos de terceiros, comentando, compartilhando, clicando em links e publicidade.
Dessa forma, quanto mais intensa essa atividade, mais os usuários se tornam alvos de conteúdo direcionado para venda de produtos e discursos. Da mesma maneira, quanto maior o período gasto nas plataformas, mais elas ganham dinheiro.
“Muitos estudos acadêmicos mostram que conteúdos de caráter moral-emocional, principalmente os que despertam medo e ódio, são os que mais viralizam nessas redes e geram engajamento e receita. É por isso que esses ambientes são tão propícios para o crescimento da extrema-direita, que não tem qualquer compromisso com o conteúdo da mensagem que dissemina. O que importa é alimentar e organizar sua base, e isso se faz com conteúdos virulentos. Além disso, o design dessas plataformas não é amigável para o debate mais crítico e racional, baseado em argumentos, propostas”, esclarece a pesquisadora.
Com isso, a coordenadora do Barão de Itararé indica que o modelo de negócios que as empresas de redes sociais vêm adotando não oferece espaço para discussão aprofundada, uma vez que no Facebook ninguém lê os famosos “textões” e no Instagram e Twitter, redes mais instantâneas e de conteúdos menores, o que vale é “lacrar”, “mitar”.
“Você curte, comenta, compartilha aquilo que te desperta de forma imediata uma emoção, boa ou ruim. E seja para denunciar ou para espalhar, as pessoas acabam contribuindo exatamente para espalhar desinformação e discurso de ódio. E quanto mais viraliza, mais a plataforma ganha dinheiro”, diz.
E com este horizonte caótico que a todo dia se expande é que estas empresas lucram, por isso que controle e mediação de conteúdo não é interessante para os CEOs.
“Essas big techs lucram rio de dinheiro com fake news, com ódio, com intolerância e preconceito. Por isso, é inadiável que o Brasil enfrente uma discussão estratégica para o país de como regular a operação dessas plataformas. Essa é uma agenda urgente para a democracia”, defende.
Twitter em crise
Recentemente comprado por US$ 44 bilhões pelo CEO da Tesla e SpaceX, Elon Musk, o Twitter está afundado em crise desde então. Após realizar uma demissão em massa, Musk intimou os funcionários que ficaram, por e-mail, a se comprometerem com uma nova cultura de trabalho “extremamente dura” ou que deixassem a empresa.
A situação gerou uma onda de demissões voluntárias e fez com que o CEO ordenasse o fechamento de todos os escritórios físicos do Twitter até a próxima segunda-feira (21).
Para Renata Mielli, há muitas coisas em jogo sobre a continuidade da plataforma após os anúncios de Musk, que criou um ambiente de perda de confiança junto aos usuários.
Ainda sobre a possibilidade de o Twitter acabar, como muitos analistas já indicaram pelo êxodo de anunciantes e pela queda do valor de mercado da empresa, Mielli observa que existe o risco de que toda a memória de parte do debate público mundial desapareça.
“Centenas de milhões de tuítes, que compõem a história das discussões de muitos países, podem simplesmente desaparecer, o que é gravíssimo”, afirma. “A plataforma não é apenas um brinquedo na mão de bilionários, é ferramenta de trabalho de milhões de pessoas ao redor do mundo. Por isso, a sociedade precisa compreender os perigos que essa concentração representa não só na dimensão econômica, mas também na democrática”, completa a pesquisadora.