Fim de “anabolizantes eleitorais” de Bolsonaro desacelera a economia
Os economistas que previam para o início de 2023 uma desaceleração da economia brasileira, já esperam a recessão ainda antes do próximo semestre. Há perspectivas catastróficas de PIB negativo no último trimestre do ano, que deve se expressar nas vendas do comércio de Natal, com risco de ficarem abaixo do registrado em 2021.
A reportagem conversou com o sociólogo e consultor das centrais sindicais, Clemente Ganz Lúcio, que explicou a combinação que tem levado os analistas a fazer este prognóstico. Ele concorda com a perspectiva de que vamos ter um ano pior que aquele, em meio à pandemia. Somente um novo governo com estratégia de desenvolvimento produtivo, segundo ele, será capaz de sair desse beco criado por Bolsonaro.
O cenário atual, conforme lembra ele, combina “uma total ausência de estratégia de desenvolvimento produtivo e coordenação de investimento”. “O Brasil está na pior situação de investimentos públicos. Com o fim dessas medidas anabolizantes que o governo fez para o processo eleitoral, jogando grana para a população de mais baixa renda, diminuindo ficticiamente a inflação com medidas de imposto, tudo isso vai voltar. Vamos ter pressão inflacionária, pressão de custo, redução da massa salarial, da massa de rendimentos disponíveis, que são essas medidas que estão acabando”, pontuou.
Anabolizantes eleitorais
Clemente refere-se a uma preocupação que comparece entre outros analistas. O dinheiro injetado na economia por meio de medidas com viés eleitoreiro, como a liberação de R$ 30 bilhões do FGTS no primeiro semestre, a antecipação do 13º salário e o reforço de programas sociais como o Auxílio Brasil, que já terão praticamente se esgotado.
Segundo a leitura generalizada entre os especialistas, sem a disponibilidade destes recursos, o governo terá “sacrificado a janta para servir o almoço”. Gastou tudo de que dispunha antes da eleição, sem pensar como garantir estabilidade fiscal e investimento para depois.
O problema dos gastos sociais, segundo o sociólogo, é que não há qualquer outra estratégia de desenvolvimento econômico para compensar. “O novo governo vai pegar um orçamento destruído, no ano que vem, que é o que esse governo vai entregar. Vai ter que reorganizar o orçamento com brutal rombo, o que significa repactuar uma série de coisas”, prevê Clemente.
“Tudo isso vai convergir para um cenário de economia internacional adverso com um quadro muito grave de inflação alta, guerra na Ucrânia e conflito entre EUA e China, do ponto de vista do comércio”, menciona ele.
Clemente pondera que uma eventual vitória de Luis Inácio Lula da Silva começa a apresentar alguma perspectiva de mudança, que só vai começar a se efetivar quando ele assumir. “Isso leva tempo”.
A pressão dos juros altos
A alta da taxa básica de juros para combater a inflação — que começou em março de 2021, quando a Selic estava em 2%, chegando a 13,75% ao ano hoje — agora atinge em cheio a indústria e o varejo. São setores que enfrentam dificuldades para vender bens duráveis financiados, dado o elevado custo do crédito.
Assim, a política monetária tem neutralizado qualquer política de estímulo ao consumo, como os recursos despejados no período eleitoral. Com a pressão de custos, a renda adicional disponível acaba não dinamizando a economia de forma consistente.
“Nosso problema é a pressão de custos decorrente da política absurda da Petrobras, que tem um impacto enorme na formação de preços na economia”, afirma. Ou seja, a inflação vem de vários lados, como da política de preços dos combustíveis, da crise internacional e da própria guerra, e precisa ser administrada por medidas de política econômica que orientem a economia para uma outra trajetória. Só assim, defende Clemente, pode aliviar a pressão do Banco Central sobre a taxa de juros.
Com uma inflação puxada para a meta na base exclusiva do aumento de juros, ele acredita que o resultado só pode ser paralisia total. “Para um país que já estava rastejando, está cortando a perna da tartaruga. Vai ficar com o casco parado”, comparou.
Não há certeza alguma sobre inflação, a depender do que acontecerá com o preço do combustível, agora. A sinalização é justamente que, passada a eleição, os preços sejam ajustados para cima. “Com tanta incerteza, o Banco Central está esperando a eleição e pode voltar a apertar a taxa de juros se a inflação voltar a subir. O que é um problemaço, porque aumenta a dívida pública brasileira”.
A importância do consumo interno
Clemente explica que numa economia sem investimentos públicos e privados, nem exportações robustas de manufaturados, a dinâmica depende “dois terços” da demanda oriunda do consumo das famílias.
“Sem a renda, não tem consumo, portanto não dá pra ter crescimento. [A indústria] vai produzir pra quem, se não exporta nem tem consumo interno? Se o que se vê é aumento do desemprego, queda dos salários, aumento do custo de vida, a sinalização para a economia é de queda na produção”, explica.
De acordo com o IBGE, em agosto, o varejo registrou a terceira queda seguida nas vendas, de 0,1%, e bateu o menor patamar do ano. No trimestre, houve recuo de 0,8%. A produção industrial caiu 0,6% em agosto.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) informa que, no mês passado, o índice de evolução na produção ficou em 49,0 pontos — abaixo do patamar de 50 pontos, que separa aumento de queda da produção industrial. É o pior resultado desde setembro desde 2019.
De modo geral, os dados do Novo Caged reforçaram os sinais de desaceleração na abertura líquida de vagas formais no país, em linha com o esgotamento do impulso gerado pela reabertura do pós-pandemia. Após a criação de 221,3 mil vagas em julho, houve geração líquida de 278,6 mil postos em agosto.
(por Cezar Xavier)