Programas de governo refletem conservadorismo contra LGBT+; Lula ousa mais
Nesta altura do campeonato, depois de 26 paradas LGBT+ com milhões de participantes, era de se esperar que as eleições de 2022 trouxessem novidades importantes para esta população. No entanto, o que se observa é um recuo e defensiva das candidaturas motivada pelo avanço conservador e religioso que afeta as intenções de voto. Tem programa de governo que sequer menciona esta população.
Aparentemente, os milhões de gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transgêneros, transexuais femininos e masculinos, não binários, drag queens, cross-dressers, queers, intersexuais, pansexuais e assexuados, entre outras orientações sexuais e identidades de gênero, não conseguiram constituir seus templos e papas para receber os políticos, cantar, orar e declarar voto. Por outro lado, as pesquisas de intenção de voto, assim como o IBGE não os notificam, como contabilizam evangélicos e católicos, por exemplo. Isso se reflete na falta de propostas alinhadas com as demandas desta população.
A reportagem consultou especialistas e avaliou as menções a esta pauta nas diretrizes de programa de governo, registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que apontaram para esse silenciamento e invisibilidade na maioria dos documentos, embora tenham destacado uma menção mais pontual da candidatura do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva. Com a vantagem dos governos progressistas terem quatro gestões como legado do que foi feito e proposto para LGBT+.
Timidez e defensiva
O presidente da Aliança Nacional LGBTI+, Toni Reis, considera que a pauta está silenciada. Quem apresentou propostas o fez de forma tímida. “São propostas feitas para evitar desagradar os setores mais conservadores da sociedade. A falácia da ideologia de gênero disseminada neste governo intimidou partidos e políticos que temem sequer falar sobre o assunto. Isso é perceptível nos programas e diretrizes de governo”, analisou ele.
Mas ele admite que o ex-presidente Lula apresenta um programa mais ousado, embora possa “melhorar muito”. Em quatro governos progressistas, não foi possível impor uma agenda no Congresso Nacional de igualdade de direitos familiares. Todas as conquistas em relação a casamento, herança e adoção, assim como criminalização da LGBTfobia foram alcançadas pela sensibilidade e parecer técnico do judiciário.
Mas os governos de Lula e Dilma garantiram direitos na tributação federal, no serviço público e nas estatais, assim como elaborou programas de combate ao preconceito e discriminação. Assim como programas de geração de emprego e renda e proteção social, de forma transversal, em ministério tão diversos como educação, saúde, fazenda (economia), relações exteriores, além de dar voz e cargo a ativistas conhecidos da comunidade. Tudo foi discutido com os atividades de todo o país, reunidos nas Conferências Nacionais e Políticas Públicas e Direitos Humanos LGBT+. Por isso, mesmo, a expectativa da comunidade é alta em relação a um próximo governo Lula, que prometeu fazer mais e melhor do que antes.
“Como militante, há 40 anos, acredito que temos que garantir a democracia, a distribuição de renda, a educação e a saude pública que respeitem todas as pessoas, sempre incluindo a interseccionalidade de gênero, raça, orientação sexual e identidade de gênero. Esperamos que nas próximas eleições tenhamos planos mais ousados e coerentes com os problemas que enfrentamos de LGBTfobia no Brasil”, completou Toni, que falou em união homoafetiva nos anos 1990, quando nem se dimensionava o tamanho desta população invisível.
Contabilidade reveladora
Anelise Fróes é doutora em Antropologia Social pela UFRGS, e consultora em planejamento, gestão e políticas públicas. A partir de uma análise matemática, ela mostrou como é óbvia a relação entre as candidaturas e as demandas por políticas públicas dessa população.
“Uma olhada panorâmica sobre os planos de governo registrados no TSE, dos quatro candidatos que aparecem em pesquisas, permite constatar abordagens quase “óbvias” a partir do lugar de onde fala cada um deles”, aponta ela.
Utilizando busca simplificada no texto completo de cada plano de governo, tem-se o seguinte cenário por ocorrência de palavras chave: Bolsonaro registrou um documento de 48 páginas de diretrizes de programa de governo em que ZERO vezes mencionou termos como gênero, LGBT ou variantes. No entanto, fez dezenas de menções a família, mulher e negros de forma genérica. Indígenas foram mencionados 13 vezes e quilombolas 6 vezes.
“Menções à indígenas e quilombolas, não significa qualquer compromisso ético de afirmação de seus direitos fundamentais. A inclusão desses grupos, pelo contrário, serve para indicar contrapontos e retiradas de direitos nas entrelinhas. A ausência completa de LGBTs corrobora a política de retirada de direitos que foi executada em quatro anos”, disse Anelise. Para ela, a ausência destes milhões de cidadãos num programa de governo grita mais sobre como um futuro governo enxerga estas pessoas, do que mencioná-los, com fazem outros conservadores.
É o caso de Simone Tebet (MDB), que em 48 páginas de programa de governo, faz uma única referência a “gênero”, 1 a “LGBT”, e outras a grupos como negros, quilombolas e “povos originários”. É curioso que ela cite diversas vezes “família” e “mulher”, assim como JMB, mas ZERO vezes indígenas – substituídos por “povos originários”, e contemplados com propostas evasivas e flutuantes, sem apontar diretrizes factuais para assegurar o direito aos territórios, às terras demarcadas, ao reconhecimento de seus direitos como previsto na CF de 1988.
Já o programa de Lula, segundo Anelise, traz um programa enxuto desenhado em linhas gerais, mas onde é possível encontrar políticas específicas e menções à quilombolas, gênero, LGBTs, família, mulher, negros e negras, indígenas, entre outros grupos, como jovens. “Cada grupo é contemplado com indicações de políticas e ações que garantam direitos, promovam desenvolvimento seguro, acesso à cidade, ao território, ao pertencimento, à livre expressão sexual e de gênero”.
Para ela, o programa de governo de Lula renova o contexto e o compromisso em que o país se encontra, com esforços políticos, recursos e investimentos, de modo equânime para todas as pessoas.
De acordo com a especialista, o problema maior do texto dos adversários é o modo conservador com que as categorias “mulher” e “família” são essencializadas, desconsiderando suas múltiplas formas de ser.
A ênfase economicista de Ciro Gomes, de acordo com a pesquisadora, acaba secundarizando os temas de direitos humanos. Com 26 páginas, o candidato apresenta blocos de propostas para grupos específicos, que ficam minúsculas diante dos que elabora minuciosamente para a Petrobrás e a reforma trabalhista , por exemplo. “Há uma referência à gênero no programa, e seis à LGBTs”, contabilizou.
Chama atenção no plano de Ciro que existe a proposta de criar instâncias como uma “Secretaria Nacional de Políticas Públicas para a Cidadania da população LGBTI+” que seria responsável por implementar o “Plano Nacional de Promoção da Cidadania e DH de LGBTI+”. Ela critica e desconfia, no entanto, do modo como Ciro apoia indiretamente o governo atual.
Como Reis, ela também aponta a importância das políticas econômicas estarem em convergência com as políticas de direitos humanos, e não se contraditarem. “Se um mesmo candidato promete garantir direitos aos indígenas e às pessoas LGBTI+, mas ao mesmo tempo garante que vai dar continuidade e aprimorar a reforma trabalhista, bem como ampliar o agronegócio, pode saber que algumas promessas não serão cumpridas – as primeiras, sempre”, alertou.
Silêncio gritante
Em termos gerais, para além das questões da violência mais óbvias, as diretrizes de Lula e de Ciro apresentam plano intersetoriais para as pautas em questão.
Por sua vez, as diretrizes de Bolsonaro ignoram solenemente o combate ao racismo estrutural, violência contras as mulheres e pessoas LGBT. As mulheres, para o bolsonarismo, limita-se à maternidade, o cuidado da família e dos filhos “como base para a construção de uma forte nação”, e ignora toda a diversidade feminina que demanda por participação política e no mercado de trabalho.
A primeira menção de um eventual governo Lula sobre o combate à violência contra segmentos específicos, como LGBT+, aparece no tópico destinado à segurança pública.
“As políticas de segurança pública contemplarão ações de atenção às vítimas e priorizarão a prevenção, a investigação e o processamento de crimes e violências contra mulheres, juventude negra e população LGBTQIA+”, diz o texto.
“Não haverá democracia plena no Brasil enquanto brasileiras e brasileiros continuarem a ser agredidos, moral e fisicamente, ou até mesmo mortos por conta de sua orientação sexual.”
Em seguida, o plano afirma que é preciso instituir “Políticas que garantam o direito à saúde integral desta população, a inclusão e permanência na educação, no mercado de trabalho e que reconheçam o direito das identidades de gênero”.
Para Bolsonaro, o combate à violência só será feito mediante à facilitação da população ao acesso a armas, portanto, em consequência, ao estímulo à indústria de armas de fogo. Desta forma, a violência motivada por gênero deve ser combatida com acesso das mulheres a pistolas. LGBT+ que se armem e garantam o lucro da Taurus.
Como não pode ignorar os milhões de lares e famílias comandados por mulheres, há tópicos que a colocam como “chefe do lar”. Desta forma, um programa voltado para o empreendedorismo feminino cujo título é “Brasil Para Elas” é apresentado como panaceia para tudo, como o Uber é para o desemprego de profissionais qualificados.
A violência contra a juventude negra e a população LGBT sequer é mencionada neste programa de governo. Não é de surpreender, considerando os quatro anos de desmonte total de políticas de proteção a estas populações, assim como de povos indígenas.
(por Cezar Xavier)