Como a China, que seria por óbvio, um dos alvos dessas big techs, sobrevive a essas investidas e não tem seu processo revolucionário contestado ou agredido internamente? Não vou me aprofundar nas complexas costuras políticas internas entre os diversos setores da sociedade chinesa, mas no aspecto tecnológico, em que a própria nação, através de empresas nacionais, disponibiliza todas as tecnologias que a sociedade local precisa para sobreviver, desde redes sociais a sistema de localização e financeiro, competindo internacionalmente com empresas americanas e europeias, como a BYD que vem superando a Tesla em vendas. A experiência chinesa demonstra que a disputa pelo controle da comunicação e da tecnologia é também uma disputa de projeto civilizatório.

Na atual quadra política, quando a conjuntura parecia se fechar em torno de um cerco ao governo Lula, que representa o único projeto que foi capaz de até aqui conter a sanha devastadora da extrema direita/bolsonarismo, o Congresso Nacional extrapolou suas prerrogativas e tentou revogar o decreto do Presidente que aumentava as alíquotas do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), que atingiria os super ricos, mas essa votação não era apenas uma defesa dos endinheirados, era também uma dura mensagem política, um gesto que demonstra má vontade da Casa não só com as pautas e agenda, mas com o próprio governo, um passo mal dado que tem repercussões até hoje com a reação imediata nas redes sociais.

Páginas com narrativa de esquerda entraram em cena e mudaram em poucas horas o cenário, ocuparam o topo das publicações denunciando o comportamento pró-ricos do Congresso Nacional, vídeos e mais vídeos produzidos por IA (Inteligência Artificial) e foi a primeira vez que conseguimos impor uma ofensiva tão potente e por, tanto a extrema direita, quanto o centrão na defensiva. Inúmeros canais surgiram, vídeos começaram a circular no WhatsApp, o mais icônico foi o perfil Brasil Sátira do Poder que criou o deputado “Hugo Nem Se Importa”.

Mas essa investida não foi apenas pontual em torno da taxação dos super ricos, ao contrário, se abriu um flanco de disputa ideológica, a pauta do fim da escala 6×1 ganhou mais força e popularidade, outras contradições foram expostas, denúncias sobre as condições desiguais de vida, a rejeição às taxas e chantagens de Trump,

entre outras pautas, furamos a bolha, como costumamos dizer, mas precisamos aprender algo com isso para que possamos intensificar.

A essa altura há uma concentração maior dos meios de comunicação em torno das big techs, se antes eram poucas famílias do país que detinham o monopólio das comunicações, hoje, poucas empresas concentram informação de bilhões de pessoas do mundo inteiro e isso tem causado desconfiança e até um certo medo por parte das pessoas, as publicações impressas perderam largamente a capacidade que tinham, mesmo jornais históricos migraram para as plataformas digitais, experimentos de TVs e rádios públicas ou comunitárias são tímidas e vieram tardiamente.

Precisamos compreender que, sim, há um ambiente de disputa dentro das plataformas das big techs e podemos usar estratégias para hackear os seus sistemas, como faz o Mídia Ninja e outras redes e pessoas de esquerda, mas para isso é preciso acreditar nesse ambiente de luta, só assim vamos dispor da inteligência coletiva atuando para desenvolver as estratégias e táticas desse combate.

Me chama atenção, por exemplo, a opção feita pelo Plebiscito Popular, que está sendo realizado nesse momento pelas frentes Brasil Popular e Povo sem Medo, de privilegiar no primeiro momento ações de votação presencial e em cédula. Primeiro, a aparente contradição de que esses mesmos partidos e organizações tenham feito um longo debate contrário ao voto em cédula nas eleições do Brasil e depois deem prioridade a esse mesmo método em um processo popular que está sendo conduzido. Depois, parece que há uma contradição entre ambos os métodos acontecerem em paralelo, e não há, já que os pontos de arrecadação terão um tipo de alcance e o voto eletrônico outro. Quando o link da votação vazou, a coordenação orientou a não usar o link, continuar focado nos pontos de votação, isso me chamou atenção. A imensa maioria das pessoas sabe que, ao ler o QR Code com o celular, se abrirá uma nova aba no navegador e ali é possível ver o link e compartilhar. O vazamento e a rápida repercussão só provam como o voto eletrônico, amplamente divulgado nas redes sociais, especialmente no WhatsApp, pode produzir não só números de votação, mas de chegar na ponta da sociedade e dialogar com quem raramente temos a oportunidade.

Obviamente que o voto presencial, com ou sem cédula, ou melhor, o ponto de arrecadação, possibilita uma maior politização do processo, diálogo e maior

conscientização, e quem sabe ganhar a pessoa para a luta ideológica. Mas se essa é a questão, podemos trabalhar essa conscientização com vídeos, cartilhas e etcs que podem acompanhar a mensagem convidando a participar da votação. O ponto é que é possível fazer essa disputa ideológica nessas plataformas e precisamos acreditar nisso.

A extrema direita conta fortemente com blogueiros e comunicadores que fazem uma rede de repercussão das suas pautas e narrativas, assim eles constituíram ecossistemas que hoje em dia se autofinanciam, vejam o Brasil Paralelo que construiu uma plataforma de streaming com filmes e documentários completamente mentirosos, mas que reúnem milhares de usuários no Brasil, ganhando atualmente inserção até nos ambientes escolares. Esses blogueiros direitistas são financiados de muitas formas, muitos pelo próprio engajamento em plataformas monetizadas, mas lembrem que Bolsonaro direcionou recursos públicos, especialmente por meio de empresas estatais e publicidade oficial, para blogueiros, influenciadores e sites alinhados ideologicamente com ele, e isso deve acontecer pelos estados também.

O pastor Silas Malafaia realiza em sua igreja campeonatos envolvendo jovens e adolescentes que são premiados conforme o desempenho dos seus conteúdos. A dinâmica narrada no podcast No Alvo, na temporada “Império Malafaia”, o pastor prega no culto de jovens em uma das suas igrejas e lança o desafio: “Quem produzir o melhor vídeo e tiver mais viws vai ganhar um notebook”, a linha do tipo de conteúdo pedido por ele nem preciso dizer, contra a esquerda, falar que somos contra a vida e a favor do aborto e por aí vai. A escolha do culto de jovens para isso não é à toa, afinal são eles que estão consumindo mais cotidianamente essas plataformas e terão mais versatilidade em traduzir a linguagem. No dia da premiação o pastor não presenteia apenas um, mas três jovens que participaram da competição. Daí podemos entender o surgimento de figuras jovens em meio à extrema direita.

Precisamos construir e fortalecer redes potentes de comunicação, envolvendo mandatos, sindicatos, organizações dos movimentos sociais, blogueiros e blogueiras, jornalistas e demais comunicadores e comunicadoras em um grande movimento de disputa ideológica com a classe trabalhadora brasileira. Muitas organizações e pessoas importantes de âmbito nacional e local sequer têm redes sociais ativas e atuantes. Algumas que estão ativas ainda optam por uma comunicação institucional formal, com raras exceções.

Para avançar, precisamos simplificar a linguagem, promover uma comunicação combativa com informações e conteúdos, não se pautando apenas nas pautas quentes, mas trazendo as reflexões que sejam capazes de humanizar a comunicação com a sociedade como um todo, apresentando a perspectiva revolucionária, apostando e contribuindo com as vozes que se lançam nesse desafio de produzir conteúdo para a disputa ideológica.

Só com uma ação articulada e bem elaborada iremos mudar os rumos das disputas dentro dessas plataformas. Um bom exemplo é a articulação feita por Gustavo Petro em 2022, conhecido como “el presidente tuitero”. Na reta final da campanha foram vazados por uma revista reuniões do seu núcleo de comunicação que mostravam uma coordenação bem elaborada, articulada ponto a ponto na disputa das redes sociais, o episódio do vazamento ficou conhecido como “Petrovideos”.

Não tem muito mistério, mas tem uma jornada a perseguir, precisamos ocupar, inundar as redes sociais de conteúdos revolucionários que façam a disputa ideológica, se conectando com nosso povo no seu cotidiano e ampliando a base social da esquerda.

Onã Rudá é Coordenador LGBTQIAPN+ do PCdoB Bahia