Em meio à inflação galopante, greves e protestos, Liz Truss ainda culpa Putin por sua queda (Vídeo)

Com apenas 45 dias de governo, a primeira-ministra britânica Liz Truss anunciou nesta quinta-feira (20) sua renúncia, depois de ter lançado o Reino Unido na crise, com um pacote econômico (o ‘mini orçamento’) que derrubou a libra esterlina e quase quebrou os fundos de pensão, em meio à maior inflação em quatro décadas – alimentada pelas sanções contra a Rússia e seu gás e petróleo -, uma onda de greves contra a perda de poder aquisitivo e manifestações em Londres e mais 50 cidades.

O que torna Truss o mais curto governo da história britânica. A oposição – trabalhistas, liberal-democratas e nacionalistas escoceses – pediu a imediata convocação de eleições gerais. Na véspera, já com seu apoio na bancada conservadora se esvaindo a cada hora, madame Truss asseverara que “era uma guerreira” e não cederia.

O golpe de misericórdia foi dado pela renúncia de sua ministra do Interior, Suella Braverman, após cenas de caos no parlamento. Antes, a crise forçara a demissão do ministro das Finanças Kwasi Kwarteng, o pai do ‘mini orçamento’, e sua substituição pelo ex-ministro da Saúde, Jeremy Hunt. Cuja primeira providência foi fazer meia-volta, antes que o caldo desandasse de vez.

Depois que Hunt “enterrou a Trussnomics” no fim de semana, seu caixão “estava devidamente lacrado”, observou um comentarista da BBC.

Ela se via como um clone de Margareth Thatcher e o carro-chefe de seu plano econômico era o corte de impostos dos mais ricos bancado com endividamento público e corte dos gastos sociais.

A alta extorsiva das contas de energia – as tarifas quase dobraram em relação há um ano atrás – levou dezenas de milhares de pessoas às ruas no início do mês aos brados de “congelem os lucros, não as pessoas” e “não temos como pagar, não pagaremos, não pagamos”. Manifestantes queimaram as contas de energia.

A crise eclodiu no dia 23 de setembro, com o anúncio do aumento da dívida pública para financiar corte de impostos para os ricos, o que levou à derrubada da libra esterlina e dos títulos do governo do Reino Unido.

E colocou enorme pressão sobre muitos fundos de pensão, que estavam encalacrados nos derivativos e se viram forçados a vender títulos do governo para cobrir as apostas. Apenas com a intervenção do BC inglês o risco da crise se estender ao setor financeiro foi contido, mas a data limite para a garantia de compra de títulos pelo BC, 14 de outubro, seguiu gerando incerteza.

No auge da crise, o movimento de quatro dias em títulos do governo do Reino Unido de 30 anos foi mais que o dobro do que foi visto durante o período de maior estresse da pandemia. Especialistas estimaram em £ 100-150 bilhões o tamanho do rombo sob risco. Entre as repercussões, houve a alta nos juros das hipotecas.

O líder trabalhista Sir Starmer assinalou que “após 12 anos de fracasso dos conservadores, o povo britânico merece muito mais do que esta porta giratória do caos”. Eles – acrescentou – “não podem responder às suas últimas bagunças simplesmente estalando os dedos e arrastando as pessoas no topo sem o consentimento do povo britânico. Eles não têm um mandato para colocar o país em mais um experimento – a Grã-Bretanha não é seu feudo pessoal para governar como quiserem. Devemos ter a chance de um novo começo. Precisamos de uma eleição geral – agora.”

Para o partido Liberal Democrata, “não precisamos de outro primeiro-ministro conservador a cambalear de crise em crise, precisamos de uma eleição nacional, precisamos dos conservadores fora do poder”. Os libdem exortaram os tories a “cumprirem o seu dever patriótico, colocarem o país em primeiro lugar e darem ao povo uma palavra a dizer”.

O que a Inglaterra precisa é de um governo “que faça a coisa certa – começando com o aumento dos salários, colocando mais dinheiro nos bolsos das famílias trabalhadoras e protegendo nossos serviços públicos”, tem insistido a secretária geral da principal central sindical inglesa (TUC), Frances O’Grady.

“É assim que paramos a recessão que se aproxima e protegemos as famílias nesta emergência de custo de vida”. A primeira prioridade desse governo – denunciou – “foi cortar impostos para os ricos e as grandes empresas e remover o limite dos bônus dos banqueiros”.

Até indicação de um sucessor, Truss permanecerá como interina. Os conservadores prometem ter um nome em uma semana, e até Boris Johnson se assanhou a voltar. Pelo sistema eleitoral britânico, só pode haver convocação da antecipação das eleições (previstas para até janeiro de 2025) com a concordância do chefe de governo, ou após dissolução do parlamento, depois de moção de censura ao governo aprovada.

Os conservadores – que têm a maioria no parlamento – não querem uma eleição agora de jeito nenhum, já que as pesquisas estão dando uma vantagem de 30 pontos para os trabalhistas – o que realimenta a crise. O novo primeiro-ministro será o terceiro este ano.

Em sua mensagem de renúncia, Truss culpou o presidente russo Vladimir Putin pela crise que as potências neocoloniais provocaram ao sancionarem a Rússia. Veio rápido o troco, pela porta-voz da chancelaria, Maria Zakharova. “O Reino Unido nunca conheceu um tão grande embaraço provocado por um primeiro-ministro”, ela escreveu na rede social Telegram.

Zakharova disse ainda que Truss será recordada pelo “analfabetismo catastrófico” e por o funeral da rainha Isabel II ter vindo na sequência da “audiência [da ex-monarca] com Liz Truss”.

Um dos principais trunfos para sua breve vitória como primeira-ministra britânica foi a russofobia expressada por Truss, a ponto de se dizer pronta para iniciar um conflito nuclear.

“Recordaremos [Truss] de capacete num carro de combate”, acrescentou a porta-voz, referindo-se a uma foto da agora demissionária, publicada no final de novembro, de capacete dentro de um tanque do exército britânico, na Estonia, quando ainda era secretária de Relações Exteriores do Reino Unido.

Papiro

(BL)