Com Bolsonaro, Brasil tem maior inflação de alimentos dos últimos 28 anos 
Aquela sensação recorrente que temos a cada ida ao mercado, de que os alimentos estão sempre mais caros apesar da tal deflação, não é mera impressão. É um fato comprovado em números. Segundo o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), o grupo alimentação e bebidas acumulou uma inflação de 9,54% entre janeiro e setembro. O índice é o maior para o período desde 1994, ainda no começo do Plano Real, há 28 anos.
O melão foi o alimento que mais teve aumento (74,37%), seguido da cebola (63,68%) e do leite longa vida (50,73%). Vale destacar ainda que há sete meses a inflação desse grupo está acima do IPCA, considerando o acumulado de 12 meses. Somente em setembro, o índice anual foi de 11,71%, o que significa 4,54 pontos acima da inflação oficial.
“Para quem está acompanhando há mais tempo a variação nos preços dos alimentos, esse dado não surpreende. Embora nos últimos meses o aumento dos alimentos tenha desacelerado, quando se analisa no acumulado dos últimos doze meses, por exemplo, é possível ver que persiste o aumento maior desses produtos quando comparado com o índice geral da inflação”, analisa a economista Anelise Manganelli, do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).
Tal situação, claro, afeta sobretudo os mais pobres — e não adianta o governo de Jair Bolsonaro (PL) investir num discurso que tenta fazer crer numa melhora na condição econômica da população. Considerando o valor do Auxílio Brasil, por exemplo, que é de R$ 600, somente cinco de 16 metrópoles pesquisadas têm uma cesta básica abaixo desse valor: Aracaju, Salvador, João Pessoa, Recife e Natal. São Paulo, por sua vez, ainda tem a cesta básica mais cara, R$ 750, seguido de Florianópolis, Porto Alegre e Rio de Janeiro.
Na mesma direção, explica Anelise, “observamos que os preços dos produtos da cesta básica (pelo Dieese) cresceram 10,6% e que custa hoje R$ 743,94 em Porto Alegre. Portanto, um trabalhador que recebe salário mínimo gasta 66,36% só com alimentos básicos”.
Tudo isso mostra que para o povo, “o cobertor segue curto”, considerando a elevação dos preços, de um lado, e a queda na renda e do poder de compra do trabalhador, o desemprego e a informalidade, do outro. “O maior problema é que essas elevações não acompanham o aumento nos salários dos trabalhadores. O último levantamento das negociações salariais realizados pelo Dieese mostrou que nesse ano 43,2% das convenções coletivas de trabalho (acordos entre patrões e empregados) não repuseram nem a inflação do período, ou seja, o comprometimento do orçamento das famílias com comida cresce, e são os mais pobres que sentem mais, pois naturalmente destinam maior parcela da sua renda para esse fim”, lembra Anelise.
A economista acrescenta que essa situação “torna-se desesperadora se pensarmos nos informais, nos desempregados, naqueles que não possuem renda regular – parcela considerável da população atualmente. E sempre gosto de lembrar que o custo de vida no Brasil é muito alto, porque uma coisa é a inflação — a variação dos preços —, outra, é o custo de vida. Se a inflação fosse zero, a situação do brasileiro já seria muito ruim”.
No que diz respeito à grande produção alimentar no país, de um lado, e o alto custo deste segmento à população, de outro, Anelise conclui: “No Brasil não falta comida, falta dinheiro para comprar. As ações do governo pioram o quadro, o abandono dos estoques reguladores de alimentos — um instrumento que tem capacidade de baixar os preços — é mais um erro escancarado. Assim como os cortes de recursos para a agricultura familiar”.