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Um dos principais assuntos da campanha deste ano, por se configurar um verdadeiro escoadouro de verbas públicas, usadas sem transparência e em benefício da base bolsonarista, o orçamento secreto veio à tona novamente no primeiro debate presidencial do segundo turno neste domingo (16). Após Jair Bolsonaro (PL) dizer que o ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia (PSDB-RJ) teria criado o mecanismo, o deputado federal veiculou vídeo pelas redes sociais no qual refuta a tese do mandatário. 

“Mais uma mentira do presidente agora no debate”, declarou Maia. Na sequencia, diz: “encaminho a mensagem de criação da RP9 (orçamento secreto), assinada pelo presidente da República e pelo ministro (Luiz Eduardo) Ramos (ex-ministro da Casa Civil), os dois criadores do RP9”. O referido documento também foi postado junto com o vídeo. Ele finaliza dizendo: “Infelizmente, de verdade, eles conhecem pouco”. 

Durante o debate e ao longo da campanha, Bolsonaro vem tentando se descolar do orçamento secreto, visto como um dos maiores escândalos de corrupção do país pelo volume de recursos que envolve e pela total falta de transparência quanto à autoria e à destinação dos valores empregados. O mecanismo tem sido usado em benefício do centrão e da base de apoio do presidente, que tem terceirizado seu papel na execução do orçamento. Para 2023, a cifra destinada para esse fim ultrapassa os R$ 19 bilhões. Em 2022, o valor é de R$ 16 bilhões. Somados os últimos três anos, o valor ultrapassa os R$ 42 bilhões. 

No programa deste domingo — promovido por um conjunto de veículos e realizado nos estúdios da TV Bandeirantes — Bolsonaro disse que vetou o mecanismo e declarou: “Eu não tenho nada a ver com esse orçamento secreto. Posso até entender que o parlamento trabalha melhor na distribuição de renda do que nós, do lado de cá”. 

O que Bolsonaro não contou aos eleitores, primeiramente, é que, embora tenha vetado a tentativa de viabilizar o orçamento secreto em 2019, Bolsonaro recuou do próprio veto logo depois e encaminhou para o Congresso projeto criando o mecanismo. O texto, conforme assinalou Maia, de fato é assinado pelo presidente e pelo seu então ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos.  

Além disso, conforme apurou a agência Lupa, “as emendas de relator (RP-9) foram aprovadas pelo Congresso nas leis de diretrizes orçamentárias (LDO) de 2020, 2021 e 2022. Bolsonaro vetou a medida em apenas uma das ocasiões, na LDO de 2021. Na ocasião, o Congresso derrubou o veto e manteve o texto original. Nos outros dois anos, Bolsonaro vetou trechos que determinavam que essas emendas seriam impositivas, isto é, de cumprimento obrigatório pelo governo federal. Na LDO de 2020, o veto foi mantido, mas, após acordo, o governo encaminhou ao Congresso os PLNs 2, 3 e 4 – que mantiveram o orçamento secreto impositivo em 2020”. 

Recentemente, a Transparência Internacional classificou o orçamento secreto como “o maior processo de institucionalização da corrupção que se tem registro no país”. O diretor executivo da organizou declarou, à BBC Brasil que “o que a gente chama de institucionalização da corrupção é uma forma de dar um verniz legal, institucional, a uma prática absolutamente corrupta na sua essência, que é a apropriação do erário público para interesses privados, sejam eles políticos, de reprodução de poder, ou pecuniários mesmo, interesses materiais”. 

A senadora Simone Tebet (MDB-MS) tem sido uma das principais críticas do orçamento secreto. Em entrevista a um podcast, ela declarou que “podemos estar diante do maior esquema de corrupção do planeta Terra”. A ex-presidenciável disse ainda que “o relator, ele vai sozinho comandar R$ 19 bi (em 2023). Pro (Poder) Executivo, (o pedido do relator para liberar) esse dinheiro vai, mas ele vai sem rubrica, sem autoria (do parlamentar que definiu o uso do dinheiro). Ele é secreto porque eu não sei (quem está por trás da decisão do gasto)”. 

Na sexta-feira (14), a Polícia Federal fez as primeiras prisões de investigados por crimes relacionados ao orçamento secreto. Os irmãos Roberto Rodrigues de Lima e Renato Rodrigues de Lima foram detidos sob a acusação de fraudar planilhas do SUS (Sistema Único de Saúde) no Maranhão para receber mais verbas orçamentárias. A denúncia veio a público em denúncia feita pela revista Piauí em julho, mostrando que as prefeituras registravam atendimentos médicos e consultas que nunca existiram para angariar dinheiro vindo de emendas parlamentares do orçamento secreto.