Desde que trocou o movimento estudantil pelo cinema, a carreira de Manoel Rangel Neto pode ser dividida em três partes. A primeira, de 1999 a 2003, como diretor e ativista. É a fase em que Rangel dirige seus quatro filmes – Retratos, Vontade, O Pai e Um Poema para João –, edita a revista Sinopse e preside a Associação Brasileira de Documentaristas de São Paulo.

Na segunda fase, de 2004 a 2017, sobressai o gestor cultural. Rangel serviu ao Ministério da Cultura como assessor especial, membro da Secretaria do Audiovisual e diretor da Ancine (Agência Nacional do Cinema). Por indicação de seu partido, o PCdoB, e com o apoio do setor, foi nomeado diretor-presidente da agência regulatória. Foi sob sua gestão que nasceram marcos como o Fundo Setorial do Audiovisual, a Lei da TV Paga e o programa Cinema Perto de Você.

Fora da Ancine, o cineasta passou a se dedicar mais à produção – a terceira parte. Virou diretor executivo da Paranoid Filmes e diretor da Sul. Passaram por suas mãos projetos bem-sucedidos como a série DNA do Crime e os filmes Grande Sertão, Dr. Gama e Quando Falta o Ar. Um de seus próximos trabalhos é produzir a adaptação para o cinema do romance Torto Arado, o best-seller de Itamar Vieira Junior.

Manoel Rangel foi o entrevistado na edição desta quinta-feira (9) do Entrelinhas Vermelhas. Por uma hora, do alto de sua trajetória singular, falou sobre as políticas públicas para o audiovisual, os êxitos recentes dos filmes nacionais e os novos desafios do cinema – que vão da transição para a inteligência artificial até a expansão do público nas salas de exibição.

Segundo Rangel, a participação do Estado é fundamental para consolidar uma política para o cinema. “Em toda parte – inclusive nas indústrias maduras do audiovisual, (como) nos Estados Unidos e no Reino Unido –, a construção do cinema se deu numa relação bastante próxima do Estado”, afirmou o produtor. “O Estado sempre teve um papel crucial na estruturação e na potencialização da atividade cinematográfica.”

Em sua visão, assim como o cinema já viveu recentemente as ondas chinesa, iraniana, argentina e coreana, agora estamos às voltas com a “onda brasileira”. A premiação e o reconhecimento de longas nacionais, como Ainda Estou Aqui e O Agente Secreto, atraem mais olhares para o Brasil.

“Há momentos em que ocorrem sinergias – e múltiplos talentos produzem obras que conseguem atingir um lugar mais elevado de representação artística e também de sensibilidade de seu tempo histórico. Isso cria uma onda”, destacou. Essas ondas, de acordo com Rangel, se devem a uma “confluência” de fatores, que incluem a atuação simultânea de “muitos talentos” e o peso de políticas públicas.

Na entrevista, Rangel também criticou os retrocessos do setor cultural sob os governos Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL). Mas destacou que os marcos legais criados nos governos Lula (PT) e Dilma Rousseff (PT) “seguem existindo”, demonstrando que as “construções com base profunda conseguem permanecer mesmo quando vem o vendaval”.

Com o avanço do streaming, Rangel defende a proteção ao cinema nacional. Em sua opinião, é preciso “construir bases para que haja a presença dos filmes brasileiros e das séries brasileiras no mercado de distribuição de conteúdo no Brasil. Essa presença não é automática. Ela exige mecanismos indutores, investimentos nas obras e compromisso das empresas”.