Foto: Tiago Alves

O tradicional Hotel Normandy, conhecido por décadas como ponto de encontro de figuras políticas como Juscelino Kubitschek, Ulysses Guimarães, Getúlio Vargas e Itamar Franco, voltou a pulsar política na noite desta sexta-feira (5). O auditório do sexagenário edifício, no centro de Belo Horizonte, foi ocupado por cerca de 150 pessoas entre militantes, dirigentes partidários, estudantes, intelectuais e amigos. Elas acompanharam o debate “O Socialismo no Século XXI Lições da Experiência Chinesa para o Desenvolvimento Brasileiro”, realizado com Elias Jabbour e Wadson Ribeiro e mediado pela reitora da UEMG Lavínia Rodrigues.

Além de intelectuais reconhecidos, Jabbour e Wadson vivem um momento de intensa atuação política, pois ambos são pré-candidatos a deputado federal, Jabbour pelo Rio de Janeiro e Wadson por Minas Gerais, o que reforçou o interesse e a relevância das reflexões apresentadas.

A abertura ficou a cargo de Lavínia, que destacou a importância de manter o otimismo e a organização coletiva em tempos difíceis. Ela afirmou que “todo militante tem que ser otimista, senão desiste na primeira dificuldade. Nossa vida é exatamente esse processo de trabalhar coletivamente para construirmos enfrentamentos, resistências e também apontar caminhos”. A mediadora ressaltou ainda a atualidade da obra de Jabbour dizendo que a leitura de seu trabalho apresenta “um caminho importante, contemporâneo e necessário para compreender o socialismo com características chinesas”. Segundo ela, o encontro motivou o público a entender que o processo revolucionário exige concentração e perspectiva histórica.

Na sequência, Wadson Ribeiro, presidente do PCdoB MG e gerente da Finep, situou a experiência chinesa no cenário internacional. Ele afirmou que “a China talvez tenha promovido a maior mobilidade social que a humanidade já viu, tirando cerca de 700 milhões de pessoas da miséria”. Em sua avaliação, a ascensão chinesa recoloca o papel do Estado no centro da agenda do desenvolvimento. Ele destacou que “o êxito chinês mostra que desenvolvimento é mais do que crescimento econômico. É ciência, tecnologia, planejamento de longo prazo e um Estado forte a serviço da maioria”.

Wadson recuperou também sua relação de amizade com Jabbour desde o movimento estudantil e apontou que a experiência chinesa é uma referência que inspira, embora não seja um modelo pronto. Ele afirmou que “o caminho da China é fruto de suas peculiaridades, mas reforça a convicção de que o socialismo é o caminho capaz de libertar a ampla maioria da humanidade”. Na mesma linha, defendeu a importância dos partidos programáticos no Brasil. Em suas palavras, “assim como na China não caiu do céu um partido capaz de conduzir esse processo, aqui precisamos defender os partidos ideológicos como o PCdoB. São eles que atravessam o tempo e organizam a esperança”.

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Ao iniciar sua fala, Elias Jabbour optou por conectar sua trajetória intelectual às formulações sobre o socialismo contemporâneo. Ele lembrou que ingressou na USP nos anos 1990, período de forte hegemonia neoliberal, quando “falar de socialismo, planejamento e desenvolvimento era quase um crime intelectual”. Convivendo com referências como Milton Santos, passou a desenvolver uma interpretação própria do socialismo como forma histórica concreta e não como utopia idealizada. Ele afirmou que “a pergunta que norteia minha vida intelectual é simples e incômoda. O socialismo é viável do ponto de vista científico e não apenas moral”.

Jabbour explicou também o conceito de projetamento, que ocupa lugar central em sua obra. Para ele, “o socialismo do século XXI é a transformação da razão e da ciência em governo. É um Estado que usa conhecimento para prever, planejar e gerar milhões de empregos por ano, em vez de apenas administrar a escassez”. Ele detalhou o arranjo econômico chinês baseado em conglomerados estatais, sistema financeiro público e planejamento de longo prazo, afirmando que tal combinação só é possível devido ao papel estruturante do Partido Comunista Chinês.

Depois das exposições, o auditório se abriu para as intervenções do público. Militantes, estudantes e dirigentes protagonizaram um debate sincero e fraterno, formulando perguntas e reflexões que dialogaram diretamente com a mesa. O ambiente foi marcado por trocas intelectuais intensas, conectando os desafios brasileiros às possibilidades abertas pela experiência chinesa.

Ao analisar a situação nacional, Jabbour afirmou que “o país precisa formar uma nova maioria política, nacionalista, de esquerda e desenvolvimentista. Se a esquerda não reivindicar a nação e o desenvolvimento, não estará à altura de disputar o poder”. Ele reforçou que o Brasil precisa transformar lutas concretas, como as pautas antirracista, feminista e indígena, nos fundamentos de um projeto nacional civilizatório.

O debate terminou sob fortes aplausos e longas filas para cumprimentos. No emblemático Hotel Normandy, cenário de tantas conversas políticas que marcaram a história do país, a noite reafirmou o vigor de um campo político que insiste em pensar o futuro com estratégia, ciência e esperança.