O relógio já marcava os primeiros minutos desta segunda-feira (6) quando a diva Viola Davis fez o anúncio: o Globo de Ouro 2025, na categoria de melhor atriz de drama, era da brasileira Fernanda Torres. Como resumiu o roteirista e crítico Thiago Stivaletti, “fãs gritaram na sala de casa e acordaram os pais, avós e irmãos que já dormiam à 0h50 da madrugada. Foi um grito de final de Copa do Mundo, aquele gol miraculoso marcado aos 40 do segundo tempo.”

Sem dúvida, para quem está no Brasil, as imagens vindas do Beverly Hilton Hotel, em Los Angeles, representavam uma espécie de catarse. O cinema nacional, sabotado por sete anos sob os governos Michel Temer e Jair Bolsonaro, alcançou uma proeza inédita: nunca uma atriz ou um ator nascido no País havia vencido o Globo de Ouro.

E o melhor: a conquista veio associada a um filme indispensável, Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles e baseado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva. O Brasil produziu dezenas de bons filmes ambientados no período da ditadura militar (1964-1985), de curtas a longas-metragens, de documentários a dramas. Ainda Estou Aqui está à frente da maioria deles.

A estatueta recebida por Fernanda soma-se a outras acumuladas nos últimos meses. Tudo começou em setembro, no Festival de Veneza, onde Ainda Estou Aqui foi aplaudido por dez minutos e recebeu o prêmio de melhor roteiro. Vieram outros festivais e outras mostras, que agraciaram o filme com mais e mais prêmios. Tamanho reconhecimento estimulou sua bilheteria – mais de 3 milhões de brasileiros já viram Ainda Estou Aqui nos cinemas.

Primeira dimensão

O Globo de Ouro, porém, tem duas dimensões adicionais. Primeiro, a de consagrar Fernanda Torres em definitivo como uma das maiores artistas do País. Elogiada por suas interpretações em dramas como Terra Estrangeira (1996), também de Walter Salles, e Casa de Areia (2005), a atriz viu sua carreira estourar precocemente no cinema. Até os 21 anos, ela já havia vencido prêmios de melhor atriz nos festivais de Gramado (por seu papel em A Marvada Carne, 1985), de Cannes (Eu Sei Que Vou Te Amar, 1986) e de Nantes (Eu Vou à Luta, 1986).

Mas, para uma geração de espectadores – aquela que se divertiu com a série Os Normais, exibida pela TV Globo entre 2001 e 2003 –, Fernanda Torres parecia ser, acima de tudo, uma atriz cômica. Sua personagem, a neurótica Vani, vivia às turras com o noivo Rui (Luiz Fernando Guimarães). A popularidade da série levou a Globo a lançar nos cinemas as adaptações Os Normais – O Filme (2003) e Os Normais 2 – A Noite Mais Maluca de Todas (2009).

Ainda Estou Aqui comprovou, assim, o talento e a versatilidade de Fernanda Torres. Se a mãe, Fernanda Montenegro, é considerada a grande dama do teatro brasileiro, talvez a filha, Fernanda Torres, já possa ser aclamada como a dama do cinema nacional.

Olhar para fora

A segunda dimensão do Globo de Ouro para uma brasileira é a quebra de tabus. Embora a premiação seja organizada pela Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood (HFPA), os agraciados invariavelmente eram norte-americanos ou, no máximo, britânicos. Graças a pressões que partiram, desde a década passada, de mulheres, latinos e negros, a HFPA reformulou critérios de premiação, diversificou mais o júri e estimulou a ousadia.

Já era tempo – e a categoria na qual Fernanda triunfou exemplifica os novos ares. Criado em 1944, o Globo de Ouro só indicou atrizes dos Estados Unidos ou do Reino Unido por 20 anos. As primeiras exceções foram europeias, o que pouco ajudou a dar justiça à disputa. Antes de Fernanda Torres, apenas a francesa Anouk Aimée (em 1966), a norueguesa Liv Ullmann (1973) e a também francesa Isabelle Huppert (2017) conquistaram estatuetas por filmes em línguas não inglesas.

A noite de domingo para segunda, portanto, foi a primeira em que o Globo de Ouro de melhor atriz em drama foi para uma brasileira, uma latino-americana, uma representante do Sul Global e uma atriz cujas falas são em língua portuguesa. A porta foi aberta, e o prêmio concedido a Fernanda Torres mudará o cinema para sempre.