Caso Ultrafarma: mídia blinda Tarcísio em maior escândalo do governo
A descoberta do maior escândalo de corrupção do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) completa duas semanas nesta terça-feira (26) sem que a grande mídia tenha feito qualquer esforço para contrapor o governador bolsonarista. Até o momento, prevalece uma cobertura acrítica e acomodada, que isenta os políticos de antemão e tenta culpabilizar apenas técnicos de carreira.
Em 12 de agosto, uma operação do MP-SP (Ministério Público de São Paulo) levou à prisão nomes graúdos do empresariado paulista, como Sidney Oliveira, dono da rede de farmácias Ultrafarma, e Mario Otávio Gomes, diretor estatuário da rede Fast Shop. Eles já foram soltos mediante fiança.
Conforme a denúncia, o esquema era coordenado por auditores fiscais tributários do governo paulista, que favoreciam empresas varejistas em troca de propina. Ao adulterar processos internos no Departamento de Fiscalização da Secretaria Estadual da Fazenda (Sefaz), esses auditores aceleravam o ressarcimento de créditos de ICMS e até elevavam o valor a ser recebido pelas empresas.
Segundo o promotor de Justiça João Ricúpero, um dos fiscais, Artur Gomes da Silva Neto – que também foi preso no dia 12 –, era o principal o operador do esquema. “Ele coletava os documentos necessários da Fast Shop e da Ultrafarma, pedia o ressarcimento dos créditos e em seguida ele mesmo os aprovava evitando que houvesse uma revisão. Em algumas situações, eram liberados valores superiores ao que as empresas tinham direito e em prazos reduzidos”, detalhou o promotor. “O esquema de fraudes teria lhe rendido cerca de R$ 1 bilhão em propinas desde 2021.”
A oposição ao governo Tarcísio cobrou esclarecimentos na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). Mas a grande mídia, diferentemente do que costuma fazer quando uma denúncia envolve governos progressistas, poupou o governador paulista desde o começo da operação.
As relações entre o Palácio dos Bandeirantes e Sidney Oliveira são antigas. Em 2022, o governo autorizou a rede farmacêutica a rebatizar o nome da estação Saúde do Metrô, que passou a se chamar Saúde-Ultrafarma. Com a prisão de Sidney, há quem defenda uma investigação à parte sobre a concessão do naming rights ao empresário, além do retorno do nome original da estação.
Além da parceria com Tarcísio, Sidney é apoiador do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e amigo do prefeito paulistano, Ricardo Nunes (MDB). Em setembro de 2024, as redes sociais da Ultrafarma fizeram campanha aberta pela reeleição de Nunes.
Nada disso provocou estranhamento nos veículos da grande mídia, onde a regra é omitir referências mais diretas ao governo Tarcísio. Matérias sobre o tema eram finalizadas com solenes “a Sefaz-SP declarou que…”, “segundo a Secretaria…”, “nota da Sefaz informa que…”, etc. É como se uma secretaria estadual não tivesse qualquer ligação com o governo à qual é formalmente vinculada.
Tarcísio, ainda assim, ordenou a base governista a impedir qualquer investigação parlamentar. A convocação do secretário estadual de Fazenda e Planejamento, Samuel Kinoshita, à Alesp é um dos temores do governo. O líder do governo Tarcísio, deputado Gilmaci Santos (Republicanos) – que preside a Comissão de Finanças da Assembleia –, já afirmou que qualquer convocação ficará, no mínimo, para outubro, após o fim de todas as audiências públicas sobre o orçamento de 2026.
Outro receio do governo é com a instalação de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI), que já foi solicitada por deputados oposicionistas. Em meio a isso, o governo reage a conta-gotas. Primeiro, demitiu Artur Gomes, o “cérebro” da quadrilha. Depois de 13 dias, sob muita pressão, afastou mais seis auditores. A Sefaz diz ter aberto “outras 20 apurações preliminares voltadas à análise da evolução patrimonial e à verificação de indícios de irregularidades”.
Num raro pronunciamento sobre o caso, Tarcísio disse que, em seu governo, “não haverá espaço para a impunidade”. Sem dar mais explicações, sugeriu garantir “que cada centavo retorne aos cofres públicos”. E emendou: “A gente vai afastar, investigar, punir e recuperar o recurso, e todos os envolvidos sofrerão as consequências”. Nesse caso, claro, o governador teve espaço na mídia – que não fez perguntas para esclarecer o palavrório oco.
Enquanto a secretaria era o alvo, a mídia esqueceu o governador. Quando a secretaria agiu – ainda que protocolarmente –, o mérito foi transferido despudoradamente a Tarcísio. “Governo Tarcísio abre frentes de trabalho para apurar fraudes com ICMS”, manchetou a Folha de S.Paulo em 16 de agosto. “Caso Ultrafarma: governo de São Paulo afasta mais 6 auditores fiscais”, indicou o Metrópoles nesta segunda-feira (25).
Embora o governador tenha declarado, posteriormente, que “vagabundo tem que ser tratado com rigor – e é isso que vai acontecer”, nenhum jornalista ousou perguntar a Tarcísio quem eram, exatamente, esses vagabundos. Só os operadores do esquema? Ou também os empresários que apoiaram sua candidatura ao governo?
“O governador gosta tanto de falar de eficiência, mas o que estamos vendo é a secretaria ir em um rumo incerto, sem transparência”, declarou o deputado estadual Paulo Fiorilo (PT) ao jornal O Globo. Tarcísio joga com o tempo – e com a mídia – para não se desgastar, mas o tamanho do rombo há de persegui-lo por mais e mais invernos.