A histórica eleição municipal de 15 de novembro de 1985 – a primeira a ser realizada após a redemocratização do Brasil – completa 40 anos neste sábado (15). Após mais de duas décadas, eleitores de 201 cidades brasileiras puderam votar em seus prefeitos.

Apesar de representarem menos de 5% dos municípios brasileiros, esses 201 colégios eleitorais eram estratégicos. Tratava-se de capitais, estâncias hidrominerais e “áreas de segurança nacional” que, juntas, somavam quase 18 milhões de eleitores.

Na opinião de Nádia Campeão, ex-vice-prefeita de São Paulo e atual vice-presidenta nacional do PCdoB, a votação de 40 anos atrás representou um “marco” para o Brasil, particularmente para a esquerda. Em seu livro Cidades Democráticas – A Experiência do PCdoB e da Esquerda em Prefeituras (1985-2018), lançado há seis anos pela Editora Anita Garibaldi, Nádia ressalta a importância de 1985 para a consolidação da democracia.

“Ao longo do período de vigência da ditadura, salvo raras exceções, os prefeitos dessas 201 cidades eram nomeados – o que impediu uma geração de eleitores de ir às urnas para escolher seus gestores municipais. Com a extensão do sufrágio universal para todas as regiões do País, a era dos ‘prefeitos biônicos’ chegou ao fim”, escreve Nádia.

Raras experiências

Foi o regime militar (1964-1985) que impôs eleição indireta às prefeituras desse conjunto de municípios, bem como aos governos estaduais. A regra passou a valer em 1966, com o Ato Institucional Número Três (AI-3), baixado pelo governo do general-ditador Castello Branco. Além disso, de 1965 a 1979, o País teve apenas dois partidos legalizados – a Aliança Renovadora Nacional (Arena, governista) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB, de oposição).

A esses retrocessos, soma-se a longeva perseguição a partidos e lideranças de esquerda, que foi agravada sob a ditadura. Numa República quase centenária, as experiências de administrações populares e progressistas nas prefeituras eram tão raras quanto pontuais.

Tome-se o exemplo do mais antigo partido em atividade no País. Em 1947, a poucas semanas da eleição municipal, o Partido Comunista do Brasil (então com a sigla PCB) foi posto na ilegalidade. Para contornar esse golpe, os comunistas optaram por concorrer a prefeituras em outros partidos.

A tática garantiu a eleição do operário marceneiro Armando Mazzo em Santo André (SP) pelo Partido Social Trabalhista (PST) e do médico Manoel Calheiros em Jaboatão (PE) pelo Partido Social Democrático (PSD). Mazzo chegou a ser diplomado, mas foi impedido de tomar posse. Já Calheiros assumiu o cargo e se tornou o primeiro prefeito comunista do Brasil.

Até 1985, outros partidos de esquerda também tiveram poucas passagens por governos municipais pela via do voto direto. O caso mais notório é o do Recife (PE), onde frentes de esquerda permaneceram à frente da prefeitura de 1955 a 1964, com Pelópidas da Silveira e Miguel Arraes. Entre os trabalhistas, a lembrança mais viva é a do mandato de Leonel Brizola como prefeito de Porto Alegre (1956-1958) pelo antigo PTB (Partido Trabalhista Brasileiro).

As primeiras vitórias

Todas essas excepcionalidades tornaram pioneira a eleição de 1985. O velho PDS (Partido Democrático Social, herdeiro da Arena) e o PMDB (sucessor do MDB) saíam à frente. Eram os partidos mais capilarizados, com prefeitos espalhados por todo o Brasil e lançamento de candidaturas em praticamente todas as cidades. Mas, enquanto o PMDB crescia com a marca de “partido de Tancredo Neves” e ícone da redemocratização, o PDS murchava sem a ditadura e passava a ter dissidências, como o PFL (Partido da Frente Liberal).

Para a esquerda, a votação foi um teste de batismo. PT e PDT, fundados apenas cinco anos antes do pleito, nunca haviam disputado eleições para prefeitos de capitais. O PSB, em processo de reorganização, apostava em poucas candidaturas. O PCdoB estava de volta à legalidade desde 27 de maio de 1985, mas, por restrições burocráticas, voltou a lançar candidatos pela legenda do PMDB.

Em meio à transição democrática, a sorte estava lançada. Nas palavras de Nádia, “partidos e políticos não só da esquerda – mas também do conjunto do campo democrático-progressista – passaram a ter a possibilidade de disputar e vencer eleições, transformar a administração municipal, implantar ações e programas inovadores, qualificar a gestão de serviços, equipamentos e espaços públicos, lançar instrumentos de participação popular e democratizar as cidades”.

Com as urnas abertas, confirmou-se o favoritismo do PMDB, que venceu em 162 das 201 cidades em disputa. Nas capitais, a hegemonia peemedebista também se confirmou, com 19 vitórias em 25 disputas. O PDS foi o maior derrotado, perdendo redutos históricos em todas as regiões e elegendo apenas 22 prefeitos – menos até que os 26 do também direitista PFL. A única capital alcançada pelo PDS foi a de São Luís (MA).

Por fim, a esquerda – que começava a disputar prefeituras “pra valer”, com cara e discurso próprios – comemorou suas primeiras vitórias. O melhor desempenho foi o do PDT, que, sob a influência do brizolismo, elegeu 11 prefeitos, sendo sete no Rio Grande do Sul e três no Rio de Janeiro – incluindo suas capitais: Saturnino Braga foi eleito no Rio, e Alceu Collares, em Porto Alegre. O PSB voltou a vencer no Recife após 22 anos – desta vez, com Jarbas Vasconcelos –, enquanto o PT conquistou pela primeira vez uma prefeitura de capital, graças ao surpreendente triunfo de Maria Luíza Fontenele em Fortaleza.

Já o PCdoB, saindo de um período de semiclandestinidade, lançou poucos candidatos a prefeitos ou vice-prefeitos – todos sob a legenda do PMDB. Os comunistas registraram seu principal êxito em Camaçari (BA), com a eleição do farmacêutico e professor Luiz Carlos Caetano ao primeiro de seus quatro mandados como prefeito. Tendo o economista Isaac Marambaia (PMDB) como vice, Caetano, então com 31 anos, se elegeu com 14.925 votos e impôs uma derrota amarga ao grupo de Antônio Carlos Magalhães.

“O ano de 1985 é, portanto, um divisor de águas na história das gestões públicas municipais – ponto de partida para a ascensão de governos democráticos e populares em prefeituras Brasil afora”, conclui Nádia. “Desde então, ainda que em diferentes momentos e sob circunstâncias diversas, partidos de esquerda (PT, PDT, PSB, PCdoB e, mais recentemente, PSOL) tiveram numerosas experiências à frente do Poder Executivo Municipal.”