História de militante do PCdoB morto no Araguaia será exibida na Festa do Avante

Os cravos da revolução portuguesa e as matas revolucionárias do Araguaia brasileiro vão se encontrar na abertura da Festa do Avante 2025 (festadoavante.pcp.pt) nesta sexta-feira (5/9), quando terão início as atividades do encontro das esquerdas de todo mundo, organizado pelo Partido Comunista Português.
O filme “Doutor Araguaia” terá uma exibição especial às 21h dentro da programação oficial do Espaço Internacional da Festa. Será uma oportunidade para revelar ao público de outros países a história do militante do PCdoB João Carlos Haas Sobrinho, assassinado pela ditadura militar em 1972 e que até hoje não teve o seu corpo encontrado.
O diretor Edson Cabral estará presente na sessão durante a Festa do Avante 2025. Neste entrevista, ele conversou sobre o convite recebido e o momento importante do filme, uma produção independente lançada no final do ano passado e que vem sendo exibida em diversas cidades com sucesso e projeção nacional.
“A história de João Carlos Haas Sobrinho não é apenas dele — é daqueles que acreditam num país mais justo e igualitário. É uma narrativa que o Brasil e o mundo precisam conhecer, para que a memória se transforme em consciência e esperança”, destacou o diretor.
Edson se diz entusiasmado por poder levar uma parte da luta brasileira por democracia para uma exibição mundial. “É uma oportunidade rara e valiosa de dar voz à memória e à luta de João Carlos, cuja trajetória se entrelaça aos sonhos de um Brasil e um Portugal democráticos, justos e fraternos”.
Para o diretor, “a Revolução dos Cravos e a Guerrilha Araguaia foram atos de bravura desse mosaico de emoções, coragem e amor que unem nossos países, nossa cultura libertadora”.
Filme mostra a coragem e a humanidade de João
O filme joga luz sobre a vida do médico e militante comunista João Carlos Haas Sobrinho. Sua vida foi dedicada à construção de um país melhor, pautado na justiça e na solidariedade.
João Carlos atuou como médico na região do Araguaia, onde, durante a ditadura militar, engrossou as fileiras da resistência, enfrentando a repressão com coragem e humanidade.
Sua luta, porém, teve um desfecho trágico: João foi assassinado por agentes da ditadura no Araguaia e, até hoje, seu corpo permanece desaparecido, símbolo doloroso de tantas vidas ceifadas e silenciadas pelo autoritarismo.
“A narrativa fílmica construída no documentário apresenta uma história de amor e dor, porém a nossa escolha pela coragem e o amor aos pacientes e camponeses do Araguaia, entrelaçados com poemas e músicas inéditas surpreende e emociona, acredito que esse é um dos segredos para o sucesso do documentário”, ressalta o diretor.
A produção tem 90 minutos de duração, reúne cerca de 50 entrevistas, cinco músicas inéditas e registros audiovisuais realizados ao longo de anos em diferentes estados brasileiros: São Paulo, Maranhão, Pará, Tocantins, Bahia, Rio Grande do Sul e Distrito Federal.
A direção, o roteiro, o argumento e a pesquisa foram realizados em parceria com Sônia Haas, irmã de João Carlos. A produção é da TG Economia Criativa e da MZN Filmes, com apoio institucional da Fundação Maurício Grabois, das Prefeituras de São Leopoldo (RS), terra natal de João Carlos, e Porto Franco (MA).
O filme é resultado de um projeto contemplado pelo Edital 001/2023 da Lei Paulo Gustavo, com recursos da Lei Complementar 195/2022 do Estado do Tocantins.
Leia abaixo a entrevista com o diretor Edson Cabral.
Como foi receber o convite para o filme ser exibido na Festa do Avante?
Edson Cabral: Em nossa estratégia de ressignificar a história de João Carlos Haas Sobrinho, em especial em outros países de língua portuguesa, encontramos na Festa do Avante, em Portugal, o canal privilegiado para dialogar com outros povos de luta e fraternidade pela causa democrática. Esse momento representa mais do que uma simples participação em um festival internacional: é a oportunidade rara e valiosa de dar voz à memória e à luta de João Carlos Haas Sobrinho, médico gaúcho cuja trajetória se entrelaça aos sonhos de um Brasil e um Portugal democráticos, justos e fraternos.
A Festa do Avante! é um encontro de referência para a esquerda mundial, reunindo pessoas de todos os continentes e muito intercâmbio cultural. Qual a importância de participar de um evento assim para uma produção cultural de cinema independente brasileira?
O cinema independente brasileiro é uma força vital de criatividade, resistência e renovação cultural. Ao levar “Dr. Araguaia” para o público internacional, estamos ampliando horizontes, promovendo o diálogo e reafirmando o compromisso com a memória coletiva. Cada etapa dessa jornada é movida pela colaboração, pela paixão e pelo desejo de contar histórias que importam.
A memória de João Carlos Haas Sobrinho apresenta um homem com fortes conEdson e Sonia Haas. Foto: divulgaçãovicções, de muita coragem e com muito espírito de solidariedade. Qual mensagem o Doutor Araguaia deixa para este mundo, conflagrado pelos problemas de hoje?
A principal mensagem é que devemos prosseguir na utopia de um mundo igualitário e fraterno. As vozes e os braços daqueles que ousaram enfrentar a covardia dos tiranos em épocas difíceis, são exemplos para a reflexão da juventude socialista e a necessidade de se pensar, debater e lutar por um outro mundo. As gerações atuais precisam conhecer essa história e buscar luz para o futuro que almejamos e desejamos.
Quando a guerrilha do Araguaia acontecia, tanto o Brasil como Portugal viviam ditaduras violentas, com forte perseguição política e violações de direitos humanos. Qual o significado desse filme para o público português, que viveu a sua libertação da ditadura salazarista, com a Revolução do Cravos, naquela mesma década?
Nossa expectativa é que todos os que assistirem ao documentário percebam sua visão atemporal na luta pelos direitos humanos, no enfrentamento ao fascismo e a todo e qualquer movimento antidemocrático, em especial se acompanhado de violência e artimanhas para a desigualdade entre os nossos povos.
A Revolução dos Cravos e a Guerrilha Araguaia foram atos de bravura desse mosaico de emoções, coragem e amor que unem nossos países, nossa cultura libertadora. Os cravos, assim como as matas do Araguaia respiram e exalam a coragem dos nossos bravos guerrilheiros. É nosso dever exaltá-los e reconhecer as conquistas democráticas, por vezes alcançadas com o sacrifício da própria vida. “Nenhum sacrifício será em vão”, a afirmativa de João Carlos próximo da sua morte, em plena primavera, é reconhecida nos depoimentos fortes, como uma tatuagem impregnada na alma e nos corações dos povos da mata. Assim como a imagem simbólica dos cravos ornamentando os fuzis naquela manhã também de uma primavera inesquecível para a Nação portuguesa.