Economia Popular Solidária como Estratégia de Desenvolvimento e Emancipação Social
Vivemos um momento histórico marcado por uma profunda crise no mundo do trabalho. Os impactos combinados de fatores geopolíticos, da emergência climática e de uma nova revolução tecnológica — representada pela expansão da internet das coisas, da inteligência artificial e da automação — desafiam nossa capacidade de formular respostas rápidas e eficazes para proteger e emancipar os trabalhadores.
A crise do trabalho não pode ser compreendida isoladamente. Ela é atravessada por profundas transformações globais. O fim da Guerra Fria, a reorganização das forças mundiais, o declínio relativo da hegemonia norte-americana, a estagnação econômica de vários países europeus e a emergência dos BRICS — que hoje concentram cerca de 40% da população e da riqueza do planeta — apontam para uma nova correlação de forças internacionais.
Ao mesmo tempo, a emergência climática não é apenas uma questão ambiental: ela já impacta diretamente a produção de alimentos, os custos sociais com desastres naturais e, sobretudo, o mundo do trabalho. Inundações, secas, incêndios e eventos extremos desestruturam economias locais e colocam em risco milhões de trabalhadores em todo o planeta.
No Brasil, a realidade do mercado de trabalho também mudou. Pela primeira vez em décadas, cresce proporcionalmente o número de trabalhadores informais em relação aos formalizados, evidenciando o enfraquecimento das relações clássicas de emprego assalariado.
Diante desse cenário, torna-se urgente repensar nossas práticas políticas, organizativas e programáticas. Não é mais possível reduzir o ‘mundo do trabalho’ à antiga relação entre patrão e empregado. A crise atual deve ser encarada como uma oportunidade histórica de apostar em novas formas de organização econômica, mais democráticas, solidárias e sustentáveis.
A Economia Popular Solidária (EPS) se apresenta como uma alternativa concreta e emancipadora. Baseada em princípios como autogestão, cooperação, solidariedade, respeito ao meio ambiente e à igualdade de gênero, a EPS representa um modelo de produção e distribuição da riqueza construído pelos próprios trabalhadores, em redes de confiança, participação e corresponsabilidade.
Essas experiências — como cooperativas, associações produtivas, bancos comunitários, hortas urbanas, redes de consumo consciente e comércio justo — não são apenas instrumentos de inclusão socioeconômica. Elas são também sementes de uma nova sociedade, onde o trabalho tem centralidade, mas é reorganizado em bases humanas, coletivas e sustentáveis.
A experiência chinesa nos oferece lições importantes. A China conseguiu combinar, ao longo das últimas décadas, avanços tecnológicos e crescimento econômico com elementos de planejamento estatal, economia social e cooperativismo rural e urbano.
Os ‘modelos híbridos’ adotados em diversas províncias chinesas — como as cooperativas agrícolas e as redes de produção comunitária apoiadas por tecnologia de ponta — mostram que é possível integrar desenvolvimento tecnológico com justiça social e participação popular.
A digitalização de cadeias produtivas, a criação de plataformas cooperativas e a inclusão produtiva de milhões de pessoas em zonas rurais e urbanas foram alavancadas por políticas públicas robustas, investimentos em educação tecnológica e uma estratégia nacional clara de combate à pobreza e fortalecimento das economias locais.
O Brasil precisa de um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento que incorpore a Economia Popular Solidária como eixo estratégico. Não como um programa assistencialista ou marginal, mas como parte estruturante de um modelo econômico que valorize o trabalho humano, a diversidade cultural, a justiça social e a sustentabilidade.
Apostar na EPS é também apostar em uma pedagogia social transformadora. As experiências autogestionárias ensinam, na prática, o que significa igualdade social, a ausência de classes, a propriedade coletiva dos meios de produção e a justiça distributiva — valores centrais de uma sociedade socialista.
Para que esse projeto avance, é fundamental que o movimento sindical, os gestores públicos comprometidos com a transformação social, os intelectuais progressistas e a militância popular compreendam a centralidade da Economia Popular Solidária.
É preciso superar visões restritas e conservadoras do mundo do trabalho e abrir espaço para as formas populares de organização produtiva. Fortalecer a EPS é também reconstruir os vínculos entre os setores progressistas e as massas populares, que têm se distanciado dos projetos políticos de esquerda em diversas regiões do país.
Incorporar a Economia Popular Solidária como instrumento estratégico de desenvolvimento econômico, de soberania nacional e de construção do socialismo é uma tarefa urgente. É uma resposta concreta à crise do trabalho e uma ponte entre os ideais socialistas e as práticas cotidianas do povo brasileiro.
Assim como a China demonstrou que é possível alinhar desenvolvimento tecnológico com inclusão social e fortalecimento das economias comunitárias, o Brasil também pode trilhar esse caminho — com nossa diversidade cultural, potencial produtivo e capacidade criativa.
Mais do que resistir ao capitalismo, a Economia Popular Solidária é uma aposta no futuro — um futuro onde o trabalho liberta, a riqueza é compartilhada e a dignidade humana está no centro do projeto nacional.
*Membro do Pleno do Comitê Estadual do PCdoB Bahia e da Comissão Política. Secretário de Relações Internacionais e de Políticas Públicas do Comitê Municipal de Salvador/BA.