Entregadores de aplicativos de delivery em greve fazem manifestação na frente a sede do iFood em Osasco Paulo Pinto/Agência Brasil
Entregadores de aplicativos de delivery em greve, em 01/04/2025, em Osasco Paulo Pinto/Agência Brasil

As profundas mudanças no mundo do trabalho — da financeirização à desindustrialização, passando pela precarização e uberização — estarão no centro das discussões do 16º Congresso do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), que acontece entre 16 e 19 de outubro, em Brasília. Em meio às transformações dos meios e modo de produção que fragmentam a classe trabalhadora, o partido reafirma em seu Projeto de Resolução Política a centralidade do trabalho e da luta de classes como eixos fundamentais da transformação social.

O documento preparatório aponta que os sindicalistas ligados ao PCdoB devem assumir não apenas as lutas imediatas por melhores salários, direitos e condições de trabalho, mas também a tarefa de fortalecer a presença partidária nas bases, ampliando a organização e a consciência de classe. Textos e estudos em elaboração que serão apresentados no congresso visam consolidar esse debate, subsidiando o Congresso e indicando rumos para a atuação política e sindical nos próximos anos.

Classe trabalhadora fragmentada e precarizada

A conjuntura brasileira ilustra os desafios. Apesar da taxa de desemprego ter recuado para 5,8% no segundo trimestre de 2025, a menor da série histórica do IBGE, quase metade da força de trabalho (49%) permanece no setor informal. A desindustrialização segue em curso: em 2024, a indústria de transformação representava apenas 10,8% do PIB, segundo o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI).

Globalmente, a concentração de renda também se acelera, revelando que os ganhos obtidos com nova revolução industrial e com a acelerada financeirização estão sendo capturados pelo capital em detrimento das forças produtivas. Desde 2015, a riqueza dos 1% mais ricos cresceu em US$ 33,9 trilhões, enquanto 3 mil bilionários já concentram 14,6% do PIB mundial, de acordo com relatório da Oxfam (2025). No Brasil, 63% da riqueza está nas mãos de 1% da população, cuja renda é 36 vezes maior que a dos 40% mais pobres.

Não existe mais o contexto que deu origem à força sindical dos anos 80

A transformação do trabalho se traduz na fragmentação da classe trabalhadora, fenômeno descrito por dirigentes sindicais do PCdoB. “O fordismo acabou e a nova revolução industrial deu lugar a pequenas unidades produtivas, a serviços por aplicativos e home office, que estimulam o individualismo. Muitos trabalhadores preferem os apps à CLT pela renda imediata, mas perdem direitos previdenciários e sindicais”, analisa Nivaldo Santana, secretário sindical nacional do PCdoB.

Para João Batista Lemos, secretário sindical no Rio de Janeiro, o perfil atual da força de trabalho é marcado por juventude, presença feminina, pejotização e terceirização: “A uberização é uma falsa saída, que aprisiona milhões em jornadas extenuantes e sem proteção”. 

O perfil atual dos trabalhadores é um desafio maior para a organização sindical. Mas Adilson Araújo, presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), lembra que o nível de sindicalização vinha num crescente até ser interrompido pelos  retrocessos iniciados após o golpe de 2016 contra a presidenta Dilma Rousseff: “O programa ‘Ponte para o Futuro’, do Michel Temer,  abriu caminho para a reforma trabalhista e para a precarização generalizada, agravadas pela pandemia e pela agenda ultraliberal”.

Para Araújo, por conta da situação atual, o trabalhador é levado a se enxergar como empreendedor, e não como explorado. E alerta para a mais-valia digital, visível em plataformas como Uber: “Metade do valor produzido fica com a empresa, denunciam alguns trabalhadores”, disse.

Novas formas de exploração capitalista

O diagnóstico partidário aponta que as novas formas de exploração capitalista desafiam a organização sindical. A queda da taxa de sindicalização — em 2024, apenas 14,2% no Rio de Janeiro, segundo o Caged — exige novas estratégias de mobilização.

“Precisamos nos organizar nos bairros, nos aplicativos de mensagem, além dos locais de trabalho”, defende Santana. Lemos acrescenta que os sindicatos devem recuperar sua função de “mobilização política” em meio à desconstrução da consciência de classe, para além da questão econômica.  “O caminho é ampliar a filiação partidária: organizar pelo local de trabalho, mas também pelo local de moradia.  Se os espaços de trabalho mudaram, então temos que nos adaptar a novas formas de organização. Buscar pontos de interesses comuns que mobilizem os trabalhadores fora do trabalho, no bairro — como a luta pela educação e moradia. No Rio de Janeiro, por exemplo, os trabalhadores convivem com tráfico, igreja e milícias. Portanto, é preciso ligar a luta dos trabalhadores com outras lutas locais e com um novo projeto de desenvolvimento nacional, que permita uma perspectiva classista para além do capitalismo”, afirma Batista.  

Desenvolvimento e soberania como saída

Para o PCdoB, superar a fragmentação e a precarização passa pela retomada de um projeto nacional de desenvolvimento, com uma nova industrialização, inovação tecnológica e soberania energética. Santana destaca que a indústria, ao incorporar avanços tecnológicos, pode unificar trabalhadores em torno de novos empregos e direitos. Lemos defende a combinação entre redução da jornada de trabalho e políticas industriais. Araújo cita a China como exemplo: “A inteligência artificial está sendo usada para gerar postos de trabalho; o Brasil precisa apostar em energia limpa e em cadeias produtivas ligadas à Amazônia”.

No campo político, a defesa de bandeiras como o fim da jornada 6×1, a taxação dos super-ricos e a realização de um plebiscito popular, são fundamentais para conectar lutas sociais imediatas das bases partidárias com a luta nacional.

Um mundo em transição

O debate se insere num cenário internacional de transição geopolítica, em que o declínio da hegemonia dos Estados Unidos e do G7 contrasta com a ascensão da China e do bloco BRICS. Em 2024, o BRICS respondeu por 35% da economia mundial, contra 30% do G7. Essa mudança de eixo, porém, é acompanhada por forte resistência imperialista, com ameaças e sanções de governos como o de Donald Trump.

Segundo Adilson Araújo, o avanço da extrema direita e do neonazismo em diversas partes do mundo é a expressão da crise do capitalismo: “Quando não têm mais argumentos para justificar sua opressão, recorrem à barbárie”. No Brasil, observa-se que a agenda da extrema direita, liderada por Jair Bolsonaro, segue alinhada ao imperialismo norte-americano e representa ameaça à soberania nacional.

Nesse quadro, o sindicalismo classista é chamado a intervir ativamente na construção de uma nova ordem mundial mais justa e solidária. “A luta contra o imperialismo e pela autodeterminação dos povos é inseparável da luta pelo socialismo, que continua sendo a única alternativa civilizatória diante da barbárie capitalista”, afirma Araújo.

Centralidade da luta de classes

Com desemprego em queda, mas desigualdade persistente, os dirigentes comunistas reforçam que a batalha pela consciência de classe e pela organização nas bases é estratégica. Para o PCdoB, o futuro do Brasil depende da capacidade de unir os trabalhadores em torno de um projeto de desenvolvimento soberano, produtivo e justo.

“O momento exige ousadia revolucionária”, aponta o Projeto de Resolução Política do 16º Congresso. A centralidade do trabalho e da luta de classes, em meio às novas formas de exploração, deve orientar as próximas etapas da luta social e política.