A dialética materialista nos ensina que tudo o que existe está em permanente movimento, desenvolvimento e transformação e de forma interconectada. As suas causas fundamentais não são externas e sim internas.

     Para compreendermos os distintos processos e descobrirmos as suas leis e tendências, é preciso identificar – entre as múltiplas contradições existentes – quais são as contradições fundamentais e qual é, a cada momento, a contradição principal. Pois esta varia ao longo do tempo, de acordo com as circunstâncias, podendo, inclusive, ser uma combinação de contradições que se entrelaçam.

     Segundo Lenin, vivemos a época do imperialismo, etapa superior do capitalismo monopolista, antessala da revolução socialista.

     Até a vitória da revolução russa, Lenin indicou a existência de três contradições fundamentais no mundo:

     1. A contradição entre o proletariado e a burguesia – intrínseca ao capitalismo em todas as suas etapas –, que se expressa na contradição entre o trabalho e o capital.

     2. A contradição entre as nações oprimidas – países dependentes, semicoloniais e coloniais – e o imperialismo.

     3. As contradições entre os países imperialistas, que disputam entre si a posse de colônias, matérias-primas e mercados.

     Assim, nas “Guerras do Ópio”, no século XIX, a contradição principal foi entre a Grã-Bretanha e a China.

     A Comuna de Paris teve como contradição principal a luta entre o capital e o trabalho, entrelaçada com a contradição interimperialista da guerra franco-prussiana.

     Na “Guerra dos Boxers” (1899-1901) – quando a China foi invadida e atacada conjuntamente pela Grã-Bretanha, Alemanha, Austro-Hungría, França, Itália, Estados Unidos, Rússia, Bélgica, Países Baixos, Espanha e Portugal – a contradição principal se deu entre essas potências imperialistas e a China semicolonial.

     Da mesma forma, a repartição da África e da Ásia – no final do século XIX e início do século XX – teve como contradição principal a existente entre os países imperialistas e os países dependentes, semicoloniais e coloniais

     A 1ª Grande Mundial, por sua vez, expressou a principalidade – nesse momento– das contradições interimperialistas.

     Já a Revolução Russa teve como contradição principal a luta entre a burguesia e o proletariado (capital x trabalho), entrelaçada com as contradições interimperialistas que causaram à 1ª Guerra Mundial.

     Vitoriosa a Revolução de Outubro, surgiu no mundo uma nova contradição fundamental, até então inexistente – a contradição entre o socialismo e o imperialismo. Esta contradição se expressou no bloqueio econômico e diplomático à Rússia Soviética (e à URSS), na sua exclusão das negociações de paz de Versalhes e na invasão por 14 nações imperialistas, com o objetivo de destruir no seu nascedouro a primeira experiência socialista vitoriosa. Até a Alemanha vencida foi instada a atacar a Rússia, deixando em segundo plano as contradições interimperialistas.

     No pós-guerra, essa contradição ganhou principalidade, apesar de não existir um “campo socialista”, o que só ocorrerá em 1945, ou um “mercado” alternativo ao capitalista, que só existirá depois de 1949, quando surgiu o Conselho para a Assistência Económica Mútua (COMECON).

     Deixando evidente o entrelaçamento da luta socialista com a luta pela libertação nacional das nações oprimidas, Lenin afirmou, em 1919, que “agora, a nossa República Soviética tem que agrupar ao seu redor todos os povos do Oriente que despertam, para lutar com eles contra o imperialismo internacional”.

     Lenin propôs, então, atualizar a palavra de ordem de Marx e Engels para “Proletários de todos os países e povos oprimidos, uni-vos!“, indicando que a luta pelo socialismo era inseparável da luta das nações oprimidas contra a dominação imperialista.

     Losurdo nos diz que “afirmar a centralidade […] da luta entre colonialismo e anticolonialismo não significa ignorar a luta anticapitalista. […] Tanto Mao quanto Deng estimavam a palavra de ordem ‘só o socialismo pode salvar a China’ […]. mais do que qualquer outro país, a República Popular da China expressa de modo resumido a história da revolução anticolonialista e do movimento comunista e do entrelaçamento daquela com este”.

     Apesar do acirramento das contradições interimperialistas após o surgimento do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha, a contradição entre o socialismo e o imperialismo permaneceu central. A conivência do imperialismo ocidental com o rearmamento da Alemanha e com a sua expansão para o Leste – com o objetivo declarado de atacar a URSS – expressou a vigência da contradição entre o imperialismo e o socialismo.

     Quando, em 1939, a Alemanha atacou os seus rivais imperialistas, dando início à 2ª Guerra Mundial, a contradição entre as potências imperialistas tornou-se a principal, sem que isso significasse o desaparecimento da contradição entre o socialismo e o imperialismo.

     Em 1941, quando a Alemanha atacou a URSS, as contradições interimperialistas e a contradição entre e o socialismo e o imperialismo se entrelaçaram, assumindo a principalidade. Nesse sentido, é esclarecedora a afirmação de Truman, futuro presidente dos EUA, dois dias após o ataque alemão à URSS: “Se virmos que a Alemanha está vencendo, devemos ajudar a Rússia. Se a Rússia estiver vencendo, devemos ajudar a Alemanha, e assim se exterminarão uma à outra, ao máximo.

     Após a 2ª Guerra, a contradição entre o socialismo e o imperialismo, tornou-se uma contradição entre dois “campos”, no que se convencionou chamar de Guerra Fria.

     O fim da URSS e o desmantelamento do “campo” socialista, assim como do COMECON não significaram o desaparecimento da contradição entre o socialismo e o imperialismo, o que só ocorrerá com o fim do socialismo ou do imperialismo, o que não aconteceu.

     Portanto, é um equívoco ignorar esta contradição – sob a alegação de que não existe mais o “campo socialista” e que a China e os demais países socialistas participam do mercado mundial capitalista. Ora, a contradição entre o socialismo e o imperialismo surgiu em 1917 – 28 anos antes da formação do “campo” socialista e 32 anos antes da criação do COMECON, organização econômica alternativa do bloco socialista.

     A contradição entre o imperialismo e o socialismo se expressa nos dias de hoje no cerco militar à China; nas declarações dos chefes militares dos EUA pregando a guerra contra ela; nas afirmações de Marco Rúbio de que o verdadeiro inimigo dos EUA é o Partido Comunista da China; no incitamento à independência de Taiwan, no incentivo a rebeliões em Hong-Kong, Xinjiang e Tibet; na guerra econômica e tecnológica contra a China. Da mesma forma, a República Democrática Popular da Coreia sofre, há décadas, ameaças permanentes, agressões e sanções do imperialismo. E Cuba enfrenta há 63 anos um bloqueio criminoso do imperialismo estadunidense, que não tem base em qualquer “ameaça” de Cuba aos EUA ou em razões geopolíticas e cujas únicas razões são ideológicas.

     Todas essas são manifestações da contradição entre o imperialismo e o socialismo, que não podem ser subsumidas na contradição entre o imperialismo e os povos oprimidos.

     Certamente, a questão central nos dias de hoje é a luta antiimperialista, mas é preciso atentar que nela se enfrentam os países socialistas e as nações oprimidas, contra o imperialismo.

     Nesse confronto, a China socialista– a maior e mais dinâmica economia do mundo – é o principal polo anti-hegemônico, que joga um papel decisivo, na medida em que cria alternativas econômicas, tecnológicas e financeiras para o “Sul Global” (ou “Maioria Global”), alterando profundamente a correlação de forças em escala mundial.

     Por isso, é preciso que o PCdoB aprofunde sua análise sobre a contradição entre o socialismo e o imperialismo – que surgiu em 1917 e que continua presente e determinante nos dias de hoje.