Há três semanas, o presidente norte-americano, Donald Trump, prometeu um tarifaço amplo, geral e irrestrito para as exportações brasileiras aos Estados Unidos. A ameaça era de uma taxa de 50% a partir de 1º de agosto – e o mero anúncio já levou empresas a paralisarem atividades, decretarem férias coletivas e até demitirem trabalhadores.

Nesta quarta-feira (30), a promessa foi convertida em decreto presidencial. Mas Trump adiou o início da vigência do tarifaço para 6 de agosto e ainda desidratou consideravelmente a lista de setores atingidos, com 694 exceções. Nas contas da Amcham Brasil (Câmara Americana de Comércio para o Brasil), 43,4% dos produtos exportados pelo Brasil ficaram de fora. A lista de isenções inclui polpa e suco de laranja, castanhas-do-pará, aeronaves civis e seus itens, papel e celulose, petróleo, carvão, gás natural e seus derivados.

Na prática, a sobretaxa de 50% valerá apenas para setores do agronegócio, como café, frutas, carnes e pescados.  Especialistas apontam que, no caso específico do café, Trump será forçado a rever a tarifa a curto prazo. Como os Estados Unidos não têm como substituir o volume de exportação cafeeira do Brasil, a inflação do produto no mercado norte-americano virá de modo célere e devastador.  

Mesmo com o recuo, a medida representa uma agressão injustificada. À luz das regras da OMC (Organização Mundial do Comércio), não há fundamento econômico que sustente o ataque de Trump. O tarifaço, a rigor, nem sequer pode ser chamado de protecionista, uma vez que praticamente não há concorrência norte-americana aos setores afetados no Brasil. É um jogo de perde-perde, no qual a fatura há de chegar para o titular da Casa Branca.

Do ponto de vista político, a vitória do governo brasileiro é incontestável. Tendo como base os tarifaços impostos anteriormente por Trump a outros países, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sabia que era impossível evitar 100% das retaliações ao Brasil. Sob a coordenação do vice-presidente Geraldo Alckmin, o governo trabalhou em várias frentes para ganhar tempo e reduzir os danos. Foi exitoso nos dois pontos.

Lula sai fortalecido do “primeiro round” dessa batalha. A interlocução com o setor produtivo foi exemplar e ajudou a diminuir as tradicionais arestas com alguns setores, especialmente o agronegócio. De acordo com Rogério Ceron, secretário do Tesouro Nacional, o governo já tem pronto um plano para atenuar os efeitos do tarifaço.

O governo também acertou ao demarcar o cenário como uma disputa entre os defensores da soberania nacional e os traidores da pátria. A altivez de Lula, reiterada de discurso em discurso – e até num pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV –, garantiu avanços em sua popularidade, além de estimular um sentimento de união nacional.

“Diante da ameaça do tarifaço dos EUA, o Brasil não se curvou. Com firmeza e diálogo, o governo brasileiro defendeu nossos interesses e fez Washington recuar, mostrando que nossa economia tem peso e nossa diplomacia tem voz”, resumiu a presidenta do PCdoB, Luciana Santos. “Estamos abertos ao diálogo, mas ingerência no Brasil é inaceitável – seja econômica, institucional ou digital. Seguimos reconstruindo o país com soberania, respeito e voz ativa no mundo.”

É importante frisar que Lula conquistou esse feito num momento em que a Casa Branca bloqueava todos os canais diretos de interlocução com o governo brasileiro. Quem acabou por assumir a linha de frente das tratativas em nome de Trump foi o secretário de Comércio dos Estados Unidos, Howard Lutnick, com quem Alckmin se reuniu por duas vezes.

Para piorar, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) admitiu que usava sua influência contra o Brasil. Ao comentar a presença da comitiva suprapartidária do Senado que foi aos Estados Unidos para negociar o tarifaço, o parlamentar declarou ao SBT News: “Eu trabalho para que eles não encontrem diálogo”.

Eduardo escancarou o que setores empresariais davam como favas contadas: para enfrentar a crise, não era possível contar com o apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro e de boa parte de seus aliados. A despeito do risco de fechamento de empresas e postos de trabalho no Brasil, a família Bolsonaro – com Eduardo à frente – ficou abertamente ao lado de Trump e dos Estados Unidos. O episódio desagradou até a segmentos hostis ao governo Lula.

“Por atuar deliberada e sistematicamente para prejudicar o Brasil, em nome dos interesses particulares de sua família, Eduardo Bolsonaro precisa ter cassado seu mandato de deputado federal. Trata-se da única reação cabível por parte de uma democracia digna do nome”, cobrou, em editorial, o Estadão.

Curiosamente, a primeira e mais célebre vítima do pandemônio instalado por Trump foi Jair Bolsonaro – a quem, de início, se atribuía a condição de maior beneficiário do tarifaço. O consórcio promíscuo entre sua família e o governo norte-americano levou o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), a lhe impor o uso de tornozeleira eletrônica, a proibição de acesso a embaixadas e consulados, entre outras medidas cautelares.

As sequelas para o ex-presidente não param por aí. Pesquisas de opinião feitas após o anúncio inicial do tarifaço indicam que a rejeição a seu nome – já elevada – cresceu ainda mais. Na mesma medida, elevou-se a pressão para que Bolsonaro, inelegível até 2030, pare de se apresentar como candidato à sucessão de Lula e passe a apoiar uma alternativa no campo da direita.  

A luta contra o tarifaço continua, e os próximos rounds exigirão novas estratégias do governo Lula. As manifestações populares marcadas para esta sexta-feira (1/8) não perdem relevância. Ao contrário: dada a imprevisibilidade da gestão Trump, é fundamental reforçar o chamamento pela soberania nacional. A guerra de Trump e da extrema direita não acabou, mas o Brasil já mostrou que é capaz de vencê-la!