A luta pelo socialismo é inseparável da luta pela democracia (Cláudio Campos)[2]

Na abertura do Congresso da UNE, que ora está em transcurso[3] o lema inicial do evento foi substituído pela direção da entidade com clara e correta finalidade, determinada por uma leitura também correta da dinâmica da luta antimperialista em nosso país:  o lema do evento passou a ser o adequado e atual “O Brasil se une pela soberania”.

Na sua fala no Congresso da UNE e na rede nacional de rádio e TV, o presidente Lula deixou evidente que a contradição principal, o nó górdio e problema decisivo a ser resolvido em nosso país, hoje, para liberar os obstáculos para que povo e nação possam o mais rápido que, historicamente for possível, ter pleno desenvolvimento e distribuição de riquezas, foi, é e seguirá sendo (espero que não por muito tempo) a contradição entre nação e imperialismo.

Contradição principal, é bom que se diga, difere da fundamental. Esta, pode ser num país agrário e semifeudal, entre o campesinato pobre e os latifundiários. No caso presente do Brasil não é, ainda, entre o mundo do capital e o trabalho. Não é, ainda, disso que se trata na atual etapa de nosso processo de emancipação.

E é também em razão da luta política concreta que se dá perante nossos olhos que o nosso Partido, o Partido Comunista do Brasil, realiza este ano seu Congresso, nem também apenas para cumprir calendário de justiça eleitoral, mas – fundamentalmente – por reconhecer, na conjuntura atual, fatos políticos da maior importância, como os acima elencados.

E esta é uma característica que deve acompanhar, sempre, a trajetória dos congressos de uma organização revolucionária: a necessidade de analisar os fatos com os mesmos ainda em andamento, isto é, no calor da luta. Luta esta que, como todo enfrentamento, tem que ter bem clarificada não apenas no seu aspecto estratégico, mas fundamentalmente enfrentando e examinando o caráter da contradição imediata e as tarefas a que deve oferecer alternativas e respostas, afiando e refinando seus instrumentos de análise.

Assim, há que se enfrentar e isso é parte relevante da agenda de nossa instância máxima de deliberação – o Congresso Partidário – na conjuntura que está dada, a nossa contradição principal, não nos limitando a, como mera bandeira de propaganda, a agitar a contradição fundamental.

Dessa omissão estamos livres e nem de longe é esse o nosso caso. Se a contradição fundamental, isto é, estratégica e de longo prazo, da sociedade brasileira, como em qualquer país capitalista desenvolvido, expressa-se, como já dito acima, entre grande burguesia associada ao imperialismo e os trabalhadores e o povo, isso tão somente confirma – no Brasil e em qualquer lugar do mundo – que a contradição de fundo, portanto, desafio da estratégia, é a revolução socialista, no entanto, só ver o horizonte não é suficiente para dar conta das questões do aqui e do agora.

Isso pelo motivo de que olhar aonde quer se chegar, por mais nobre que seja esse objetivo, exige também que se defina os passos e os caminhos que o viabiliza enquanto concretização e esse aspecto relevante da luta que é o que usualmente denominamos de tática.

Dessa forma e pelo fato de que o problema central de cada revolução num dado momento histórico é do de saber quais são as suas tarefas imediatas (isto é, quais são as etapas do processo revolucionário naquele país concreto).

Isso por que, como afirmava Gramsci, tudo na vida tem etapas, por que a revolução social não as teria? Para reforçar tal aspecto Gramsci faz – nos “Cadernos do Cárcere” uma feliz analogia: “Como dizer que foi adivinhação a afirmação que uma criança de quatro anos tornará mãe e, quando ela se torna mãe aos vinte anos, alguém afirmar – eu adivinhei e estava certo! Adivinhei com quinze anos de antecedência! ”.[4]

Portanto, não é questão menor em qualquer processo revolucionário e em qualquer época e em qualquer país, saber quais são os passos necessários para atingir o objetivo estratégico.

Ora, se o horizonte é o socialismo, resta enfrentar a questão: e qual o caminho até lá, ou seja, quais são os melhores instrumentos, etapas mais eficazes, melhores e mais necessárias para que, por ele e através dele, a estratégia se expresse. 

Não temos dúvida em afirmar que, no Brasil de hoje, a tarefa e a tática que a ela corresponde aponta no sentido de traçar nosso caminho ao socialismo é resolver a contradição entre nação e imperialismo, o qual tem seus representantes internos.

E, como cantou-se nos versos do poeta e músico cubano Pablo Milanes, “unindo a quem fez muito ou pouco, / ao que quer a pátria libertada”, quer dizer um programa que explicite e aponte caminhos para nossa contradição principal, hoje, isto é o horizonte tático que resolva a contradição entre Nação e imperialismo, um governo de frente dos setores nacionalistas, democráticos e populares, isto é, que representam os interesses e objetivos imediatos e estratégicos do povo e da nação.

Em que consiste esse programa?

Não temos dúvida e assim concluímos:

É um programa nacional-desenvolvimentista, que – entre muitas questões que não estão aqui todas elencadas –  gere trabalho, emprego, renda, que avance na reforma agrária, na democracia material, na plenitude do acesso à universidade, políticas de equidade e de gênero e que atenda aos reclamos populares como a jornada 6×1, a taxação das grandes fortunas e isenção de impostos para as pessoas que ganhem até dez salários mínimos, regularização das big techs e fim da precarização do trabalho de plataformas, entre outras bandeiras decisivas, como temos visto na recente iniciativa de plebiscito popular, no qual nosso Partido, em vários estados tem tido vigorosa participação..


*Vice-Presidente PCdoB/PB. Professor Titular do Curso de Direito na UFPB. Advogado licenciado em razão do regime de trabalho (Dedicação Exclusiva). Graduado, Mestre e Doutor em Direito pela UFPE. Doutor em Filosofia, leciona na Graduação e Pós-Graduação em Direito (ME/DO) e no Doutorado em Filosofia.

[2] Cláudio Campos usava o codinome “Daniel Terra”, que o consagrou nas fileiras do antigo Partido, especialmente no texto que aprofundou e concluiu o processo interno no MR8, “Socialismo e Liberdades Democráticas”. Sobre o texto citado na epígrafe, escrito na clandestinidade e publicado no exterior, ver:  TERRA, Daniel. Contra o doutrinarismo e o economicismo: por uma tática proletária de combate à ditadura. In: Brasil Socialista. Le Mont (Suisse): sem editor, nº 4, out. 1975. p. 4-39. Relevante lembrar que era a magnífica camarada Maria Rodrigues que editava, a partir do exterior, a “Brasil Socialista”

[3] A revisão final da presente tese estava se dando na noite de 17/07/2025, 20:00, quando o Presidente Lula falava em cadeia nacional de rádio e TV sobre a tentativa de Trump de sobretaxar/chantagear o Brasil.

[4] GRAMSCI, A. Quaderni del cárcere. Torino (It): Einaudi, 1975 (Org.: Valentino Gerratana), Q7, p. 866, § (16) sobre “guerra di posizione e guerra manovrata o frontale”. Aliás, um dado incidental, mas que mostra a opinião pouco simpática de Gramsci sobre o trotquismo e na qual o nosso revolucionário italiano critica Trotski (pelas condições de prisão na qual escreveu os ‘Quaderni’, Gramsci o chama de Bronstein – sobrenome de Trotski). Na continuação da citação que fiz acima, Gramsci faz uma comparação com Lenin (obviamente em desfavor de Trotski): “Neste caso se pode dizer que Bronstein, que aparece como um «ocidentalista», era, ao invés um “cosmopolita”, ou seja, era superficialmente nacional e superficialmente ocidentalista ou europeu. Ao contrário de Ilitch [Gramsci se refere a Lenin também pelo sobrenome], que era profundamente nacional e profundamente europeu”