“Já é tempo de os comunistas exporem abertamente, perante o mundo inteiro, sua maneira de pensar, seus objetivos e suas tendências, contrapondo a lenda do espectro do comunismo a um manifesto do próprio partido.” Foi com essas palavras que, em 1848, os jovens Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895) justificaram a publicação do Manifesto Comunista.

Lançado como “programa teórico e prático” da Liga dos Comunistas, o livro se tornou um dos maiores bestsellers de todos os tempos, com mais de 500 milhões de exemplares vendidos – e virou também uma das obras políticas mais influentes na história. Porém, passados 177 anos de sua primeira edição, o Manifesto não deu conta de sepultar a “lenda do espectro”. Longe disso. Em 2025, o fantasma do comunismo continua em voga, rondando não apenas Europa – mas a Ásia e, acima de tudo, a América.

Veja-se o exemplo chileno. Depois de 26 anos, o Partido Comunista do Chile (PCC) voltou a concorrer à presidência, lançando a advogada Jeannette Jara, ex-ministra do Trabalho do governo Gabriel Boric. Ao vencer as eleições primárias, em junho, ela se tornou a primeira comunista na história a unificar toda a esquerda do país em torno de uma candidatura ao Palácio de La Moneda.

Só que na campanha, além da crescente impopularidade de Boric, Jara teve de enfrentar uma vigorosa propaganda anticomunista e foi derrotada no segundo turno pelo ultradireitista José Antonio Kast por 58,17% a 41,83% dos votos válidos.

“Essa eleição foi decidida menos por projetos econômicos concorrentes e mais pela ansiedade – o medo da criminalidade, o medo da instabilidade e o medo da própria mudança social. A direita aprendeu a instrumentalizar esses medos de forma eficaz”, resumiu o cientista político C.J. Atkins, editor-chefe do People’s World.

Em contrapartida, a representação da esquerda deu um salto no Congresso Nacional chileno – e os comunistas se beneficiaram desse avanço. Batizada de Unidade pelo Chile, a coligação de Jara foi de 53 para 61 deputados federais e de 17 para 20 senadores. Já o PCC passou de dez para 11 deputados na Câmara, consolidando-se como a maior bancada de um partido comunista nas Américas.

“Vítimas”?

O fantasma do comunismo também desembarcou em Honduras, onde a eleição presidencial de 30 novembro teve uma prolongada e – fraudulenta – contagem de votos. Durante a campanha eleitoral, o presidente norte-americano, Donald Trump, entrou em cena para alardear que a candidata Rixi Moncada, apoiada pela presidenta Xiomara Castro, era “próxima do comunismo”. Além disso, Trump declarou apoio ao conservador Nasry Asfura, do Partido Nacional.

Em resposta à ingerência dos Estados Unidos, a campanha de Moncada reagiu com um spot bem-humorado. Na peça, uma eleitora conversa com dois fantasmas sobre os “riscos” de um novo triunfo da esquerda no país. Ao final, a presidenciável rebate: “O fantasma do comunismo volta com as mesmas velhas histórias, mas a realidade fala mais alto”.

No entanto, Moncada não conseguiu deter a onda de extrema direita que se irradia pelas Américas. Ela somou apenas 19,19% dos votos válidos, enquanto o vencedor, Nasry Asfura, teve 40,27%. “Como o processo eleitoral foi sabotado e manipulado, o povo hondurenho continua a sua luta pela democracia”, afirmou, em nota, o Partido Comunista de Honduras

O espectro ainda alcançou o Canadá, mas foi desmoralizado a tempo. Um aberrante Monumento às Vítimas do Comunismo, inaugurado no final de 2024 na capital Otawa, revelou-se um mico. Os canadenses já questionavam o custo de uma obra tão controversa e inútil – US$ 7,5 milhões, sendo US$ 6 milhões de recursos públicos.

Mas o constrangimento maior se deu na divulgação das 533 supostas vítimas de governos socialistas que teriam seus nomes inscritos no “Muro da Lembrança”. Antes da homenagem, historiadores e ativistas apontaram que ao menos 330 “vítimas” eram, na realidade, nazistas, fascistas ou criminosos de guerra. Acuadas, as autoridades canadenses desistiram da bravata.

“Estágio positivamente distinto”

Para todos os efeitos, em 2025 os comunistas venceram muitas assombrações. Os partidos marxista-leninistas reagiram de várias maneiras à onda ultradireitista pelo mundo: realizando congressos, mobilizando as bases, travando debates nos parlamentos, alertando contra ameaças fascistas, antidemocráticas e outros retrocessos, disputando eleições e, enfim, resistindo.

O PCdoB (Partido Comunista do Brasil) realizou em outubro seu 16º Congresso Nacional, em Brasília. Ao longo de 2025, os comunistas viram sua bancada passar de sete para nove deputados na Câmara Federal, com a posse de Enfermeira Rejane (RJ) e Professora Marcivânia (AP). O mais longevo partido do País, fundado em 1922, integra o governo federal e responde exitosamente, desde 2023, pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.

Na Resolução Política aprovada no 16º Congresso, o PCdoB reafirmou sua identidade de “partido do socialismo”, que “integra a corrente teórica do marxismo-leninismo”. O documento indica que o partido exerce “a representação política da classe operária e do conjunto dos trabalhadores e trabalhadoras”, sendo “revolucionário” e “proletário”. É a maior demarcação ideológica feita pelos comunistas do Brasil desde seu 8º Congresso, promovido em fevereiro de 1992, menos de dois meses após o fim da União Soviética.

O PCdoB fez também um balanço do movimento comunista internacional e lembrou que justamente a debacle soviética, em 1991, impôs uma “situação de defensiva estratégica”. Mas fatores recentes – como “a resistência crescente dos povos” e “os êxitos do socialismo na China e em outros países” – começam a melhorar as condições de luta. “No cômputo geral, afere-se que as forças comunistas e revolucionárias ainda enfrentam um período de defensiva estratégica, todavia em um estágio positivamente distinto daquele de três décadas atrás”, aponta a Resolução Política.

Em 2025, outro partido comunista histórico, o do Uruguai (PCU), realizou seu 23º Congresso, em meio às comemorações de seus 105 anos. Para os uruguaios, 2025 foi marcado pela volta da Frente Ampla ao poder, depois de cinco anos, e pela morte do ex-presidente José “Pepe” Mujica.

Os desafios do novo governo de esquerda foram tema do 23º Congresso, em dezembro. Sua Resolução Geral defende um partido comunista “comprometido com a conquista de uma síntese política e social que transcenda o capitalismo. Um Partido para o avanço da democracia, rumo a uma democracia avançada, no caminho para o socialismo. Um Partido para a Revolução”.

O PCU está na base da gestão Yamandú Orsi e cobra mais compromisso do governo com a pauta dos trabalhadores. Orsi tomou posse em 1º de março passado, após vencer – por pequena margem (52% a 48%) – o segundo turno do pleito nacional de novembro de 2024. Foi a última vitória da esquerda em eleições presidenciais na América Latina. Na mesma votação, os comunistas elegeram seis representantes para a Câmara e dois para o Senado. Um dos senadores eleitos, Óscar Andrade, é o novo secretário-geral do PCU.

Europa

Na Europa, o desafio de partidos comunistas históricos – como o da Grécia (KKE, fundado em 1918) e o de Português (PCP, de 1921) – é combater a ascendente extrema direita. O KKE convocou seu 22º Congresso para 29, 30 e 31 de janeiro de 2026. Em Portugal, o PCP ousou ao lançar António Filipe para as eleições presidenciais, que também estão marcadas para janeiro de 2026. A candidatura é uma resposta do PCP à implosão da “geringonça” – a coalizão que, além dos comunistas, reunia o Partido Socialista e o Bloco de Esquerda.

A atuação dos partidos comunistas e a recorrência da “lenda do espectro” em 2025 só confirmam que o comunismo se fortalece como alternativa ideológica, política e econômica ao capitalismo. A crer no que vimos no ano que está prestes a se encerrar, o comunismo dá sinais de força, vitalidade e esperança.