Nesta última parte do artigo, procura-se abordar os propostas defendidas pelos comunistas na Constituinte de 1988 e a proposta de constituição da Secretaria Nacional de Saúde do PCdoB.

O acumulo histórico do PCdoB e sua relação com a realidade concreta, em especial na resistência à ditadura militar, permitiu a publicação pela Editora Anita Garibaldi, em 1986, do livro “Constituinte: Propostas do PCdoB”, onde João Amazonas coordena o trabalho de diversos grupos que constituíram um arcabouço de propostas ao processo constituinte de 1988.

Amazonas indica que “ao elaborar suas proposições, o Partido Comunista do Brasil avaliou a situação brasileira vista sobre duas vertentes: a histórica e a atual, essa ligada às exigências do conjunto da sociedade em prol de mudanças de fundo” (PCdoB, p. 3, 1986), acrescenta que “as propostas do Partido Comunista do Brasil tem sentido renovador, progressista, dentro do quadro político brasileiro”, exemplificando a situação da defesa da soberania nacional, indicando que “esse assunto exige reformulação completa”, sendo “necessário introduzir capitulo novo na Constituição abordando o tema sob novo prisma”, finalizando que “já não basta apresentar a soberania nacional em termos de defesa do território pátrio” (PCdoB, p. 6, 1986).

Os comunistas alargam o conceito de soberania nacional indicando que “a independência nacional no seu sentido mais amplo e permanente será preservada em toda a sua plenitude”, indicando que “o Brasil, como nação soberana, não admite nenhum tipo de ingerência externa em sua economia, política, orientação e produção cultural” (PCdoB, p. 30, 1986).

O pensamento comunista constituinte entrelaçava a saúde com a soberania nacional, o desenvolvimento da pesquisa e tecnologia, alargava o conceito de saúde, defendia a instituição de um sistema nacional de saúde, propunha princípios e diretrizes que garantissem o acesso universal e gratuito, colocando o Estado brasileiro no centro deste novo modelo de saúde.

O livro “Constituinte: Propostas do PCdoB”, é um registro histórico do acumulo e posicionamento dos comunistas frente ao movimento constituinte. Aqui é reproduzido na integra as suas propostas:

“A bancada comunista na Assembleia Nacional Constituinte se baterá por assegurar na nova Carta os seguintes pontos:

1 – Todos têm direito à proteção da saúde e à previdência social.

2 – O Estado garante esse direito fundamental assegurando:

  • condições dignas de alimentação, moradia, transporte, educação, repouso, lazer e segurança;
  • saneamento e qualidade do meio ambiente;
  • proteção, higiene e segurança do trabalho;
  • medidas especiais de proteção à infância e à maternidade;
  • assistência integral à saúde da mulher, em todas as fases de sua vida, incluindo ações e noções de planejamento familiar;
  • acesso universal, igualitário e gratuito à assistência à saúde em nível preventivo, curativo e de reabilitação a toda a população, independente da condição social;
  • um sistema de seguro social que proteja as pessoas nos casos de doença, velhice, invalidez, desemprego e demais situações de desamparo social.

3 – Incumbe ao Estado:

  • a competência exclusiva na formulação, execução e controle da Política Nacional de Saúde;
  • a criação e gestão do Sistema Nacional de Saúde, único, regionalizado e descentralizado, com integração interinstitucional da União, dos Estados e Municípios, com participação popular em todos os níveis;
  • assegurar a infra-estrutura básica dos serviços públicos de saúde, visando uma cobertura médica e hospitalar racional e eficiente em todo o território nacional, no rumo da progressiva estatização da assistência à saúde;
  • disciplinar e controlar as formas empresariais de assistência à saúde, com o caráter de serviço público concedido, assegurado o poder de intervenção a bem do interesse da coletividade;
  • organizar prioritariamente o combate Às endemias, e a prevenção das epidemias, coordenando a ação dos órgãos públicos;
  • instituir o monopólio estatal da produção, comercialização e importação das matérias-primas básicas da indústria farmacêutica;
  • capacitar o setor público na produção de medicamentos e tecnologia em saúde, estimulando a pesquisa de acordo com as necessidades da Política Nacional de Saúde.

4 – O Estado instituirá um Fundo de Saúde, com recursos provenientes de fontes orçamentárias (da União), dos Estados e Municípios) e de impostos incidentes sobre produtos e atividades nocivas à saúde” (PCdoB, p. 59-61,1986).

Aqui evidencia-se o papel destacado dos comunistas, na formulação, mobilização e voto, no processo de consagração do capitulo da saúde na Constituição Cidadã de 1988, abrindo caminho para o surgimento do maior sistema público de saúde em países com mais de 100 milhões de habitantes.

O processo mobilizador desencadeado pelo fim da ditadura, pela redemocratização do Brasil, pelas diretas já e pelo movimento sanitarista da 8ª Conferência Nacional de Saúde, imprimiram um ritmo de luta que permitiu aos comunistas assumirem seu papel de vanguarda na sociedade brasileira.

Os militantes do PCdoB atuam de maneira exemplar no controle social do SUS em todas as esferas, já tendo ocupado a presidência do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e de Conselhos Estaduais e Municipais.

Atualmente ocupa a Mesa Executiva do CNS e está presente em diversas comissões. Destaca-se a grande articulação na atuação dos comunistas, através de uma fração, onde se faz representada conselheiras e conselheiros das frentes de luta do PCdoB vinculadas às Secretarias Nacionais Sindical, dos Movimentos Sociais, de Juventude, da Mulher e das Relações Institucionais.

Os comunistas deram uma grande contribuição na organização dos gestores de saúde, ajudando a constituir as suas redes estaduais e nacional, a partir de atuações nos COSEMS, que culminou, no 5º Encontro Nacional de Secretarias Municipais de Saúde, em Olinda, na fundação do CONASEMS, elegendo o comunista, médico e Secretário de Saúde de Recife (PE), Paulo Dantas, possibilitando uma melhor organização deste ator estratégico para o SUS.

Comunistas tiveram a frente do CONASS e atualmente existem camaradas atuando nos três níveis de gestão do SUS, no Ministério da Saúde e em Municipais de Saúde.

Na academia, diversos pesquisadores e professores atuam na formulação teórica da saúde brasileira, dando grandes contribuições para o desenvolvimento do SUS.

Na esfera parlamentar, o PCdoB tem 50% da sua bancada federal tendo sua profissão ligada a saúde. Em Assembleias Legislativas e dezenas de Câmaras os comunistas da saúde estão representados.

Diante deste acumulo histórico, a atuação atual, somados aos desafios de potencializar a “combinação dos três vetores de acumulação estratégica de forças: a luta institucional, a luta de ideias e a luta social” (PCdoB, p. 35, 2025) e da “estruturação partidária integrada e atualizada” (PCdoB, p. 42, 2025), é que propõe-se a criação da Secretaria Nacional de Saúde do PCdoB.

A Secretaria Nacional de Saúde permitirá, entre outras ações, constituir no seio do partido uma rede solida desta frente histórica de luta, incentivando as direções intermediárias a constituírem as suas respectivas Secretarias de Saúde, potencializando a relação com o povo, organizando-o e alargando a sua consciência rumo ao Socialismo.

Referências:

BdF. Quando a saúde brasileira encontrou a soviética, 2025.

CEE Fiocruz. Antes do SUS: Como se (des)organizava a saúde no Brasil sob a ditadura, 2018.

CEE Fiocruz. Como a saúde ajudou a derrubar a ditadura, 2024.

COSTA, H.D. Evidências sociais, políticas e econômicas do surgimento do direito universal à saúde na URSS, 2020.

ENGELS, F. A situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra, 1975.

MARX, K. O Capital: Crítica da economia política, 2013.

OMS. Declaração de Alma Ata sobre Cuidados Primários, 1974.

ONU. Carta das Nações Unidas, 1945.

PCdoB. Constituinte: Propostas do PCdoB, 1986.

PCdoB. Projeto de Resolução do 16º Congresso do PCdoB, 2025.

*Mestrando em Saúde Coletiva (UnB) – Especialista em Saúde Pública (USP) – Especialista em Sistema de Saúde (Fiocruz). Atua no Ministério da Saúde. É da Comissão Nacional de Saúde do PCdoB. Da direção estadual do PCdoB de Minas Gerais e do Comitê Municipal de Betim/MG