O Novo Mundo do Trabalho é complexo e abrangente, caracterizado por mudanças profundas e rápidas, sendo um processo contínuo de transformação, que apresenta três motores de transformação: a revolução tecnológica (automação e inteligência artificial); mudanças demográficas e sociais; globalização. Estas forças em conjunto estão erodindo o modo tradicional de trabalho (CLT, espaços físicos, jornadas de trabalho diárias fixas). Com essas características emergem graves preocupações, como a formação de um fosso entre profissionais qualificados e bem-remunerados e de outro lado muitos trabalhadores precarizados, subempregados e mal pagos. A pressão por produtividade leva aos agravos dos quadros de saúde mental, onde o “on-line” exaustivo maximiza essa condição. A ausência de proteções sociais, direitos trabalhistas, aposentadoria e acesso à saúde, é a realidade dessas novas relações de trabalho. O uso de algoritmos na gestão, produção e até recrutamento apresenta um recorte de gênero, raça e classe. A Pejotização excessiva (contratações como pessoa jurídica), pode levar a substituição da CLT, minando direitos essenciais como férias, 13º salário, FGTS e a contribuição à Previdência Social. O Novo Mundo do Trabalho é, portanto, um termo que captura as profundas consequências da 4ª Revolução Industrial nas carreiras, na cultura organizacional e na sociedade. Ele representa a ruptura definitiva com o modelo linear e estável das 1ª e 2ª revoluções e a aceleração radical das tendências de flexibilidade e conhecimento que começaram na 3ª. As revoluções industriais são as causas tecnológicas, enquanto o Novo Mundo do Trabalho é o efeito humano e organizacional dessas mudanças. O Novo Mundo do Trabalho é, em essência, o impacto socioeconômico acumulado dessas revoluções no ambiente de trabalho, nas relações laborais e nas competências exigidas dos profissionais.

Karl Marx foi uma testemunha ocular e analista crítico da 1ª Revolução Industrial em pleno auge e do início das transformações que caracterizariam a 2ª Revolução Industrial. A sua compreensão não era a de um mero observador, mas a de um crítico ferrenho do sistema socioeconômico (o capitalismo) que surgia dessas revoluções. Seu entendimento pode ser dividido em duas partes: uma análise técnica admirável do poder transformador das revoluções industriais e uma crítica social e política devastadora aos seus efeitos sobre a classe trabalhadora.

A admiração pelo poder produtivo do capitalismo é um tema constante, mas é no Manifesto Comunista que ela é expressa de forma mais vibrante e no primeiro volume de O Capital que é analisada tecnicamente (MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. O Manifesto do Partido Comunista. 1848). Onde podemos perceber com clareza a afirmação:  “A burguesia, durante o seu domínio de classe, que conta apenas com um século de existência, criou forças produtivas mais massivas e colossais que todas as gerações passadas em conjunto. Sujeição das forças da natureza ao homem, maquinaria, aplicação da química à indústria e à agricultura, navegação a vapor, caminhos de ferro, telégrafos elétricos, arroteamento de continentes inteiros, navegabilidade dos rios, populações inteiras brotando na terra — que século anterior teria suspeitado que semelhantes forças produtivas estivessem adormecidas no seio do trabalho social?”. De forma complementar Karl Marx  (O Capital: Crítica da Economia Política. Livro I, Vol. 1. 1867), na Seção IV (A Produção da Mais-Valia Relativa), analisa como o desenvolvimento da maquinaria e da grande indústria é a forma específica capitalista de aumentar a produtividade e, consequentemente, a exploração.

O conceito de “destruição criativa” é associado geralmente a Joseph Schumpeter, mas Marx descreve perfeitamente o processo. A referência mais famosa está novamente no Manifesto Comunista, “A burguesia não pode existir sem revolucionar incessantemente os instrumentos de produção, por conseguinte as relações de produção, e com isso todas as relações sociais. […] Todas as relações fixas e enferrujadas, com seu cortejo de preconceitos e opiniões antigas e veneráveis, são dissolvidas, todas as novas envelhecem antes de poder ossificar-se. Tudo que é sólido desmancha no ar, tudo que é sagrado é profanado, e os homens são finalmente forçados a enfrentar com sentidos mais sóbrios suas condições reais de vida e suas relações com outros homens.”

A previsão sobre o caráter globalizador e expansionista do capitalismo é uma das passagens mais célebres do Manifesto, onde, “Atraída pela necessidade de mercados sempre novos, a burguesia invade todo o globo. Necessita aninhar-se por toda a parte, fixar-se por toda a parte, estabelecer conexões por toda a parte. […] Através da exploração do mercado mundial, a burguesia deu um caráter cosmopolita à produção e ao consumo de todos os países. […] Em lugar das antigas necessidades, satisfeitas pelos produtos nacionais, surgem necessidades novas, que reclamam para sua satisfação os produtos das regiões e dos climas mais longínquos.”, se observa claramente.

A teoria da mais-valia é o cerne da crítica econômica de Marx e é minuciosamente desenvolvida em O Capital (MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política. Livro I. 1867). Marx introduz a distinção entre força de trabalho e trabalho, e define a mais-valia como o valor excedente criado pelo trabalhador além do tempo necessário para reproduzir o valor de sua força de trabalho (salário) (Seção III: A Produção da Mais-Valia Absoluta); ilustra concretamente a luta pela extração de mais-valia absoluta (Capítulo 10: A Jornada de Trabalho); explica como o desenvolvimento tecnológico (máquinas) é usado para aumentar a produtividade e, assim, a mais-valia relativa ( Seção IV: A Produção da Mais-Valia Relativa). Em Salário, Preço e Lucro. 1865, Marx em uma obra mais acessível e derivada de um discurso, resume de forma clara sua teoria do valor-trabalho e da mais-valia para um público de trabalhadores.

A análise da maquinaria como instrumento de exploração e controle é feita em detalhes em O Capital (O Capital: Crítica da Economia Política. Livro I. 1867). No Capítulo 15: Maquinaria e Indústria Grande, é o capítulo fundamental. Marx descreve como a máquina não é neutra; é “o instrumento revolucionário do modo de produção capitalista”. Ele argumenta que a máquina prolonga a jornada de trabalho (ao tornar o investimento tão alto que o capitalista precisa que funcione 24/7); intensifica o ritmo de trabalho; desqualifica o trabalhador, substituindo artesãos especializados por operários que executam tarefas simples ao lado da máquina (“apêndice da máquina”); cria um exército industrial de reserva (desemprego), que pressiona os salários para baixo.

O conceito de alienação foi desenvolvido por Marx em seus manuscritos de juventude, mas permanece como uma base fundamental para entender sua crítica filosófica ao trabalho capitalista. Nos Manuscritos Econômico-Filosóficos (ou Manuscritos de Paris), 1844, temos no Terceiro Manuscrito: [Trabalho Alienado] a fonte primária e mais detalhada sobre a teoria da alienação. Marx descreve explicitamente as quatro dimensões da alienação:

– Alienação do produto do trabalho: “O objeto que o trabalho produz, o seu produto, opõe-se a ele como um ser estranho, como uma força independente do produtor.”

– Alienação do ato de produção: “A alienação do trabalhador no seu produto significa não apenas que o seu trabalho se converte num objeto, numa existência externa, mas também que existe fora dele, independente, estranho, que se torna uma potência autónoma face a ele.”

– Alienação do potencial humano (ser genérico): “O trabalho alienado… faz da vida genérica do homem um meio para a existência física. […] A essência humana da natureza só existe para o homem social.”

– Alienação do outro: “Uma consequência imediata do facto de o homem estar alienado do produto do seu trabalho, da sua atividade vital, do seu ser genérico, é a alienação do homem em relação ao homem.”

Embora o termo “alienação” (Entfremdung) seja menos usado explicitamente em O Capital (ele usa mais termos da economia política, como “fetichismo da mercadoria”), a análise concreta do processo de trabalho na fábrica (Capítulo 15) é a aplicação prática do conceito de 1844. A descrição do trabalhador como um “apêndice da máquina” é a materialização da alienação.

A luta de classes não acabou, mas ela se reconfigurou. O conflito central entre quem vende sua força de trabalho e quem detém os meios de produção (sejam fábricas, sejam plataformas digitais) permanece. O que mudou foram os Atores, de operários industriais para entregadores, programadores e influencers. Mudaram as Ferramentas de Exploração, de linhas de montagem para algoritmos de gestão. O Novo Mundo do Trabalho não superou a luta de classes descrita por Marx. Ele a modernizou, criando novas e por vezes mais complexas formas de exploração que, por sua vez, geram novas e criativas formas de resistência e organização da classe trabalhadora. A essência do conflito, a disputa pela riqueza produzida e pelas condições em que ela é produzida, permanece mais relevante do que nunca!