Em defesa do materialismo histórico-dialético
Ao lado da atuação das frentes de massa e institucional, a luta de ideias faz parte do tripé que molda a ação do militante comunista. Não existe revolucionário que não esteja atento a sua principal bússola teórica e por esta moldar-se em sua ação cotidiana. Nós sabemos disso, e nossos adversários de classe também sabem. Não sem razão, nomes como Hannah Arendt, George Orwell, Isaiah Berlin, Sidney Hook, Daniel Bell e muitos outros, foram financiados pela CIA para produzirem pensamentos e estimularem formulações antimarxistas.
Conforme publicou Frances Stonor Saunders, a CIA atuou e influenciou em muitas organizações culturais, através de seus agentes ou por meio de organizações filantrópicas como as fundações Ford e Rockefeller. A Agência Norte Americana organizou congressos, montou exibições de arte e concertos, criou instituições de financiamento, distribuiu programas de bolsas, estimulou publicações e as impulsionou, moldou nomes, discursos e modismos acadêmicos, e com isso chegou a influenciar fortemente nas organizações dos movimentos sociais, e na cultura política em geral.
Do ponto de vista conceitual, o escopo que mais recebeu incentivo, com intuito de confundir o debate ideológico e produzir uma “esquerda inofensiva”, antimarxista, foi certamente aqueles que se associaram à chamada Pós-modernidade. Segundo Jonh Bellamy Foster, esta corrente se fundamenta na rejeição das grandes narrativas, uma espécie de ceticismo epistemológico mais profundo, caracterizando-se como um sistema de negação categórica da possibilidade de entidades positivas.
A síntese dos pós-modernos está baseada em três negações fundamentais: a totalização, a teleologia e o utopismo. Uma oposição que vai do capitalismo até, principalmente, ao marxismo, com negação inclusive à história, vista pela ausência de construções em processo.
A oposição feita pelos pós-modernos às elaborações marxistas se fundamentam em uma incapacidade interpretativa deles próprios, baseada na visão limitada de mundo, pautado em uma mera relação de causa e efeito. Um erro que parte da oposição a determinantes advinda de uma não compreensão da relação dialética entre a resultante e o conjunto de multifatores que levam ao acontecimento histórico, sem o qual, qualquer leitura processual passaria a parecer simplificadora e metafísica. Como bem esclareceu Engels na famosa carta à Bloch.
Algo que se mostra bastante eficiente na consequência da aplicação do receituário da pós-modernidade se observa na atuação dos chamados “movimentos identitários”. Nós, comunistas, precisamos assumir postura crítica e enfrentarmos o debate dos temas atuais e necessários para a sociedade. Porém, não podemos nos confundir e precisamos trazer reflexões sobre quais seriam as abordagens marxistas para estas frentes de luta.
Mas, de que forma e com quais feições os comunistas devem atuar neste terreno? – A resposta a esta questão deve partir do reconhecimento da importância que tem estes temas, mas, evitar levá-los para a vala comum das abordagens culturalistas, que na prática dividem o campo político da esquerda, e que chegam até a constituir frentes que se opõem a própria defesa da construção do socialismo.
Domenico Losurdo nos legou importante contribuição a este debate, ele se empenhou em atualizar a aplicação do conceito de luta de classes, e afirmou que, “em virtude de sua ambição de abraçar a totalidade do processo histórico, a teoria da luta de classes se configura como uma teoria geral do conflito social”. Em oposição aos naturalistas, Marx pôs o conflito de classes no terreno da história, o que nos leva a considerar a multiplicidade das formas com as quais tais conflitos se manifestam.
Para os marxistas, portanto, não pode haver oposição entre defesa do processo de desenvolvimento (economia) e as lutas emancipatórias (cultura/costumes). Assim, as lutas antirracistas, respeito às opções religiosas, equidade de gênero e de orientação sexual, precisam estar na agenda cotidiana dos comunistas.
Ao atuar nestas frentes, precisamos estar atentos ao que Foster muito bem chama tenção: é que sob o discurso de negação de uma identidade essencial os pós-estruturalistas passam a defender o fenômeno das identidades sociais múltiplas. Desta forma a sociedade passa a ser reduzida a um agregado de opções pessoais, que são descolados da realidade social do sujeito. É como se raça, sexo ou classe, passasse a ser uma opção, tal qual gosto musical ou forma de vestir. Assim, mais uma vez, ao negar o social em nome de um não essencialismo, essencializa-se o indivíduo, ou, relativiza-se por completo a sua identidade. Um relativismo pode levar, inclusive, à aceitação de um neoliberalismo cultural infantil.
Marx argumentou contra uma concepção abstrata da natureza humana e defendeu que é no contexto das forças produtivas e das relações de produção que a natureza humana condiciona a maneira pela qual os indivíduos expressam sua vida. Assim, a história envolve uma transformação contínua da natureza humana. São as concepções anti-humanistas, bem como as dos pós-modernos, que se opõem a possibilidade de transformação racional da sociedade através dos esforços humanos.
Esta postura leva a uma política que acaba por se pautar na busca por instrumentos de salvação localizados fora da humanidade. A consequência disso seria a valorização do autêntico, exaltação do particularismo em comparação com o universal, o que abre brechas para teorias que visam à ascensão de determinados grupos em subjugação de outros, como observados em vários momentos da história
Ao rejeitar toda a noção de processo e todas as narrativas totalizantes, as abordagens pós-modernas criam um discurso que pode confundir a militância de esquerda, pois se apresenta como anticapitalista, mas, é, antes de qualquer coisa, antimarxista! – A negação da validade da crítica histórica na verdade esconde o que está em jogo, que é a negação a crítica histórica do próprio capitalismo.
O materialismo histórico oferece uma saída para isso. Em virtude da ambição de abraçar a totalidade do processo histórico, a teoria da luta de classes acabou por se configurar em uma teoria geral do conflito social. Operando uma ruptura epistemológica radical em relação aos naturalistas, o marxismo pôs o conflito social no terreno da história, e mais, ao oferecer uma chave para a compreensão do processo histórico a teoria da luta de classes passou a abranger a multiplicidade das formas nas quais os conflitos se manifestam.
A pós-modernidade impossibilita a construção de projetos universais e reconhecimento de indivíduos como classes, o homem deixa de ser sujeito histórico, a natureza do eu humano é fragmentada, impossibilitando o desenvolvimento de identidade. Com a não identidade enquanto sujeitos a perspectiva de organização e mobilização é abandonada. O discurso pós-moderno impossibilita projetos emancipatórios, o capitalismo é transformado na mais racional experiência que se impôs, deixando para o indivíduo a responsabilidade pelo seu fracasso.
Ao abandonar a possibilidade de transformação radical da sociedade os pós-modernos se tornam facilmente absorvidos pela estrutura cultural dominante, tornando-se mercadorias aceitáveis e exóticas no mercado, cabendo ao materialismo histórico fincar trincheira no campo intelectual para transcender às relações produtivas do mercado capitalista.
Não cabe aos marxistas se confundirem com a disputa por substituição dos grupos particulares que constituem a elite social capitalista. A tarefa histórica do comunismo é outra: eliminar o próprio conceito de elite capitalista, e superá-lo em prol da construção de uma sociedade mais igual e menos desumana! É disso que se trata! De eleger a essência, ao invés da aparência!
Profissão: Doutor em História pela UFF/Historiador/Docente da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), atualmente a disposição da Reitoria para função de Secretária de Articulação Interinstitucional
*Da direção do PCdoB de Salvador / Da direção do Comitê Estadual do PCdoB da Bahia / Membro da Comissão Estadual de Formação e da Secção Baiana da Fundação Maurício Grabois/ Escola Nacional João Amazonas-Grupo de Estado e Classe. OB Universidade / Frente de ideias