Luta por reforma agrária é parte central da trajetória dos comunistas do Brasil

Bandeira central para a construção de uma sociedade realmente justa e desenvolvida, a reforma agrária também é parte da história de lutas do PCdoB, o mais antigo partido do Brasil e um dos que há mais tempo defende essa causa. Em um momento em que a desinformação é usada como ferramenta política contra a esquerda, vale lembrar alguns fatos que marcaram essa trajetória em prol da igualdade no campo.
Já em 1927 — apenas cinco anos depois de sua fundação — o Partido Comunista do Brasil encampou a formação da primeira frente eleitoral de esquerda do país, o Bloco Operário Camponês. A aliança incorporava as bandeiras dos trabalhadores das cidades e também rurais e lançou o operário negro e então vereador do Rio de Janeiro, Minervino de Oliveira, à presidência da República.
Mais adiante, como parte do contexto da formação de frentes populares para enfrentar o nazifascismo, o Partido Comunista do Brasil se empenhou na formação da Aliança Nacional Libertadora (ANL) em março de 1935.
Tendo como lema “Pão, Terra e Liberdade”, a ANL defendia a união de todas as pessoas, organizações e partidos “sob a única condição de que queiram lutar contra a implantação do fascismo no Brasil, contra o imperialismo e o feudalismo, pelos direitos democráticos”.
Além disso, “seu programa defendia o cancelamento das dívidas com os países imperialistas, a entrega dos latifúndios aos camponeses e outras reivindicações democráticas e sociais”, lembra o documento “PCdoB, um século em defesa do Brasil, da democracia e do socialismo”, emitido em março de 2022 pela Comissão Política Nacional do partido.
Constituinte de 1946
Um dos pontos altos dessa relação do partido com a reforma agrária se deu durante a Constituinte de 1946. Naquele momento, os comunistas eram a quarta maior força política da Assembleia Constituinte, com um senador — Luiz Carlos Prestes — e 14 deputados — João Amazonas (DF), Maurício Grabois (DF), Joaquim Batista Neto (DF), José Maria Crispim (SP), Osvaldo Pacheco (SP), Jorge Amado (SP), Mário Scott (SP), Gregório Bezerra (PE), Agostinho Dias de Oliveira (PE), Alcedo Coutinho (PE), Claudino José da Silva (RJ), Alcides Sabença (RJ), Carlos Marighella (BA), Abílio Fernandes (RS).
Conforme mostra a historiografia, o tema da reforma agrária é um dos mais presentes nos discursos do então senador Prestes durante a Constituinte. “Sem uma redistribuição da propriedade latifundiária, ou em termos mais precisos, sem uma verdadeira reforma agrária, não é possível debelar grande parte dos males que nos afligem”, disse.
Ainda durante os debates sobre a nova Constituição, disponível nos anais da Câmara, o deputado comunista José Maria Crispim (SP) defendia que a nova Carta deveria encerrar “os princípios necessários para a realização das grandes reformas econômicas e sociais que hoje se impõem ao país, e das quais depende o nosso progresso. Assim, urge a reforma agrária que acabe com o monopólio da terra, base da reação e fator principal do atraso no campo; o levantamento do nível material e moral da massa camponesa, que representa quase 70% da população brasileira, exige uma transformação profunda de nosso regime agrário”.
O parlamentar completava dizendo ser “necessário e urgente superar o regime existente no campo, que vem do passado colonial, por novas formas de exploração da terra, e isto só será possível pela sua distribuição gratuita aos camponeses pobres”.
Um emenda da bancada comunista — conforme lembram José Carlos Ruy e Augusto Buonicore no livro “Contribuição à História do Partido Comunista do Brasil” — procurou relativizar e subordinar o direito à propriedade a outros direitos e interesses. Dizia a emenda: “É garantido o direito de propriedade, desde que não seja exercido contra o interesse social ou coletivo, ou quando não anule, na prática, as liberdades individuais proclamadas nesta Constituição ou ameace a segurança nacional”.
Os autores ressaltam, ainda, que “a bancada se colocou contra o artigo que previa o pagamento prévio ‘em dinheiro e pelo justo valor’, das propriedades desapropriadas por utilidade pública e interesse social. Esta condição inviabilizaria qualquer tentativa legal de realizar a reforma agrária e urbana no Brasil”.
Como a história mostrou, o empenho dos comunistas em colocar a reforma agrária no texto constitucional de 1946 não vingou, dada a força dos senhores das terras, que desde sempre deram as cartas no parlamento brasileiro. Mas, jogou luz e reforçou a necessidade de o país enfrentar a questão agrária como peça fundamental para seu progresso humano e material.
Movimentos do campo
Os comunistas também tiveram papel destacado nas lutas camponesas ocorridas mais adiante. “Em meados da década de 1950, em Trombas e Formoso, no norte de Goiás, e também em outras regiões do país, como em Porecatu (PR), o Partido incentivou e dirigiu o levante de camponeses pela posse da terra. E, em 1954, apoiou a fundação da União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil (Ultab), entidade precursora da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), fundada em 1963”, lembra o documento já citado da Comissão Política Nacional.
Importante destacar, ainda, que a presença dos guerrilheiros do Araguaia no Sul do Pará, entre o final dos anos 1960 e início dos 70, deixou fortes marcas na formação da população local, especialmente no que diz respeito à luta por justiça e pela terra. Ao longo de décadas, a região tem sido palco de resistência e luta dos camponeses, muitos dos quais, militantes e dirigentes do PCdoB.
Conforme lembra o documento que resgata o centenário do PCdoB, “desde o início dos anos 1980, o Partido esteve presente nas jornadas de luta pela terra, no sul do Pará, centro-oeste do Maranhão e em outras regiões das quais são mártires destacadas lideranças dos camponeses: os membros da família Canuto, o pai João Canuto e os irmãos José, Paulo e Orlando, dos quais, só este último conseguiu escapar da violência do latifúndio; Raimundo Ferreira Lima, o Gringo, presidente eleito do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Conceição do Araguaia; o advogado e ex-deputado do PCdoB Paulo Fonteles; e Raimundo Nonato Santos da Silva (Nonatinho), liderança camponesa de Santa Luzia do Pindaré (MA)”.
O balanço também cita o assassinato, pelo latifúndio, em 1991, do presidente do Sindicato dos Trabalhadores de Rio Maria (PA), Expedito Ribeiro. “Nesse período, o Partido enfrentou a famigerada União Democrática Ruralista (UDR), organização dos latifundiários. Na Constituinte de 1988, participou das mobilizações dos camponeses pela reforma agrária e em defesa da agricultura familiar. E também retomou sua presença na diretoria da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag)”, destaca.
O tema da reforma agrária continuou presente em lutas posteriores, bem como na Constituinte de 1988, e segue viva na atuação dos comunistas, dos movimentos sociais ao trabalho legislativo e institucional.
Ao lembrar de casos mais recentes de crimes no campo envolvendo comunistas, o partido aponta: “em demonstração de que, em pleno século 21, o latifúndio continua com sua atávica violência, foram assassinados Adelino Ramos, o Dinho, líder camponês da Amazônia, militante do PCdoB, em maio de 2011 no estado de Rondônia; e Afonso João da Silva, líder de assentamento e presidente do PCdoB de Jaciara (MT), em 2020”.
Apesar das vidas perdidas, da violência e dos obstáculos impostos secularmente à população rural pelo setor mais atrasado da agricultura nacional, no documento de 2022 o partido destaca que, na atualidade, “segue cultivando seus vínculos com a luta dos trabalhadores e trabalhadoras rurais, seus movimentos e entidades sindicais”.