Documentário palestino que venceu o Oscar chega ao Brasil
A consagração de Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, como “melhor filme internacional” não foi a única surpresa do Oscar 2025, realizado no último dia 2 de março. O ótimo longa-metragem israelense-palestino Sem Chão (No Other Land) fez história ao conquistar a estatueta de “melhor documentário”.
Agora, com sua clara mensagem contra o genocídio imposto por Israel na Faixa de Gaza, No Other Land estreou nos cinemas do Brasil nesta quinta-feira (13). Um dia antes, na quarta (12), houve uma sessão especial no CineSesc, seguida de debate com os ativistas Yuri Haasz (Vozes Judaicas pela Libertação), Rawa Alsagheer (Rede Samidoun de Solidariedade aos Prisioneiros Palestinos) e Thiago Ávila Brasil (Freedom Flotilla).
Detalhe: em meio ao genocídio em Gaza – e às voltas com o retorno de Donald Trump à Casa Branca –, nenhuma distribuidora de Hollywood topou lançar No Other Land no circuito norte-americano. Os produtores deflagaram, então, uma força-tarefa e promoveram o autolançamento em 23 salas de cinema. Por tudo isso, a vitória no Oscar, embora justa, estava em risco – não se o filme chegaria aos eleitores da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos Estados Unidos.
O anúncio do prêmio máximo coroou sua trajetória de poucos mais de um ano em mostras, festivais e outros eventos. Além de sua ótima recepção na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em 2024, No Other Land foi aclamado como “melhor documentário” no Festival de Berlim e “melhor filme não ficcional” nos Círculos de Críticos de Cinema de Nova York e Los Angeles, entre outras dezenas de estatuetas mundo afora.
Os quatro diretores do documentário não são nomes do cinema – mas, sim, ativistas. Há dois palestinos (Basel Adra e Hamdan Ballal) e dois israelenses (Yuval Abraham e Rachel Szor). No Oscar, Adra e Abraham é que subiram ao palco do Dolby Theatre, em Los Angeles, para receber a histórica e inédita premiação.
“Há cerca de dois meses, me tornei pai”, discursou Adra. “Minha esperança para minha filha é a de que ela não precise viver uma vida igual à que vivo agora, sempre temendo a violência dos colonos, as demolições de casas e os deslocamentos forçados que minha comunidade.”
Ambientado nas ruínas de Masafer Yatta, um vilarejo no coração da Cisjordânia ocupada, o filme retrata os percalços que o próprio Adra enfrenta ao tentar registrar a destruição de sua comunidade pelas forças israelenses. Como sintetizou a crítica Maria do Rosário Caetano, é um “filme produzido em um ‘não Estado’, em um ‘não país’ – a Palestina”.
Entra andanças, vento e poeira – muita, muita poeira –, as cenas se intercalam com indisfarçável melancolia. Os palestinos na tela, gente real, de carne e osso, parecem uma personificação dos personagens de Giacomo Leopardi, o “poeta do infinito”, que certa vez escreveu:
“E quando olho a amplidão, de estrelas cheia,
penso e digo comigo:
Por que tanta candeia?
Por que estes ares infinitos, este
infinito profundo, sereno, esta
imensa solidão? E eu, que sou eu?”
Ao mesmo tempo, há humanidade e esperança. Em No Other Land, a urgência da causa palestina vem à tona sobretudo na tomada de consciência de Abraham, um jornalista que, tendo nascido e crescido em Israel, parecia apoiar irrefletidamente o lado sionista.
Mas o filme vai além da amizade entre Adra e Abraham. Com as pequenas históricas reveladas, não há como não se comover com a heroica resistência de um povo que, desde 1948, aguarda a ONU (Organização das Nações Unidas) autorizar o Estado Palestino.
É verdade que o lançamento no Brasil se limita a um circuito restrito. Ainda assim, o País, ao acolher No Other Land, teve uma ousadia que se contrapõe à covardia dos Estados Unidos.
“Está claro que existem razões políticas em jogo aqui que estão afetando isso”, afirmou Abraham sobre o boicote norte-americano. “Espero que, em determinado momento, a demanda pelo filme se torne tão clara e incontestável que haverá um distribuidor com coragem suficiente para assumir e mostrá-lo ao público.”